Enquanto você dorme, o seu cérebro 'toma banho'
Tecmundo
Dormir bem pode ser considerado, para alguns, quase um privilégio. Deitar, relaxar e apagar por oito horas seguidas é o desejo de todos. Contudo, mais do que uma vontade, dormir é uma necessidade, principalmente se considerarmos as pesquisas recentes sobre os hábitos de higiene cerebral.
Nosso organismo possui uma "via filtradora" de impurezas conhecidas como sistema linfático, mas esse sistema é inexistente, ao menos nos mesmo, moldes, no cérebro. Então como ele elimina os resíduos?
A resposta para isso pode estar intimamente ligada ao sono. É como se ao dormir, o cérebro finalmente tivesse um tempo para ele, tomando um banho relaxante, eliminando as sujidades produzidas pelo dia estressante e caótico, para depois compartimentalizar e guarda o que foi importante.
Vamos lá alimentar mais algumas informações para o seu cérebro ter no que trabalhar na próxima madrugada após um detox dependente de sono.
Era sono que me faltava
Em uma perspectiva bioquímica, a famosa evocação de "trabalhe enquanto eles dormem" não poderia estar mais errada. O sono é fundamental para que todas as funções, orgânicas e cognitivas, sejam preservadas e se mantenham em perfeito funcionamento.
Não se sabe ainda quais são os mecanismos exatos que desencadeiam a necessidade intrínseca de sono em todos os seres vivos, mas com certeza, quem já foi obrigado a passar por algum tipo de privação de sono, sabe que depois de algum tempo, é impossível manter qualquer pensamento coerente.
O ato de dormir é como reset em todos os nossos sistemas. Durante o sono nosso organismo desencadeia ações restaurativas que contribuem para o equilíbrio hormonal, organização e fixação das memórias , relaxamento muscular e uma discreta diminuição das funções dos sistemas cardiovasculares e respiratório, diminuindo também nossa temperatura corporal contribuindo para melhor eficácia de todo esse processo de restauro.
Mas outra função essencial do sono foi descrita pela primeira vez em meados de 2012. Em um estudo publicado na Revista Science, pesquisadores verificaram que o sono tem papel essencial para higiene do nosso cérebro, contribuindo para o funcionamento de um sistema próprio de autolimpeza chamado de glinfático.
O cérebro não possui uma via própria para eliminação dos produtos das metabolizações celulares e não se sabia se de fato esse sistema de limpeza era necessário, ou como nosso órgão "mestre" conseguia realizar essa faxina.
Pense em uma área isolada onde não há portas, janelas ou saídas de ar. Tudo é realizado de modo hermético e totalmente livre de qualquer agente externo. A princípio, algo tão isolado também estaria livre de resíduos e sujidade, mas se você tem uma um canto que não consegue varrer na sua casa, não significa que ele esteja limpo.
Assim é o cérebro. Por muito tempo se acreditou que ele não produzia nada que necessitasse de uma faxina geral, mas sabemos que neurônios e astrócitos, células do sistema nervoso, não são imortais, além disso, para que cada um desses componentes funcionem, são necessárias metabolizações que irão gerar resíduos.
O que o estudo de 2012 fez foi descrever as primeiras impressões sobre o sistema próprio de autolimpeza, que utiliza pequenos espaços entre artérias da membrana subaracnoide que estão em contato com a parte terminal dos astrócitos. Esse pequeno espaço parece ser mais permeável, permitindo que o líquido cefalorraquidiano entre e seja filtrado, eliminando as impurezas produzidas no cérebro.
Mas como esse líquido é levado até lá? Como ele circula? E o que tem a ver com o sono? Parte da resposta veio em 2025 em uma publicação da Revista Cell.
Faxina do soninho
Os pesquisadores monitoram as funções cerebrais, por meio de eletrodos implantados, de cobaias durante o sono natural. Ou seja, ficaram olhando como o cérebro de ratinhos se comportava durante a soneca dos bichinhos.
Era importante que os animais entrassem em estado de dormência de modo natural e não induzido por medicações, para que se pudesse chegar a conclusões mais exatas sobre o funcionamento da faxina durante o sono.
Os dados demonstraram que durante o sono há um trabalho de contração e dilatação dos vasos sanguíneos estimulados por picos de norepinefrina durante o estado de sono não-REM . Essa mudança de concentração de neurotransmissor ocorria em intervalos de aproximadamente 50 segundos, gerando uma espécie de bombeamento do líquido cefalorraquidiano (LCR), o empurrando para captação e filtragem no Sistema Glinfático.
Quando os pesquisadores estimularam o locus coeruleus, que é um grupo de neurônios especializados no tronco cerebral responsável pela produção de norepinefrina, diminuindo o intervalo de picos do neurotransmissor, houve um aumento do bombeamento e funcionamento do sistema de filtragem do cérebro.
E todo esse processo parece ocorrer de forma muito mais eficaz durante a fase de sono não-REM, quando há uma diminuição da atividade cerebral, deixando de ser menos eficaz e ativa durante o sono REM, quando há atividade neuronal mais próxima daquela presente quando estamos acordados. Para que a mágica da limpeza cerebral possa acontecer, você tem que estar dormindo o soninho dos justos.
É um banho em sangue e LCR, mas essencial para que nosso cérebro seja capaz de eliminar toxinas, proteínas indesejadas e manter o bom funcionamento de todas as funções cognitivas, de memória, além de enviar os comandos certos para outros sistemas do organismo.
Segundo estudos na mesma linha de investigação, falhas nesse processo de autolimpeza podem estar associados às doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson e outros tipos de agravos relacionados ao acúmulo de proteínas, restos metabólicos e a degeneração de neurônios e células gliais.
E não vale dormir a qualquer custo. Lembra que eu disse que os pesquisadores analisaram os ratinhos durante o sono natural? Mas eles foram além e experimentaram se os mesmos efeitos autolimpantes ocorriam no sono induzido por Zolpidem . Te dou uma chance de adivinhar.
O uso do Zolpidem nas cobaias demonstrou que há uma diminuição significativa na capacidade de autolimpeza cerebral. A hipótese para esse fenômeno é que a medicação interfere na capacidade do cérebro de experimentar todas as fases do sono, assim como interfere no tempo de duração de cada fase, fazendo com que o corpo não tenha o tempo "normal" de preparação para que todo processo possa ocorrer de modo satisfatório.
Isso não implica na necessidade de descontinuidade do uso da medicação, contudo, são necessários mais estudos para que se entenda o real impacto desse processo, impedindo que os usuários possam experimentar complicações de saúde posteriormente em suas vidas.
Todo campo do sono e suas funções estão em constante investigação e ainda há um caminho longo a ser percorrido, mas a dica é: permita que seu cérebro tome um banho relaxante tendo uma boa noite de sono.
E se você quer algumas dicas para dormir melhor, que tal começar pela posição? Técnicas de higiene do sono podem contribuir e muito para que você tenha noites mais agradáveis e possa experimentar os benefícios de um sono restaurador.
Para mais conteúdos que mereçam ser guardados em suas memórias de longo prazo durante o sono, continue acompanhando o TecMundo. Bons sonhos e até a próxima!