Como vive Blue, a baleia considerada a mais solitária do mundo?
Mega Curioso
Identificada pela primeira vez em 1992 por meio de uma iniciativa da Marinha norte-americana, a baleia Blue, considerada a mais solitária do planeta, emite sons irreconhecíveis enquanto tenta se comunicar com outros espécimes, em velocidades até dez vezes maiores que as naturalmente manifestadas pela espécie. Essa adaptação vocal acabou sacrificando a sociabilidade do animal, e até hoje ele segue sem ser notado por seus comuns.
As espécies de baleias são conhecidas por serem extremamente sociáveis e utilizam sons similares a cantos para se comunicarem com outros membros do gênero, com os mais diversos intuitos. Essa ação de emitir ruídos em padrões de frequência determinados é um dos mecanismos mais importantes para a sobrevivência desses grupos, visto que as limitações da vida submersa acabam reduzindo a efetividade de sentidos como a visão e o olfato.
"As baleias e os golfinhos são animais sociáveis. Algumas espécies se organizam em grupos coesos e produzem sons complexos se comparados a línguas e dialetos diferentes. Também apresentam comportamento aloparentamental – cuidam de jovens que não são os seus filhos", disse a bióloga Kátia Silva, em entrevista ao Mega Curioso, destacando o altruísmo da espécie. "Também já foi comprovado o comportamento de luto vivido pela mãe quando o seu filhote morre. Em muitos casos, a mãe carrega o corpo da cria por vários dias, se recusa a alimentar-se e outros indivíduos do grupo também ajudam a mãe carregando o corpo do membro falecido. A dor pela perda de um membro do grupo é vivenciada não somente na espécie humana".
(Fonte: Ex Mouth Diving / Reprodução)
Diferentemente das outras espécies, que conseguem alcançar frequências sonoras entre 40 Hz e 325 KHz, as baleias-de-barbatanas — ou misticetas — emitem e compreendem sons na casa dos 20 Hz, categoria bem abaixo do que as que os humanos são capazes de ouvir. Dessa forma, apenas é possível identificar o canto desses animais por meio de aparelhos especializados na captação de ruídos, como houve com o caso da rede de hidrofones instalada durante a Guerra Fria por militares norte-americanos.
Por muito tempo, esse mecanismo conseguiu identificar muitos sinais de baleias-azuis e baleias-de-barbatanas, todas localizadas através da captação de frequências médias de 15 a 30 Hz. Porém, uma faixa de som se destacou em meio ao rugido oceânico e os cientistas conseguiram identificar uma misteriosa frequência de 52 Hz vindo de um indivíduo em especial, algo considerado grave para humanos, mas agudo e indecifrável para outras baleias.
A baleia 52 Hertz: mistério da ciência
Pouco se sabe sobre Blue, e mesmo após quase três décadas de estudos os cientistas não conseguiram identificar se o animal é macho ou fêmea. Tudo fica ainda mais misterioso quando se trata de sua espécie, já que enquanto o mapeamento da rota, aparentemente operando com comportamentos migratórios no oceano Pacífico, sugere ser uma baleia-azul, enquanto as assinaturas físicas indicam ser uma baleia-de-barbatana. Seria, então um espécime híbrido?
"É possível que possa ser um animal híbrido, já que existem casos comprovados de hibridismo entre as duas espécies de baleias. Porém, não se pode ainda afirmar, já que a Blue nunca foi vista de fato, somente ouvida no mesmo local e na mesma época do ano", completou a bióloga marinha. "Para comprovar, seria necessário um estudo genético com a coleta de uma amostra da pele e gordura desse animal. Outra hipótese é que possa ser algum tipo de anomalia ou até mesmo uma outra espécie".
(Fonte: Pixabay / Reprodução)
A ciência não possui respostas sobre a natureza da baleia e tampouco é capaz de encontrá-la com facilidade, já que os sons proferidos por esses animais podem atingir raios de até 3 mil quilômetros. Porém, a questão do canto não ser emitido na frequência localizada no espectro auditivo das baleiras sugere que Blue possui uma dificuldade extra de socialização, e por isso muitos estudiosos classificaram essa "deficiência" como causadora de um duradouro estado de solidão.
"Apesar de sabermos que as baleias são animais solitários, que formam grupos temporários em determinadas épocas do ano para alimentação e reprodução, no geral elas são consideradas animais solitários, diferentemente dos golfinhos, que vivem em grupos. A Blue ainda é um mistério e com o passar dos anos os pesquisadores têm conseguido mais informações, porém até o momento apenas conhecemos o som produzido pela Blue", conclui Kátia.
Os humanos como melhores amigos
Com a dificuldade de comunicação entre a própria espécie, Blue ganhou, na humanidade, as melhores chances de estabelecer um vínculo de compreensão, visto que os cientistas são capazes de geolocalizar os sons do animal e utilizar essas ferramentas para projetar possíveis formas de entendimento sobre as emoções e comportamentos da baleia.
No momento, equipes de resgate e biólogos seguem tentando encontrar a fonte dos 52 Hertz enquanto aprimoram técnicas para um dia poderem examinar Blue e comprovar se a solidão lhe afeta de forma negativa ou se, mesmo com as barreiras comunicativas, permite que outros animais do ecossistema marítimo escutem o seu chamado.