Produção musical 2.0: tecnologias de IA na criação e 'desmixagem' de músicas
Tecmundo
A inteligência artificial (IA) está transformando a música de maneiras fascinantes. Desde separar diferentes partes de uma música até criar vozes sintéticas incrivelmente realistas, as tecnologias de IA estão deixando uma marca significativa na indústria musical.
Contudo, esses avanços também desencadearam debates acalorados sobre o que é considerado criatividade legítima, quem detém os direitos autorais e como garantir a autenticidade da criação musical.
Fique por dentro do assunto entendendo o que é desmixagem de música feito com inteligência artificial e como esse processo vem criando soluções e novos desafios para o cenário musical contemporâneo.
A "desmixagem" de músicas impulsionada pela inteligência artificial (IA) é uma revolução na forma como entendemos e manipulamos gravações musicais. Essa técnica avançada utiliza algoritmos inteligentes para analisar gravações estéreo, separando instrumentos individualmente e isolando cada elemento sonoro.
Para Geraldo Ramos, CEO da Moises, um aplicativo que faz uso dessa tecnologia, é como ter um "cientista de áudio" mergulhando na complexa mistura de uma música, revelando cada instrumento de forma nítida.
Ramos destaca a missão inicial da Moises de democratizar a criação musical, tornando acessíveis as tecnologias que antes eram privilégio de poucos. "No passado, algumas empresas chegavam a cobrar cerca de 5.000 dólares por música para ter suas faixas separadas. Hoje, disponibilizamos de forma gratuita essa e outras tecnologias para mais de 40 milhões de usuários", explica o empresário brasileiro.
O recente destaque desse processo ocorreu com o lançamento da canção "Now and Then - The Last Beatles Song” , criada com o auxílio da IA e utilizando uma fita demo caseira de John Lennon, gravada em 1978.
Essa inovação permitiu limpar o áudio original, utilizar o trabalho de guitarra de George Harrison, ex-Beatles falecido em 2001, e reunir Paul McCartney e Ringo Starr para contribuir na gravação conforme mostrado no curta-metragem que acompanhou o lançamento.
A inovação não acontece apenas no cenário internacional. O Brasil também se destaca nessa revolução musical. Ramos conta que a Moises teve papel fundamental na restauração da trilha sonora do documentário “Elis e Tom - Só Tinha de Ser Com Você”, com a supervisão do produtor Tejo Damasceno para aprimorar gravações de quase 50 anos.
Outro exemplo está no trabalho da cantora Luana Carvalho, que colaborou com a voz de sua mãe, Beth Carvalho, falecida em 2019. Partes da voz da renomada sambista foram retiradas de uma gravação de 1978, editadas e inseridas na música "Visual" de 2020, permitindo que ambas cantassem juntas.
E acreditem se quiser: a fusão entre IA e música não é uma novidade repentina. Desde a década de 1950, exploradores como Alan Turing começaram a desbravar as possibilidades da inteligência musical computacional .
Hoje, essas inovações não apenas aprimoram gravações antigas, mas redefinem a própria natureza da criação musical, desenhando um futuro onde o passado e o presente harmonizam-se de maneiras surpreendentes.
O casamento entre inteligência artificial e criação musical é uma sinfonia que vem se desdobrando ao longo dos anos. Se antes ferramentas como Neutron 4 e LANDR já marcavam presença no universo musical, é agora, com as tecnologias de aprendizado profundo, que testemunhamos uma revolução.
Diferentemente das ferramentas convencionais, os sistemas de aprendizado profundo têm a capacidade de aprender sozinhos a partir dos dados. Não necessitam da constante supervisão de especialistas humanos, sinalizando que a IA está prestes a dominar tarefas técnicas que, até então, demandavam somente habilidade humana.
O processo de mixagem é um exemplo, que envolve ajustes de duração, tempo, letras e instrumentalização. Ferramentas de IA, como LALAL.AI, LANDR AI Mastering, BandLab SongStarter, FAST Verb e AudioShake, estão transformando esse processo em algo instantâneo.
O uso de IA na música levante debate sobre recriar vozes de cantores mortos.
Agora, músicos, sejam profissionais ou amadores, podem contar com essas ferramentas para realizar remixagens complexas, adicionar instrumentos, vozes e exportar arquivos em diversos formatos, tudo em um tempo significativamente menor.
Essa revolução não apenas agiliza processos, mas também coloca nas mãos dos músicos um arsenal de possibilidades criativas. A IA não é mais uma ferramenta passiva, ela se torna uma parceira ativa no processo criativo.
