Quando impressões digitais se tornaram prova nos tribunais?
Mega Curioso
Na madrugada de 19 de setembro de 1910, o afro-americano Thomas Jennings, que estava em liberdade condicional há pouco mais que um mês, disparou três tiros no peito de Clarence Hiller, morador do bairro de South Side, em Chicago (EUA).
O episódio aconteceu após a vítima ser acordada pelo barulho que Jennings fez ao tentar invadir sua casa. Naquela época, a vizinhança sofria com a "onda" de assaltos e crimes que aconteciam a qualquer hora do dia, mas principalmente durante a madrugada.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Os homens se envolveram em uma luta corpo a corpo antes de Jennings sacar um revólver e simplesmente encerrar o conflito com os disparos, abandonando um Hiller agonizando em meio a quantidade de sangue que lhe escapava pelos buracos causados pelos tiros.
Apesar de Jennings estar de mãos vazias quando foi parado a pouco mais que 800 metros da cena do crime, foram suas impressões digitais em uma grade recém-pintada que ele usou para se içar através de uma janela na casa da vítima que o condenaria — e também seria responsável por revolucionar a História em vários aspectos.
A evidência
(Fonte: Chicago Tribune/Reprodução)
A polícia fotografou e recortou um pedaço da própria grade para tentar apresentar como prova de que Jennings era o criminoso que tirou a vida de Clarence Hiller, que deixou uma esposa e filha desamparadas.
A promotoria do tribunal de Chicago tentaria provar um crime pela primeira vez na história dos Estados Unidos tendo impressões digitais como evidência. A defesa do réu, no entanto, colocou vários obstáculos para implementação das digitais no processo, uma das quais questionando se a técnica rudimentar poderia ser legalmente apresentada ao tribunal.
(Fonte: San Antonio Report/Reprodução)
Em uma tentativa de provar que as impressões digitais poderiam ser iguais para tentar refutar a teoria, os advogados de Jennings solicitaram impressões do público. O advogado de defesa W. G Anderson se candidatou ao teste. Ele foi desbancado em frente ao júri quando suas impressões ficaram visíveis em um pedaço de papel que havia tocado.
Sendo assim, o júri votou unanimemente pela condenação de Jennings, que recebeu a pena de morte, enforcado logo em seguida. Contudo, não ficou claro o quanto o papel da raça do réu teve relevância em seu julgamento, isso porque todo homem negro era visto como um criminoso naquela época e ficou difícil imaginar que um júri branco não ficaria mais cético com um réu branco tentando ser incriminado com uma técnica desconhecida.
Tentando provar a raça
(Fonte: TimeToast/Reprodução)
A hipótese partiu do princípio de que o próprio europeu Francis Galton, que escreveu um livro no final de 1880 onde consta o primeiro sistema de classificação de impressões digitais, fez toda a determinação da técnica baseada em crenças raciais pseudocientíficas. Em seu livro Impressões Digitais, Galton escreveu que “parecia razoável esperar encontrar diferença racial nas marcas dos dedos”.
Para a jornalista Ava Kofman, que escreveu um artigo para o jornal The Public Domain Review, o pensamento de Galton e sua busca pela ciência das impressões digitais combinava com a ideologia colonialista da época, visto que os europeus introduziram-nas para distinguirem dos povos extra-europeus que teriam digitais "indecifráveis". E, ainda, Galton se envolveu na quantificação das diferenças raciais, inventando medições numéricas pseudocientíficas para categorizar os humanos por raça, reforçando sua cruzada racista.
No final das contas, a polícia e inteligência dos EUA apenas imitaram os europeus quando começaram a reunir impressões digitais para fins de identificação no início do século XX. A técnica surgiu em solo norte-americano pela primeira vez durante a Feira Mundial de 1904, em St. Louis, quando agentes da Scotland Yard (polícia metropolitana de Londres) fizeram uma exposição para demonstrar a técnica que estava se tornando popular nos tribunais britânicos.
(Fonte: History Daily/Reprodução)
Conforme o Chicago Tribune, foi a partir do caso Jennings que a Suprema Corte de Illinois passou a inserir as impressões digitais como base suficiente para um veredito de morte por enforcamento.
No entanto, o grau de subjetividade e sua potencial margem para erro, por menor que seja, ainda é assunto debatido mais de um século depois do caso. Em 2004, as técnicas de impressão digital foram alvo de debate quando um advogado chamado Brandon Mayfield foi preso após uma correspondência equivocada de uma impressão digital parcial coletada de um trem onde aconteceu um ataque terrorista em Madri.
Apesar de o Departamento Federal de Investigação (FBI) ter se desculpado publicamente, o caso colocou em pauta se outros erros não passaram despercebidos ao longo de milhares de processos, fomentando a mente daqueles que contestam a infalibilidade da técnica.