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Hepatites de origem desconhecida: quais são os riscos para o Brasil?
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Hepatites de origem desconhecida: quais são os riscos para o Brasil?

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Tecmundo
11/05/2022 23h00
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Desde o início da pandemia em 2020, foram necessárias várias medidas de contenção para reduzir seu impacto, como o uso de máscaras e distanciamento social. Tais medidas ajudaram no “achatamento da curva”, e a reduzir a disseminação do vírus. 

Essas medidas acabaram impactando indiretamente em outras doenças infectocontagiosas com mecanismos de transmissão semelhantes. É por isso que em 2020 e 2021 houve redução drástica dos vírus respiratórios em geral como influenza (FLU), vírus sincicial respiratório (VSR), HAdV, entre outros. 

A baixa circulação desses vírus gerou um aumento na susceptibilidade populacional a esses agentes, devido aos novos nascidos que nunca haviam contraído essas infecções, somados à queda natural da imunidade por infecção prévia. Mas como outras medidas de contenção ainda estavam vigentes até recentemente, isso não gerou problemas no curto prazo. 

No final de 2021, com o programa de vacinação para covid-19 já avançado e grande parte da população tendo contraído a doença, criou-se uma imunidade coletiva robusta, suficiente para viabilizar a flexibilização das medidas restritivas. A tão aguardada “volta à normalidade”. 

E, como era de se esperar, com aumento na susceptibilidade aos outros agentes, estes encontraram terreno fértil para proliferação. Em janeiro de 2022 houve pico por influenza H3N2, variante Darwin, em um período bastante atípico, no verão. Desde o segundo semestre de 2021 houve aumento considerável de casos por vírus sincicial respiratório, principal causa de pneumonia entre crianças pequenas. 

 

Sabe-se que há uma forte correlação entre as hepatites de origem desconhecida e o HAdV. Em mais de 70% dos casos de hepatite investigados houve identificação do HAdV. É possível que o pico de circulação do HAdV esteja tão intenso que uma complicação muito rara nunca percebida justifique esses eventos. Mas devemos tomar cuidado com conclusões precipitadas. Esse vírus não é uma causa conhecida de hepatite fulminante, apesar de poder acometer o fígado de imunossuprimidos. Precisamos nos manter abertos a outras possibilidades.

As vacinas contra covid-19 não causaram esses casos de hepatite

Hepatite

Dentro dessa investigação, há outros fatores que devem ser considerados. Um primeiro ponto, que tem sido amplamente divulgado de forma imprecisa ou mal-intencionada, é a relação com as vacinas de vetor viral para a covid-19. Uma tese que pode ser refutada como causa. 

Coincidentemente, o vetor que carrega a fita de RNAm nas vacinas como a AstraZeneca e Janssen é um Adenovírus humano. Mas cada uma dessas vacinas tem um tipo diferente dos identificados no atual surto. O subtipo do vírus mais possivelmente associado ao surto de hepatite é o HAdV41, enquanto o usado na vacina da AstraZeneca é um vírus de Chimpanzé recombinante. E na da Janssen utiliza-se o AdV26. 

Além disso, os vírus utilizados nas vacinas são alterados geneticamente para perderem a capacidade replicativa de produzirem a proteína spike (S), que gera imunidade à covid-19. E o que de fato exclui essa possibilidade é que a maioria das crianças que desenvolveu o quadro de hepatite desconhecida não foram vacinadas previamente. 

Coinfecções por vírus podem ser a causa

É possível que os casos de hepatite de origem desconhecida ocorram devido a coinfecção por diferentes vírus. O HAdV seria um dos candidatos, talvez em conjunto com uma nova variante do SARS-CoV-2. Com o surgimento de novas variantes, já era esperado que as reinfecções ocorressem. As características clínicas e imunológicas dessas variantes são bastante imprevisíveis. A subvariante ômicron BA.2 já prepondera em vários países e está substituindo o BA.1 no Brasil (Figura 1). 