Confira os demais benefícios que o uso da IA traz para a criação musical:
A capacidade da IA em analisar grandes volumes de dados é um dos trunfos mais significativos no mundo musical. Gravadoras e artistas podem, por meio dessa análise, decifrar padrões e tendências de comportamento do público.
Isso não só aprimora as estratégias de marketing, mas também molda a própria produção musical com base no que ressoa mais com a audiência. Assim, a música ganha novas formas para se tornar uma narrativa que dialoga intimamente com os ouvintes.
A criação musical entra em uma nova era com o potencial da IA para compor trechos, harmonias e letras. Algoritmos avançados conseguem não apenas imitar, mas inovar no estilo de diferentes artistas, resultando em músicas que são ao mesmo tempo originais e envolventes.
Além disso, instrumentos eletrônicos respondem a estímulos musicais, criando uma sinergia entre máquina e músico. Essa interação enriquece a expressão musical e abre portas para sonoridades diversificadas.
A IA também pode ser uma excelente ferramenta para treinar e desenvolver talentos, de aspirantes a músicos profissionais. Softwares oferecem exercícios e feedback em tempo real para aprimorar técnicas vocais e expandir alcances musicais.
Com a desmixagem, os músicos conseguem isolar um instrumento específico e aprenderem novas músicas para tocar ao vivo. "O baterista do Titãs, Charles Gavin, utilizou e recomendou nossa ferramenta para se preparar para a turnê recente da banda", afirma o CEO da Moises.
Ferramentas de mixagem e masterização baseadas em IA corrigem automaticamente pequenos erros, otimizam equalização e dinâmica, garantindo um som final de alta qualidade. Mesmo sem a presença física de um experiente engenheiro de áudio, a IA eleva a produção a novos patamares de perfeição.
Inovações tecnológicas estão criando novos processos no cenário musical.
A jornada rumo à integração perfeita da inteligência artificial na criação musical não é isenta de desafios significativos. Listamos alguns dos principais obstáculos!
A automação de tarefas técnicas, como mixagem e engenharia de áudio, levanta questões sobre a evolução dessas profissões. Para Christian Steinmetz, pesquisador de áudio de IA da Queen Mary University, as tarefas mecânicas podem ser automatizadas, mas a visão criativa e as decisões artísticas permanecem inigualáveis.
Mat Dryhurst, cofundador da startup Spawning, adiciona que a automação pode alterar a linha de base da arte, mas os artistas excepcionais sempre se destacarão, independentemente das ferramentas utilizadas:
"De um modo geral, os artistas que prezamos são aqueles que se desviam da linha de base por um motivo ou outro, e haverá grandes artistas na era da IA, assim como houve grandes artistas em qualquer época.”
Os algoritmos se baseiam em dados de músicas existentes, o que provoca debates sobre propriedade intelectual e o uso de obras protegidas por direitos autorais. No caso do aplicativo Moises, a equipe teve que lidar com esse desafio desde o início.
"As leis vigentes não tratam especificamente da inteligência artificial . Por exemplo, como licenciar uma voz "clonada"? Tivemos que desenvolver os primeiros contratos desta natureza", explica Ramos.
A dificuldade para criar música de alta qualidade na IA a partir de comandos textuais ou outros tipos de prompts requer uma ferramenta treinada em grandes quantidades de áudio.
Ao contrário de imagens ou texto, o áudio tem uma dimensão temporal, tornando complexa a relação entre diferentes partes de uma música. Além disso, descrever música em palavras também é uma tarefa difícil, pois a arte musical é altamente subjetiva e abstrata.
Para CJ Carr e Zack Zukowski, donos do canal Dadabots no YouTube, "o significado de timbres, harmonias, ritmos por si só depende da interpretação do ouvinte. Pode ser muito difícil descrever objetivamente uma música completa de forma concisa, onde outros possam imaginá-la instantaneamente".
A IA pode agregar valor à música e ao áudio sem infringir os direitos dos criadores.
À medida que a IA sintoniza-se cada vez mais com a música, a democratização na criação musical se fortalece, proporcionando a todos uma caixa de ferramentas personalizada que pode redefinir a criatividade artística e criar novas fontes de receita.
Contudo, as possibilidades ofertadas por essa tecnologia não está isenta de notas dissonantes. Desafios consideráveis ainda permeiam esse concerto entre humanidade e inteligência artificial.
"Nossa meta é desenvolver ferramentas que complementem os processos criativos em áudio e música, sem a intenção de substituir indivíduos", reforça Geraldo Ramos.
Como será o futuro da música? Se você deseja ficar por dentro desse e outras tantos temas relevantes de tecnologia, siga o TecMundo nas redes sociais . Até a próxima!