Vítima da ditadura explica estratégia de sobrevivência no período: 'Apanhei muito'
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Poucos meses antes do aniversário de 60 anos da ditadura militar brasileira, Emílio Ivo Ulrich, preso durante o regime e encaminhado ao Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), compartilhou suas memórias da época em que foi capturado com o portal Agência Brasil.
Por fazer parte da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um grupo de extrema-esquerda que bateu de frente com os militares da época por meio de uma luta armada, Ulrich foi investigado por meses antes de sua captura, quando também passou pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), histórico órgão de repressão.
E depois eu fiquei em liberdade vigiada. Eu tinha que assinar um livro na auditoria militar toda semana. Eu estava preso, só que estava na rua", relembra Ulrich à Agência Brasil.
Ulrich afirma não ter sido um comunista, mas que assumiu o título para fazer sentido da violência física e mental que sofria. Ele explica que se tratava de uma estratégia de sobrevivência:
Claro que eu disse que eu era comunista. Apanhei muito por dizer que não era comunista. Depois apanhei por dizer que era. Disse isso para poder me livrar do pau-de-arara", disse ele a Agência Brasil.
Sobrevivência
Durante a entrevista, ele relembra um passado onde tudo o que via eram soldados ou militares de patentes superiores, entre eles o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-coronel do Exército brasileiro, conhecido por seu papel como torturador durante o regime militar.
Conforme repercutido pela Agência Brasil, o antigo prédio do DOI-Codi, onde Ulrich ficou preso, agora serve de local de estudo para pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O objetivo do projeto é manter viva a história do DOI-Codi, como um alerta para as gerações futuras.
Há muitos anos Emílio não adentrava o prédio do DOI-Codi, mas retornou ao local que lhe marcou para sempre, após ficar sabendo do projeto da Unicamp em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele afirma querer ajudar com as memórias que tem do local, algo muito valiosos para os pesquisadores que dependem os relados daqueles que foram presos para dar sentido a algumas das descobertas feitas no edifício.
Memória
Ulrich também compartilhou que criou coragem para contar a sua história após participar de reuniões de grupos de apoio a vítimas da ditadura nas Clínicas do Testemunho, estabelecidas durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que também foi presa e torturada pelo regime, e visam acolher aqueles que foram afetados pela ditadura civil-militar brasileira.
Me ajudou muito a falar sobre o assunto, porque eu não falava sobre isso, eu só chorava. Claro que o sofrimento era muito maior naquela época, depois que eu saí. Acontece que eu sempre disse, na minha vida, que a prisão passa. Agora, a tortura não acaba nunca", concluiu Ulrich à Agência Brasil.
Em setembro deste ano, ele lançará um livro chamado “Tortura sem Fim”, onde relata o período de repressão e os anos seguintes de sua vida.