Famicom Detective Club: The Missing Heir: um caso complicado de defender
Tecmundo
Responda rápido: o quanto um jogo lançado em 1988 se sustenta hoje? Pense bem, afinal o Famicom, console da Nintendo à época, recebeu alguns clássicos: Super Mario Bros. 3, Final Fantasy II e Dragon Quest III são menções honrosas. No mesmo ano, foi lançado para o video game da marca japonesa a visual novel Famicom Detective Club: The Missing Heir.
A franquia passou mais de 30 anos pouco conhecida pelo público fora do Japão até que a Nintendo anunciou um lançamento duplo incluindo os remakes de The Missing Heir e sua prequel The Girl Who Stands Behind (lançada em 1989 também para o Famicom). Os dois títulos chegaram em maio para o catálogo do Nintendo Switch. No papel, a promessa era cenários fiéis ao original e histórias surpreendentes. O que, podemos antecipar, foi entregue pelo time da desenvolvedora Mages.
Famicom Detective Club coloca você na pele de um jovem detetive
Os remakes despertaram algum interesse, já que a franquia é encarada com nostalgia pelo público nipônico. A ponto de a personagem Ayumi Tachibana ter sido considerada por Masahiro Sakurai como personagem de Super Smash Bros. Melee para o GameCube. Já que o cenário está posto, é hora de dissecar o caso do remake que ninguém esperava ou “o mistério dos jogos de Famicom que a Nintendo encontrou no almoxarifado”.
Antes de Phoenix Wright, de Professor Layton ou até mesmo de Okabe Rintaro darem as caras em franquias nas quais resolvem mistérios por aí, os personagens de Famicom Detective Club já estavam na ativa investigando assassinatos e chegando aos culpados à base de longos bate-papos.
Em The Missing Heir, o personagem principal é um jovem detetive que perde a memória e precisa desvendar um assassinato envolvendo uma rica família japonesa. É preciso procurar pistas, conversar com suspeitos e explorar uma porção de cenários do interior do Japão com a ajuda da parceira Ayumi Tachibana. Recuperar as memórias e resolver um caso de assassinato: um clichê narrativo quase universal para o gênero detetivesco.
Sejamos honestos, ninguém esperava que a Nintendo revivesse Famicom Detective Club
À medida que o jogo vai retirando os esqueletos do armário da família Ayashiro, o caderno de anotações do detetive vai ficando mais completo e a trama, mais complexa. O componente sobrenatural ajuda a deixar a história mais fantástica e pitoresca.
O remake é fiel na localização dos cenários, mas recria todos os ambientes em 3D, o que deixa os gráficos de Famicom Detective Club com uma cara de anime ou de graphic novel animada. Além disso, todas as falas do jogo são dubladas em japonês, e é possível escolher entre a trilha sonora recriada e a versão original de 8 bits.
O que também segue semelhante ao original é a interface de menus e janelas de diálogos do game, podendo causar algumas confusões na hora de terminar um diálogo ou passar do bate-papo para uma ação de investigação. Por falar em ação, se é isso que você busca, talvez Famicom Detective Club não seja a melhor opção. O game é mais uma novela interativa com pouco a se fazer além de seguir o fio condutor da narrativa. E isso quer dizer: muitos diálogos, algumas descrições de cenários e pouca investigação de fato e isso pode desagradar quem busca algo na linha point-and-click.
A rica família Ayashino tem uma porção de esqueletos no armário
Por mais que existam momentos nos quais se interage com os cenários, grande parte da trama se desenrola por meio dos diálogos com personagens que são apresentados. Por vezes, o jogador se vê preso em um cenário até fazer a “pergunta certa” para que a trama se desenrole ou viajando entre um cenário e outro sem saber exatamente o que fazer.
Nos primeiros capítulos, era comum o personagem perder horas em um consultório ou jardim buscando provas onde havia apenas um cenário interativo — mas vazio. Faz sentido se pensarmos nas limitações do console original do game, mas havia espaço para bem mais.
Outro ponto que deve desagradar a quem gosta de esmiuçar os cenários. A curiosidade raramente é premiada, mesmo que o jogo tenha uma opção de examinar todo o cenário com a lupa de detetive. Até Sherlock Holmes ficaria frustrado.
O enredo é o que justifica esse remake. Se houver paciência e o jogador encarar os games como novelas que vão ser consumidas de forma diferente, talvez fique mais satisfeito com os dois Famicom Detective Club. As histórias são realmente envolventes, com elementos sobrenaturais que enquadram os jogos entre o gênero de suspense com toques de horror.
O jogo traz o uso de violência gráfica, palavras de baixo calão, insinuações de uso de álcool e drogas. Nada foi cortado nesses relançamentos, que já continham todos esses pontos polêmicos que fogem da imagem da Nintendo como empresa de “jogos para a família”. Trazer para o resto do mundo esse conteúdo é, com certeza, um movimento inesperado da empresa.
O que o game capricha nos visuais 3D ele peca ao "preservar" sua interface original
Tanto a história de The Missing Heir quanto de The Girl who Stands Behind foram escritas por Yoshio Sakamoto — produtor da era antiga da Nintendo e responsável pela série Metroid — e por Gunpei Yokoi, criador do Game & Watch e produtor de franquias como Metroid e Kid Ikarus. A dupla consegue deixar o jogador realmente interessado no enredo, mesmo que tenha pouco a fazer a não ser avançar linhas e mais linhas de diálogo. Além disso, claramente, a falta de uma tradução para outros idiomas além do inglês restringe o acesso ao game — o que é uma acusação difícil de defender em 2021.
Com uma trama bastante envolvente, dá para entender por que o Famicom Detective Club original tem uma aura de clássico. O game tem vários elementos precursores das franquias que vieram a seguir, como as visual novels e jogos de estilo point-and-click. Assim, é inegável que estamos falando de algo precursor — para 1988.
Faz sentido que a Nintendo tenha optado por manter o game idêntico ao formato original. Por outro lado, não é possível ignorar que o gênero já evoluiu e muito. Provavelmente os jogadores vão terminar as pouco mais de 6 horas de leitura de The Missing Heir e nunca mais acessar o aplicativo no Nintendo Switch. Tem mais: o sentimento de frustração pode afastar os menos pacientes.
A frustração de ficar vários minutos num mesmo cenário é real em The Missing Heir
Essa sensação de estagnação em determinados pontos/interrogatórios atrapalha a cadência da jogatina. E, por tabela, prejudica a sensação de diversão. Há pouco esforço em dar qualquer tipo de dica e, por vezes, simplesmente é preciso interrogar repetidamente um suspeito antes de, finalmente, progredir no enredo.
O veredito, depois de finalizar o primeiro game da série, é que estávamos, sim, diante de um clássico. No entanto, com uma relação de custo-benefício para lá de salgada. Famicom Detective Club pode ter trazido uma série de novidades lá no fim dos anos 1980, mas acrescenta pouco ao catálogo atual do Nintendo Switch.
Ao contrário de Super Mario Bros. 3, lançado no mesmo 1988, Famicom Detective Club: The Missing Heir está longe de ser um clássico atemporal. Hoje, parece mais uma tentativa da Nintendo para lucrar tirando da cartola uma franquia desconhecida no Ocidente em tempos de pandemia. Um crime que pode até ter um bom motivo, mas que é difícil de defender.
Famicom Detective Club: The Missing Heir foi cedido gentilmente pela Nintendo para a realização desta análise.