Harry & Meghan registra o circo midiático em torno da monarquia (Crítica)
Tecmundo
Muito se fala hoje sobre os privilégios históricos que certas camadas da população mantêm sobre as outras. O famigerado privilégio branco evidencia que, na maior parte da história da humanidade, as pessoas brancas tiveram muitas vantagens em relação às pessoas negras e de outras etnias. Os homens, por outro lado, sempre receberam regalias que as mulheres não tiveram, assim como as pessoas heterossexuais sobre as homossexuais, e assim por diante.
O que dizer então sobre as “realezas” dos países, que ganharam poder porque, em algum momento da história, conseguiram convencer (por meio da força física, diga-se) que um suposto deus os havia escolhido para serem mais especiais do que outras pessoas? E é possível que alguém faça parte de uma monarquia e, ao mesmo assim, tenha o direito de denunciar os sofrimentos gerados por essa posição?
Penso que este é o contexto que aparece como pano de fundo da minissérie documental Harry & Meghan, da Netflix. Em seis episódios, ela traz a versão “desabafo” da família formada pelo príncipe Harry, da Grã-Bretanha, sua esposa Meghan Markle e seus dois filhos, sobre as razões que os levaram a abdicar dos “privilégios” (as aspas aqui são explicadas ao longo da série) de pertencer à monarquia inglesa.
Contudo, há uma problemática que se volta àquilo que Harry e Meghan tiveram que abrir mão. É um pouco difícil se condoer das dores do casal ao sabermos que a série da Netflix surge de um contrato milionário com a plataforma. Segundo o The New York Times, eles teriam recebido cerca de R$ 530 milhões para lançar uma série de documentários, filmes, programas e atrações infantis nos próximos anos.
Por outro lado, a narrativa constituída pela Netflix para contar essa história traz muitas desconfianças sobre a tão proclamada “franqueza” trazida aqui. O primeiro episódio, por exemplo, é tão açucarado que pode provocar riscos aos portadores de diabetes. O relacionamento de Harry e Meghan é apresentado de maneira tão romântica e idealizada que fica até difícil de engolir.
Penso que o jornalista Maurício Stycer, em sua coluna na Folha de São Paulo, foi cirúrgico. A estrutura de Harry & Meghan é claramente novelesca e melodramática. A Netflix lançou os primeiros três episódios, que se encerram na expectativa de um retorno para o clímax: a cerimônia de casamento, pincelada com muitos toques de tensão, como os desentendimentos de Meghan com seu pai e sua meia-irmã.
Não dá, portanto, para esperar muita originalidade no que vai ser mostrado nesta série, que pode irritar o espectador mais acostumado com narrativas seriadas e os truques que costumam ser usados para prender os espectadores. Por ser um atração documental (ou seja, calcada na ideia de realidade), causa bastante desconforto que esta história tenha sido contada a partir de moldes que são muito mais comuns na ficção, no intuito de causar um efeito de “conto de fadas”, que é justamente o que Harry e Meghan parecem querer criticar o tempo todo.
Para quem decide encarar mesmo assim, vale a pena prestar atenção na parte mais jornalística da trama, com várias fontes alheias à monarquia e ao próprio casal, analisando o modus operandi da cobertura dada à realeza e ao problema sistêmico em ter uma imprensa que lucra em cima dessa gente.