Pistol é um divertido mergulho na história da música punk (crítica)
Tecmundo
A história da música – especialmente dos gêneros ligados à rebeldia, como o rock e o punk – é inevitavelmente fascinante. Não por acaso, foi revisitada várias vezes tanto pela ficção (lembre, por exemplo, do incrível Quase Famosos, de 2000) quanto pelo jornalismo (os mais fervorosos lembrarão do clássico Mate-me Por Favor – A história sem censura do punk, um compilado de depoimentos feito pelos jornalistas Legs McNeil e Gillian McCain em 1996).
E talvez poucos episódios sejam mais sintomáticos do punk do que os três anos que a Inglaterra foi sacudida pela presença dos Sex Pistols, uma banda “fabricada” e que fez com que o espírito iconoclasta se instalasse entre milhares de jovens insatisfeitos com a vida que foi reservada a eles.
Por um lado, havia uma aristocracia minúscula centralizada nos privilégios da monarquia; por outro, uma gigantesca classe trabalhadora em condições execráveis sustentando essa classe. Por que este sistema não explodia?
É neste contexto que um casal – o empresário Malcolm McLaren e a estilista Vivienne Westwood – resolve fazer um grande manifesto que se expressa por uma estética ampla e corrosiva. Um dos braços era a moda, nas criações da loja Sex, de Vivienne, que criava roupas que brincavam com os símbolos sagrados (como a própria imagem da Rainha Elizabeth II) para bagunçar o status quo. Já o outro braço era a música. E aí que McLaren tem a ideia de juntar alguns desajustados que nem sabiam tocar instrumentos para criar uma banda punk.
Em resumo, esta é a história de Pistol, minissérie em seis episódios que intenta contar a história escandalosa da banda Sex Pistols durante os anos 1970 (mais especificamente, entre 1975 e 1978, com algumas tentativas de ressuscitá-la na década seguinte). Este resgate é feito pelo diretor Danny Boyle (de Trainspotting I e II) a partir do livro de memórias Lonely Boy: Tales from a Sex Pistol, do guitarrista Steve Jones, que teria sido a cabeça (se é que havia uma) da banda.
Mas talvez haja uma questão enigmática nesta adaptação: esta é uma série produzida pela Disney e disponibilizada no Star+. Sex Pistols e Disney: faz algum sentido pensar nesta união - ou é apenas cilada?
Execrada por boa parte da crítica especializada, Pistol teve como grande acusação a de fazer uma leitura forçadamente "domesticada" e redutora do que teria sido esse período de grande confusão. A verdade é que seis episódios talvez não sejam suficientes para contar a história desse “meteoro anarquista” de maneira clara.
Diria, por exemplo, que o relacionamento autodestrutivo do baixista Sid Vicious e sua namorada, a groupie Nancy Spungen (para quem não sabe: eles eram viciados em heroína e Sid a matou, sem se dar conta, enquanto estava drogado, e nos dias seguintes ele mesmo morreu de uma overdose) acaba se perdendo um pouco em meio a tantas outras histórias.
Mas há alguns aspectos bem interessantes na história contada por Danny Boyle. Para começar, os detalhes pouco conhecidos dessa mitologia punk. Centrada em Steve Jones (vivido por Toby Wallace), a trama foca boa parte do seu espaço no relacionamento meio estranho que ele tinha com Chrissie Hynde (a linda Sydney Chandler, muito competente no papel), uma das funcionárias da loja Sex, de Vivienne Westwood (Talulah Riley).
Chrissie, como sabe qualquer fã da música, se tornaria ela mesma uma lenda à frente da banda The Pretenders. Mas, em Pistol, fica bastante claro que ela é uma aspirante a guitarrista, que namora um crítico musical, mas que está galgando uma oportunidade, que nunca chega.
Ela tem um papel fundamental na “educação musical” de Steve Jones – que é uma espécie de amante / amor platônico / aluno – mas sua participação na cena punk nunca é reconhecida. Quando há uma oportunidade para ela ir tocar nos Sex Pistols, Chrissie nem chega a ser lembrada.
As demais personagens femininas também são mostradas desta mesma forma, um tanto subalterna. Vivienne é uma espécie de articuladora das ideias mirabolantes de Malcolm McLaren (o meio exagerado Thomas Brodie-Sangster). Nancy (Emma Appleton), que morreu muito cedo, é apenas uma louca aproveitadora. Outras mulheres também apenas circundam este cenário do punk e ajudam a fazer plateia para que os homens brilhem.
Penso que isto não é um defeito da série, mas sim uma forma que Danny Boyle encontrou para mostrar que toda a anarquia punk, muitas vezes, escondia o fato de que aquele sempre foi um contexto misógino em que as mulheres não tinham voz nem vez.
(Fonte: Veja)
Com estilo alucinado e uma boa reconstituição cênica da Inglaterra nos anos 1970, Pistol é um bom passatempo e documento para quem curte história da música - em especial, para quem talvez não tenha conhecimentos tão aprofundados a ponto de recontextualizar o que está sendo mostrado ali.
Alguns atores estão especialmente inspirados nesta dramatização. Penso que o grande destaque está em Anson Boon interpretando John Lydon, ou Johnnie Rotten (um apelido que quer dizer algo como “Joãozinho Podre”, em referência aos seus dentes estragados).
Se Rotten costuma ser lembrado na história do punk como uma caricatura, ele parece ganhar mais profundidade em Pistol: era o mais consciente e capaz de sacar os interesses de McLaren por trás das “oportunidades” que ele dizia proporcionar para quatro zé-ninguéns.
Por fim, a grande riqueza da minissérie, em minha visão, é o olhar analítico que Danny Boyle coloca sobre os Sex Pistols enquanto um grupo claramente engendrado e calculado para gerar repercussão e passar uma mensagem que nem era exatamente deles. Como marionetes humanas, os “músicos” serviam de aparato para o manifesto imaginado por McLaren e Westwood – estes sim mostrados como “intelectuais” que propunham um discurso sobre a iconoclastia completa em relação aos valores da monarquia britânica e tudo que ela representa até hoje.
Mas é justo ou ético que isso tenha sido feito com outras pessoas? Seria Malcolm McLaren um vilão ou um gênio do punk? Fica a cargo do espectador decidir. Mas, sem dúvida, Pistol possibilita um divertidíssimo mergulho em um dos momentos mais fascinantes da história da música.