Unidos pelo desejo de voar: as semelhanças e diferenças entre Santos Dumont e irmãos Wright
Aventuras Na História
Inventor e aeronauta, Santos Dumont é uma grande fonte de orgulho nacional. Aqui no Brasil, ele é considerado como o Pai da Aviação devido ao seu histórico voo com o 14-Bis em 1906.
Em novembro daquele ano, o mineiro pilotou sua máquina voadora pelo Campo de Bagatelle, em Paris, diante de uma perplexa plateia de mais de mil pessoas. O avião pioneiro atravessou 220 metros em apenas 21 segundos, tudo isso enquanto planava a uma altura de seis metros do solo.
A proeza rendeu a Dumont o primeiro recorde homologado da história da aviação, um mérito reconhecido até hoje pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI). Ele não era o único, porém, que estava tentando tirar o homem do chão durante aquele início do século 20.
Enquanto o mineiro maravilhava os franceses com as demonstrações públicas de suas invenções voadoras, os irmãos Wright trabalhavam em sigilo nos Estados Unidos para tentar decifrar os segredos por trás de um voo bem-sucedido.
Tanto é que, em 1903, três anos antes do recorde de Dumont, eles realizaram o primeiro voo com uma máquina mais pesada que o ar. O detalhe aqui é que foi utilizada uma catapulta para auxiliar na decolagem, enquanto o 14-Bis sairia do chão por meios próprios.
Para entender essa entusiástica fase inicial da aviação, o site Aventuras na História entrevistou o jornalista Salvador Nogueira, autor do livro "Conexão Wright - Santos Dumont" (2006), que buscou investigar em suas pesquisas qual o papel exercido respectivamente pelo visionário brasileiro e por suas contrapartes norte-americanas na conquista dos ares pela humanidade.
Diferenças individuais
De acordo com Salvador, embora tanto Santos Dumont quanto os irmãos Wright tivessem uma "visão analítica" da questão, os norte-americanos tiveram uma abordagem mais certeira, entendendo desde o início que desafios precisavam superar para tirar máquinas voadoras do solo.
Por virem de experimentos com planadores não motorizados, os irmãos Wright entenderam mais depressa que o principal fator para a decolagem é a velocidade com relação ao ar, não com relação ao chão (...) Santos Dumont, por sua vez, vinha de uma experiência diferente, com balões e dirigíveis. Sua transição para o mais pesado que o ar, foi mais atribulada", apontou ele.
O aeronauta brasileiro, no entanto, compensava essas desvantagens com sua "intuição e imaginação". Dumont, aliás, era um inventor apaixonado, que via o avião através de lentes idealistas, como um instrumento que uniria pessoas ao transportá-las para lugares distantes em menos tempo. Por pensar em suas contribuições tecnológicas como "patrimônios da humanidade", inclusive, não patenteou o 14-Bis.
Os norte-americanos, por outro lado, possuíam uma perspectiva mais prática e mercadológica, já desde o princípio identificando as aplicações militares daquelas máquinas voadoras e correndo atrás de patentes para garantirem seu monopólio comercial das inovações.
Esse é ainda outro ponto que os separa: enquanto o brasileiro acabou desolado quando viu se desenrolar a utilização do avião no contexto da guerra, os irmãos Wright sempre previram que isso aconteceria, e não tiveram problema em vender suas invenções para o exército dos Estados Unidos.
Desde o início os Wright imaginavam os usos militares do avião e, embora não fossem por si mesmos entusiastas da guerra, eles viam o uso do avião nela como uma extensão natural e inevitável do desenvolvimento da aviação", observou Salvador Nogueira.
Sem dúvidas, os pioneiros eram guiados por princípios diferentes em suas jornadas pela conquista dos céus, porém, é necessário lembrar também que suas visões divergentes eram influenciadas por condições econômicas, um detalhe enfatizado pelo escritor:
"Santos-Dumont era herdeiro, rico proprietário de grandes fazendas de café no Brasil. Não tinha necessidades materiais. Quando ganhava prêmios por seus feitos, os dividia entre seus mecânicos e os pobres de Paris. Era desprendido, embora bon-vivant, e tinha uma visão idealista de seu trabalho como inventor. Os irmãos Wright eram fabricantes de bicicletas em Dayton, Ohio, e tinham origem humilde. Quando viram que estavam próximos de solucionar o problema do voo do mais pesado que o ar, decidiram que era a oportunidade para mudarem de vida", afirmou ele.
"Não há dúvida de que Santos Dumont era mais apaixonado, visionário e idealista que os irmãos Wright. Mas acho perigoso classificar isso como 'mais nobre'. Eram pessoas em circunstâncias de vida muito diferentes", completou ele.
Uma mesma missão
Para Nogueira, o debate sobre quem voou primeiro, que recebe tanto destaque aqui no Brasil, na verdade, não faz muito sentido.
"Não há, internacionalmente, grande discussão sobre quem voou primeiro. No mundo todo, os Wrights são reconhecidos como pioneiros. Apenas no Brasil há essa suposta controvérsia, com argumentos até defensáveis, mas que no fim, no meu entender, erram o alvo. (...) Acredito que a forma certa de compreender a invenção do avião é pensar nela como um processo coletivo, no qual Santos-Dumont foi um dos mais importantes participantes", disse ele.
O aeronauta mineiro, é claro, continua sendo lembrado até hoje por "conhecedores de história da aviação no mundo todo" devido à sua genialidade e pelo seu recorde homologado. No fim das contas, porém, a invenção do avião teria sido resultado dos esforços de mais de uma pessoa diferente.
"O avião moderno só surgiria como uma fusão de diversas inovações que eles, e outros, introduziriam em seus inventos", concluiu o autor de "Conexão Wright - Santos Dumont".
Em sua obra, ele fala de inúmeros outros contribuintes de diversas nacionalidades cujos nomes, embora relevantes à história da aviação, são muito menos lembrados, tais como: Samuel Langley, Glenn Curtiss, Otto Lilienthal, Lawrence Hargrave, Robert Esnault-Pelterie, Henry Farman e outros.