Outra possibilidade é a ocorrência de infecção por HAdV pós-covid-19, gerando uma reação imune exacerbada à infecção. Há 2 explicações do porquê somente agora estão ocorrendo casos de hepatite. Uma é que somente nos últimos meses que o HAdV passou a circular novamente. Outra é que a exacerbação imunológica possa ser causada pela nova variante ômicron BA.2. 

Enfim, há várias possibilidades e, somente com estudos epidemiológicos, que certamente serão divulgados em breve, teremos maior convicção da causa ou causas das hepatites de origem desconhecida e com isso prever as repercussões futuras bem como formas de combatê-la. 

Figura 1 — Proporção de identificação de cada variante do SARS-CoV-2 ao longo do tempo

Por que não ocorreram casos no Brasil?

Não há muitos dados epidemiológicos sobre o padrão de circulação do HAdV no mundo. A rede de vigilância de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e de Síndrome Gripal (SG) no Brasil permite uma avaliação indireta da circulação dos vírus respiratórios em geral. E, de acordo com o Boletim Epidemiológico Nº 110 que inclui dados até 23 de abril de 2022, há redução de hospitalizações por vírus respiratórios. 

Porém, a queda de SRAG se dá principalmente às custas da queda da covid-19 A partir de fevereiro deste ano a (SE7 no gráfico), a principal causa de SRAG passou a ser “outros vírus respiratórios”. Ao observar os casos de síndrome gripal (SG) no Paraná, percebemos redução dos casos (Figura 2), mas aumento proporcional das causas não covid-19 (Figura 3).

Figura 2 — Casos de SRAG no Brasil até a SE16

Ao observar os casos de síndrome gripal (SG) no Paraná, percebemos redução dos casos (Figura 2), mas aumento proporcional das causas não covid-19 (Figura 3).

Figura 3 — Casos de SG no PR até SE 13 

Casos de SG no PR até SE 13 

 Figura 4 — Distribuição relativa de casos de SG no PR até SE13

O aumento de casos proporcionais de VSR, Rinovírus e Metapneumovírus explicam o aumento considerável dos atendimentos de urgência/emergência pediátricos. Os casos remanescentes de covid-19 ainda exercem influência às custas dos não vacinados, não previamente infectados e idosos vacinados há muitos meses. Verifica-se ainda que não houve aumento significativo dos casos de Adenovírus até o momento, que representam menos de 3% dos casos de SG na SE12 (não houve detecção de casos na SE13). Não há dados disponíveis entre as SE 13 e SE19. 

Considerando a hipótese de que as hepatites de origem desconhecidas ocorram por alguma interação entre o HAdV41 e a nova variante ômicron BA.2 e que o Brasil está em vigência de transição de variantes, caso ocorra incremento de casos do HAdV41, teremos fatalmente casos de hepatite. Vamos lembrar que o inverno está chegando, período em que a circulação de vírus respiratórios tende a se elevar no geral. 

Já há 16 casos suspeitos em investigação no Brasil, mas ainda sem descrição que possibilite qualquer avaliação. No caso dessas suspeitas se confirmarem, e novos dados de vigilância identificarem aumento da circulação do HAdV, reforça-se a hipótese da relação entre o HAdV, SARS-CoV-2 e as hepatites de origem desconhecida. Com a disponibilização de dados mais recentes e divulgação dos atuais estudos epidemiológicos que estão em andamento, chegaremos a hipóteses ou conclusões mais concretas.

***
Bernardo Almeida é médico-infectologista e chief medical officer da Hilab, health tech que desenvolveu o Hilab, primeiro laboratório descentralizado a usar testes laboratoriais remotos. É especialista em Infectologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com residência em Clínica Médica, Medicina Interna e Infectologia no Hospital de Clínicas; mestrando em Medicina Interna pela mesma universidade, na área de Doenças Infecciosas — Epidemiologia das Síndromes Respiratórias Agudas Graves em Adultos. Tem experiência em clínica médica, bem como em doenças infecciosas e parasitárias. Além disso, participa de grupos de pesquisa sobre vírus respiratórios.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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