O curioso caso da moeda de US$ 1 trilhão e o problema de imprimir dinheiro
Mega Curioso
Recentemente, os brasileiros conheceram a nota de R$ 200 — que não é nem de longe a mais alta que existe no mundo —, mas os americanos podem acabar conhecendo uma moeda de 1 trilhão de dólares.
Isso mesmo: 1 trilhão. 1 000 000 000 000, com doze zeros. Em uma moeda.
Ela seria produzida, depositada no Federal Reserve (o banco central americano) e usada somente para pagar dívidas do governo. Mas aí que fica a dúvida: se imprimir dinheiro pode causar inflação , porque o país mais capitalista do mundo está pensando em fazer isso?
Política, meus amigos. A gente vai tentar explicar essa história bizarra para vocês.
O problema da dívida
Para entender como essa história de "moeda de US$ 1 trilhão" surgiu, é preciso dar alguns passos para trás e explicar o problema do teto da dívida do governo dos EUA.
Como em diversos países, o governo dos EUA "empresta" dinheiro gerando títulos de dívida pública: recebe US$ 1,00 de investidores e promete pagar US$ 1,10 quando esse título vencer, por exemplo. Quando não tem grana no caixa, é só emitir mais títulos com validade maior, pagando juros maiores. Simples, né?
O problema é que não dá para emitir títulos para sempre, pelo menos não nos EUA. Lá, uma lei de 1959 cria um teto para a dívida pública, que atualmente é de US$ 28,4 trilhões.
O governo está quase chegando nesse limite — e corre o risco de ficar sem dinheiro a partir de 18 de outubro. Isso seria uma catástrofe para os cidadãos, que ficariam sem diversos serviços até as contas do governo assentarem. Segundo a revista Fortune, as últimas três paralisações do governo dos EUA geraram prejuízos de, pelo menos, US$ 4 bilhões.
O problema envolve política — e o Capitólio dos EUA. (Imagem: Wikimedia Commons)
Onde a moeda de 1 trilhão entra na história?
Se o governo não pode emitir mais títulos para emprestar dinheiro, então onde vão arranjar mais dinheiro?
Aumentando o teto da dívida, é claro. Segundo a Fundação Peter G. Peterson, isso já foi feito 87 vezes desde que a lei foi criada, em 1959, sendo três só no mandato de Donald Trump. Só que esse aumento do teto da dívida precisa ser aprovado pelo Congresso — e é aí que mora o problema. Por mais que os Democratas (partido do atual presidente Biden) sejam maioria nos votos, os Republicanos (partido de Trump) estão dificultando o aumento.
Mas se a oposição não aprova o aumento e a alternativa é o caos, será que não dá para imprimir um tiquinho mais de dinheiro? Nos EUA, não. Cada cédula impressa conta como dívida para o governo. A não ser que... seja uma moeda especial de platina. Isso porque a lei americana permite que o governo cunhe moedas de platina de qualquer valor, sem que esse dinheiro conte como dívida. A lei existe para permitir a criação de moedas comemorativas, mas já que ela diz "qualquer valor", o governo pode aproveitar essa brecha para botar mais US$ 1 trilhão na conta.
Diz a lenda que seria facílimo fazer a tal moeda de US$ 1 trilhão. Em poucas horas, ela estaria pronta. Mas ninguém quer fazer isso.
A manobra, embora dentro da lei, é apenas um grande truque para tapear um problema real do governo. É melhor os Republicanos aceitarem subir o teto da dívida, para que o dinheiro possa ser levantado do jeito certo. Até porque imprimir dinheiro do nada (ou cunhar moedas, dá na mesma), geralmente é bem ruim para a economia. É um dos principais combustíveis para a temida inflação, velha conhecida nossa aqui no Brasil .
Exemplo de moeda comemorativa de platina. (Imagem: Wikimedia Commons)
A impressão de dinheiro e a inflação
O problema é o seguinte: dinheiro só vale alguma coisa porque as pessoas acham que vale e porque esse dinheiro pode ser trocado por coisas que realmente precisamos.
Se há mais dinheiro circulando, sem haver mais coisas para comprar, a procura fica maior e todas as empresas aumentam os preços dos produtos. Aumenta daqui, aumenta de lá e a inflação foge do controle.
A pior crise de hiperinflação já registrada no mundo , na Hungria, pós-Segunda Guerra, aconteceu justamente porque o governo imprimiu dinheiro descontroladamente. Tinha muito dinheiro "na rua" e cada nota comprava menos coisas. O governo foi criando cédulas de 1 bilhão e 1 trilhão, que de um dia para o outro não valiam mais nada. Chegou ao ponto que a Hungria nem tinha mais papel para imprimir dinheiro.
E não, combinar de não aumentar o preço das coisas não adianta: o Brasil até tentou fazer isso com os "Fiscais do Sarney" nos anos 1980 e não deu nada certo, até porque não é assim que a economia funciona. As crises inflacionárias só foram superadas com o Plano Real , 14 anos depois.
Além disso, a inflação prejudica os próprios títulos da dívida pública — o que nos faz voltar à treta dos Estados Unidos. Se há muita inflação, o dinheiro perde valor rápido e não vale a pena manter títulos que vão pagar uma mixaria daqui a três ou quatro anos. Logo, os títulos ficam mais difíceis de vender, até porque os investidores perdem confiança no governo. Então, imprimir dinheiro acaba sendo um tiro no pé em todos os sentidos.
Por esses e outros motivos, a Secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, já disse que não quer recorrer à moeda de US$ 1 trilhão para pagar as dívidas do governo. Essa solução só seria adotada porque a outra alternativa — dar calote e fechar o governo — é ainda pior.