Quanto tempo meu filho deve passar frente a telas?
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*Por Fernando Shayer // Uma das perguntas atuais mais inquietantes é a relação entre os filhos e o mundo digital. Em particular depois da pandemia, você já parou para refletir sobre quanto tempo seus filhos deveriam gastar na frente dos iPads, iPhones, tablets e outros aparelhos?
Quando eu era criança, nos anos 70 e 80, eu gostava muito de jogar bola. Descia no térreo do prédio em que morava e passava horas jogando futebol, juntamente com meu irmão e nossos vizinhos, na quadra imaginária que ia desde a gangorra amarela que ficava perto do elevador de serviço até a lousa preta que ficava do outro lado do pátio.
Sempre acabava em confusão, mas isso nunca nos impedia de voltar no dia seguinte para jogar mais, todos amigos de novo. Éramos raiz e não sabíamos.
Mas não era só futebol. Também andávamos de bicicleta, jogávamos botão e jogos de tabuleiro. E assistíamos muita televisão.
Desenhos, filmes, jogos e novelas. Sempre que converso com amigos, nos lembramos com nostalgia desses tempos, e noto, associada a essas memórias, muita preocupação por parte dos pais sobre quanto os seus filhos estão deixando de aproveitar dessas experiências externas, ao gastarem tanto tempo no mundo digital. Qual o limite certo dessa preocupação?
Em certa medida, a preocupação me parece muito exagerada. Por exemplo, argumenta-se que os filhos estão deixando de ter uma vida social, ao ficarem na tela. Isso é muito questionável. Por meio dos muitos aplicativos que usam, incluindo-se WhatsApp, Instagram e muitos jogos colaborativos, os jovens estão em contato com muito mais gente do que estávamos no passado, e com uma frequência muito maior. Mas é um contato digital, que não é igual ao presencial que tivemos.
Isso pode ser estranho para nós adultos, mas será que é ruim?
Também se argumenta que os filhos ficam muito tempo nos joguinhos. Será que existe realmente uma vantagem tão grande do famoso pega-pega em relação ao Roblox? Ou do esconde-esconde em relação ao Minecraft?
Esses jogos são feitos por especialistas, estimulam a criatividade e a agilidade de raciocínio, além da colaboração com jovens que estão em várias partes do mundo. Brincadeiras infantis têm um cunho pedagógico relevante, ao proporcionar uma experiência significativa às crianças sobre regras sociais, criatividade, competição e colaboração. Os jogos digitais não têm isso?
Outros pais questionam o número de horas em que as crianças ficam à frente dos dispositivos. São muitas horas, realmente, mas, a bem da verdade, elas fazem muitas coisas diferentes lá dentro. Às vezes estão assistindo uma série de TV televisão, como fazíamos por horas a fio, à frente da televisão.
Noutras, estão lendo livros no kindle (ao invés do livro impresso que usávamos). Quase sempre, estão interagindo socialmente com os amigos. E produzem vídeos muito criativos em mídias interativas, algo que não estava disponível a nós. O tempo gasto ali vai muito além do Instagram e do joguinho.
Quando pensamos no mundo em que os nossos filhos viverão, é muito provável que o tempo que eles estejam investindo nas telas, hoje, lhes será muito útil. Cada vez mais, a experiência humana será ao mesmo tempo física e digital.
O que você sente quando esquece o smartphone em casa? Como disse uma professora num encontro que fizemos na semana passada, “parece que me falta um braço”. Como será isso em vinte anos, quando os jovens serão adultos?
Como adultos, não compreendemos ainda muito bem o mundo digital. Não sabemos ainda criar regras adequadas. Não sabemos apoiar um uso saudável. Isso nos assusta e nos aproxima do argumento de que o nosso mundo era melhor, mais saudável.
As regras que nossos pais nos impuseram eram adequadas ao mundo em que vivemos hoje, mas será que essas mesmas regras serão adequadas para quem nossos filhos serão amanhã?
Disse que acho a preocupação parcialmente exagerada porque, por outro lado, ela faz sentido. Há estudos que indicam efeitos negativos à saúde pela exposição exagerada aos dispositivos, inclusive visuais. Alguns jogos estimulam o seu uso continuado por meio de doses excessivas de dopamina, que podem viciar.
O convívio no mundo físico pode ficar prejudicado se a criança não for exposta e formada desde cedo para fazê-lo de maneira saudável, e isso inclui conversar olhando nos olhos, prestando atenção, sendo empático, sem olhar para uma tela enquanto conversa.
Parte desse equilíbrio vem do tipo de interação que os pais têm com o mundo digital. Muitas vezes, criticamos o uso excessivo pelos jovens, mas fazemos a mesma coisa. Será que não podemos fazer junto com eles?
Tenho ótimas lembranças dos filmes de televisão que assistia com meus pais. Era uma tela, mas a assistíamos juntos.
Resguardadas as limitações de tempo, que são sempre úteis para se evitar o exagero, em vez de pedir aos seus filhos para largar o mundo digital (enquanto você fica no Instagram ou mandando e-mails de trabalho…), por que você não entra no mundo digital deles?
Talvez possa ver uma série, jogar um joguinho, ler uma história na telinha que eles usam. Esse movimento vai lhe dar espaço na relação para, na hora certa, lhes pedir para desligar. E lhes trará memórias inesquecíveis, assim como as que eu tenho quando chutava bola com meu pai na praia do Guarujá.
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*Fernando Shayer é cofundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa.