Do mercado de trabalho ao entretenimento: como acabamos com o etarismo?
Tecmundo
O etarismo surge nos trending topics do Twitter quase toda semana, mas dificilmente com esse nome. São frases preconceituosas disfarçadas de opinião que reafirmam o estereótipo de mulheres e homens 40+ com prazo de validade na educação, no mercado de trabalho, no entretenimento e por aí vai.
Mas o problema não está centrado em apenas uma faixa etária, apesar de pessoas mais velhas serem alvos comuns da sociedade brasileira que um dia já foi majoritariamente jovem, o jogo está virando.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) e do IBGE apontam que, em 2012, a maioria da população brasileira era formada por pessoas de 15 a 29 anos. Nove anos depois, vemos uma mudança na pirâmide etária: 20 a 39 anos lideram em 2021.
Comparativo das pirâmides etárias do Brasil de 2012 e 2021.
Se a tendência mundial de envelhecimento populacional está chegando ao Brasil, quem sofre etarismo em nosso país? Saiba mais sobre o assunto a seguir!
O Relatório Mundial sobre Idadismo da Organização Mundial da Saúde (OMS) explica o significado de etarismo: são “estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionadas às pessoas com base na idade que têm”.
A ideia de que jovens são inconsequentes é um exemplo de etarismo. Dizer que idosos ocupam determinados locais, vestem certas roupas e vivem um determinado estilo de vida também é um padrão do pensamento embasado pelo ageísmo (sinônimo de etarismo).
O problema se expande quando olhamos para as consequências na estrutura da sociedade. O idadismo acentua as desvantagens que minorias precisam enfrentar no dia a dia, como sexismo, racismo e capacitismo.
O resultado das piadinhas que ouvimos desde muito cedo sobre crianças, adolescentes, adultos e idosos geram exclusão e afetam a saúde física, psicológica e econômica de todos.
O depoimento de Vera, de 82 anos, para a ONG HelpAge International mostra como o etarismo é global. A idosa diz que o atendimento médico que atribui rapidamente os sintomas do paciente a problemas comuns da idade desperta o sentimento de que aquele que precisa de ajuda não tem voz ou direito a ser ouvido.
Uma fala de alguém que mora em outro continente, mas que provoca identificação em muitos idosos do nosso país.
Podemos afirmar que o idadismo movimenta o fluxo do mercado de trabalho ? Com certeza, desde a contratação até a aposentadoria. Segundo Paula Boarin, mentora e facilitadora corporativa, o conceito de "jovens talentos profissionais" já está mudando.
Ela diz que "é possível perceber pelas descrições adotadas em programas de estágio e trainee . Também temos novos estudos que indicam o início da fase adulta aos 30 anos. Isso associado ao envelhecimento da população e nova idade para aposentadoria, deve intensificar uma mudança de olhar".
A especialista em carreira dá algumas dicas. Aos jovens, Boarin aconselha enriquecer o currículo com trabalho voluntário, freelancer, trabalho na igreja, iniciação científica, cursos e aprendizagem do inglês.
Aos seniores, fica o alerta para entender que a forma nesse novo mundo conta tanto quanto o conteúdo. "Se antes ter um bom currículo era o suficiente, agora é preciso um LinkedIn, com boa foto, conexões e conteúdo (o princípio se mantém o mesmo, só é preciso ajuste na forma)".
No entanto, a preparação e captação de jovens, adultos e idosos no mercado de trabalho ainda sofrem com atitudes extremamente preconceituosas devido a idade.
Exemplo disso é o recente caso de Patrícia Linares, universitária com mais de 40 anos, alvo de falas intolerantes de três colegas de turma em Bauru (SP). O vídeo que se tornou viral mostra as alunas dizendo que Patrícia "deveria estar aposentada" e ela “não sabe o que é o Google“.
A repercussão foi grande. A instituição educacional disse em nota que “foi instaurado um processo disciplinar e, durante, as três estudantes solicitaram a desistência do curso de Biomedicina; dessa forma, o processo perdeu o objeto e por isso foi finalizado”.
Além disso, Patrícia foi acolhida pelos demais colegas de classe e se tornou um símbolo da luta contra o etarismo nas redes sociais, ganhando reconhecimento de grandes marcas e até uma bolsa de estudos no exterior.
À esquerda, alunas que publicaram o vídeo. À direita, reação dos demais colegas da aluna 40+.
Se o etarismo impõe obstáculos a quem está começando ou em transição de carreira, não pense que os veteranos estão a salvo do idadismo. O ator Ryan Gosling vem recebendo críticas negativas desde que a Warner Bros Pictures divulgou pôsteres e o trailer do filme Barbie (2022).
Os comentários não estão relacionados à performance do artista. Na verdade, o filme ainda nem foi lançado. A indignação dos internautas é a idade do ator de 42 anos. Afirmações como "achei o ryan gosling tão velho pro papel" e "ele sorriu e surgiram 20 pé de galinha em cada olho" são clássicos exemplos, de falas preconceituosas.
Ryan Gosling é "culpado" pelo tribunal da internet por ser velho demais.
No Brasil, a personagem Wilma da novela Vai na Fé (2022) está colocando um holofote sobre o tema. Em uma cena emocionante, a atriz Renata Sorrah interpreta uma fala da personagem que escancara o tratamento dado aos mais velhos. Veja abaixo.
Expor as problemáticas do ageísmo é o primeiro passo para combatê-lo e devemos ir além. Esse é o trabalho que o canal Avós da Razão vem fazendo desde 2018. Com mais de 240 mil seguidores no Instagram e 90 mil inscritos no YouTube, Sonia Massara (85), Gilda Bandeira de Mello (81) e Helena Wiechmann (94) são um sucesso na internet.
As avós compartilham opiniões, conselhos e dicas para quem já viveu muitas alegrias e também aqueles que ainda têm muito tempo pela frente.
Gilda e Sonia comandam o Avo´s Da Raza~o há 5 anos. Helena se afastou em 2022.
Quando questionada pelo TecMundo sobre o alcance do canal, Sônia diz que "os velhos que começaram a nos seguir pensaram “olha eu posso ser assim” e os jovens desconstruiram estereótipos sobre a velhice".
No início de 2023, elas lançaram o livro "Avós da Razão: quebrando a cristaleira" que trata com bom humor várias questões, entre elas o envelhecimento.
Inclusive no livro tem um manifesto criado por nossa amiga e parceira Mirian Goldenberg que se chama “Manifesto das Velhas Sem Vergonhas", que é um movimento para libertação dos velhos e velhas, diz Sonia.
Gilda complementa ao dizer que o etarismo para pessoas com mais de 70 é diferente:
"De uma hora para outra você passa a ter mãozinha, nominho e tudo que é diminutivo. É como se você não tivesse mais condições de fazer as coisas mais simples da vida. E eu estou falando de velhos saudáveis com tudo em cima. Mesmo assim colocam a gente nesse lugar estereotipado. Essa é nossa briga quando falamos de etarismo. Deixa o velho viver em paz."
O Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741/2003) enquadra o etarismo como crime no artigo 96. A pena prevista é reclusão de 6 meses a 1 ano e multa.
O deputado Fábio Macedo (Podemos/MA) protocolou o projeto de lei 1291/2023 para que o etarismo seja considerado como crime de injúria em casos envolvendo vítimas de outras faixas etárias. Atualmente, a constituição se refere apenas a pessoas idosas, com 60 anos ou mais.
Você pode ajudar a denunciar casos de etarismo através do Disque 100, o Disque Direitos Humanos.