Mercado Livre: como funciona e para que serve a foto do documento?
Tecmundo
Não é preciso muito esforço para encontrar no site Reclame Aqui algum cliente do Mercado Livre (ML) questionando a política de segurança da empresa de exigir uma foto do RG ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na hora de criar um cadastro. Com uma simples busca, a reportagem encontrou a publicação a seguir.
"Faço compras pelo Mercado Livre há muito tempo. Fiz até umas poucas vendas. E nunca tive problema. Pago com cartão de crédito e nunca fiquei devendo ou sequer atrasei. E agora não consigo acessar minha conta porque eles exigem que eu coloque uma foto do meu RG. Não dá nem para acessar para reclamar se eu não fizer isso. Por que eles querem meu RG? Por que mudou o jeito de acessar o site? Não quero colocar foto do RG. Será que vou ter que parar de usar o Mercado Livre depois de tantos anos?", diz um trecho da reclamação de um cliente publicada em 12 de agosto de 2021.
A política adotada pela 2ª maior empresa em valor de mercado da América Latina gera preocupação em algumas pessoas, já que elas não se sentem seguras ao enviar uma foto do documento pessoal. Além disso, no próprio Reclame Aqui também é possível verificar postagens de quem até consentiu com a verificação, mas está com dificuldades para conseguir validar as informações.
Por causa do volume das reclamações, por que o ML aposta nesta política de segurança? Para entender como o sistema funciona e para que ele serve, o TecMundo entrevistou Allan Buscarino, gerente sênior de Cibersegurança da empresa no Brasil.
Ele fala sobre a escolha do Mercado Livre e o histórico da solução, a relação das contas dos usuários com o Mercado Pago e outros assuntos. Um spoiler para quem reclama da obrigatoriedade é que, de acordo com ele, a companhia deve continuar pedindo a foto do RG/CNH.
Validando identidades
Allan explica que desde o lançamento do Mercado Pago, em 2004, ele funciona como uma plataforma para validar os pagamentos realizados nas transações entre clientes e lojistas do ML.
O Mercado Pago, que hoje é uma Instituição de Pagamento (após licença recebida em 2018), sempre validou a identidade das pessoas, já que essa é uma das obrigações do Banco Central (BC) com empreendimentos que atuam no ramo.
"No final do ano passado, a gente começou a solicitar as imagens dos documentos para o usuário que acessa a nossa plataforma do ML. Este pedido é feito somente aos usuários que vão efetuar o que a gente chama de 'transação de risco'", disse Buscarino.
Sobre isso, é importante pontuar que apesar de o ML dizer que a solicitação das imagens dos documentos começou no final do ano passado, há publicações no Reclame Aqui sobre o assunto desde pelo menos 2018.
Outro detalhe que o representante da empresa fez questão de ressaltar, é que abrir uma conta no ML não significa a abertura automática de uma conta bancária digital no Mercado Pago. Em junho, a empresa havia enviado uma nota ao site UOL Tilt cometendo essa confusão.
Por isso, desta vez, o gerente fez questão de explicar que a conta digital do Mercado Pago, que dá acesso à uma gama variada de serviços, não é aberta instantaneamente quando um usuário cria um registro para comprar alguma coisa no Mercado Livre.
Para quem é feita a exigência da foto do documento?
O gerente do ML argumenta que o mundo financeiro lida com as chamadas "transações de risco", que levam em consideração principalmente o método de pagamento que será efetuado por uma pessoa. Ele exemplifica que quem for pagar compras utilizando um boleto bancário ou for executar uma compra a partir de um link de pagamento não precisa realizar a validação, já que estes tipos de transações não são consideradas perigosas.
"Agora, se o cliente for pagar com cartão de crédito, por exemplo, nós pedimos uma conferência. Ela serve para garantir e dar segurança de que o usuário não está utilizando a identidade e o cartão de uma outra pessoa", afirmou.
O executivo complementa que, além da foto do documento, a loja virtual pede uma "prova de vida" que consiste em uma foto em movimento do rosto. "Nós temos sistemas que utilizam machine learning e conseguem analisar aspectos no rosto da pessoa que certificam que ela existe e está mesmo viva", conta.
Por que é preciso tirar fotos do documento?
O representante da empresa de comércio eletrônico afirma que companhias que atuam com transações financeiras são obrigadas, por lei, a aplicar uma estratégia chamada Know Your Customer (KYC), que em português significa "Conheça o seu Cliente".
O BC exige que políticas como o KYC sejam utilizadas para prevenir "ilicitudes financeiras", como fraudes, lavagem de dinheiro e até financiamento de terrorismo. Entidades como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) preveem sanções como advertências, multas e até cassação ou suspensão de autorização de funcionamento para empresas que não cumprirem o requisito de segurança.
Contudo, existem vários métodos de identificação do usuário a partir do KYC, sejam por confirmações de mensagem por SMS ou e-mails, checagem nos bancos de dados públicos e outros. Por quê, então, o ML escolhe a foto dos documentos?
"Nós entendemos que quanto mais segura a experiência do usuário, mais ele utilizará uma plataforma. E por causa das obrigações em lei, nós acreditamos que transações financeiras de risco, como as com cartão de crédito, exigem este tipo de validação [foto do documento]", diz Buscarino.
Ele complementou que "não há perspectiva de não usar mais este método", como dito no começo da matéria, mas que a ferramenta está sendo usada nos "momentos necessários" e que não será exigida a prova de vida para quem vai realizar "transações simples na plataforma".
Exemplificando a importância da política adotada, Allan disse que já foram barradas "inúmeras tentativas de fraude". Sem entrar em mais detalhes, ele citou que o ML realiza 24 vendas por segundo e que, de acordo com o BC, o Brasil tem três tentativas de fraude (como roubo de identidade) a cada dez transações financeiras (ou seja, 30% de todas as transações são fraudes).
Garantia de segurança
Falando sobre como o ML protege as informações hipersensíveis dos clientes, já que um possível vazamento do RG seria um "banquete" para cibercriminosos, o representante nos disse que todos os cuidados são tomados e a ideia é tornar tudo cada vez mais transparente para os usuários.
"O principal objetivo do Mercado Livre é garantir a melhor experiência de compra e venda possível. Então, nós pensamos a nossa arquitetura a partir da prioridade número 1 que é a proteção dos dados pessoais das pessoas. Por causa disso, toda a nossa coleta está de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Nós ainda cumprimos normas internacionais, já que temos usuários em mais de 18 países".
Alegando questões de segurança, o ML não informou com mais detalhes sobre como as fotos dos documentos dos usuários são armazenadas e processadas, e nem o montante de usuários que estão com estes registros no sistema da empresa. Contudo, o gerente disse que a base de informações está protegida com criptografia.
"O processo de enviar documentos é para benefício do próprio usuário. Para que possamos continuar evoluindo e dando acesso para mais pessoas, nosso usuário precisa passar por essa etapa para que a gente possa estabelecer uma relação de confiança. Se a gente não transmitir confiança através da segurança, o usuário não volta a efetuar uma compra ou venda conosco", finaliza Allan.
Procon
O TecMundo entrou em contato com o Procon-SP para saber se o órgão considera o pedido de fotos de documento do ML uma violação aos Direito do Consumidor. A instituição não respondeu, porém, os questionamentos até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado se o Procon se posicionar sobre o assunto.