Triângulo da Tristeza: uma grande sátira recheada de acidez (Crítica)
Tecmundo
Entre os filmes indicados ao Oscar 2023, talvez, o mais surpreendente seja Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness). E digo isso porque, como bem sabemos, a premiação costuma reconhecer filmes mais dramáticos e grandiosos, com um determinado tom narrativo. Não que Triângulo da Tristeza não tenha suas pitadas de drama, mas a obra está muito mais para uma sátira, uma comédia crítica e sombria recheada de acidez.
Lançado neste mês de fevereiro no Brasil, o filme é dirigido e escrito por Ruben Östlund, e conta com um elenco com rostos não tão familiares dos cinéfilos, com exceção do renomado Woody Harrelson (True Detective). Compõem a narrativa os atores Harris Dickinson, Charlbi Dean, Vicki Berlin, Dolly De Leon, Zlatko Buric, Sunnyi Melles, entre outros.
Mas o que Triângulo da Tristeza tem de tão especial, afinal? Por que o Oscar saiu um pouco da sua zona de conforto com um filme que destoa daqueles que costumamos ver na celebração? Ou será que a obra nem é tudo isso e o hype é muito maior do que a qualidade narrativa? Dúvidas, dúvidas, dúvidas...
Abaixo, você lê uma análise narrativa e crítica completa de Triângulo da Tristeza e descobre os porquês de todas essas perguntas!
Primeiramente, vamos falar um pouquinho da trama de Triângulo da Tristeza, que, a princípio, gira em torno do jovem casal composto por Carl (Dickinson) e Yaya (Dean). Os dois trabalham como modelos e vivem uma vida relativamente confortável, apesar de algumas tretas e desentendimentos entre as partes.
Eis que Yaya ganha uma viagem em um cruzeiro de luxo por conta de sua vida também como influencer (que consiste, basicamente, em ela tirar fotos de si mesma em diferentes situações e cenários glamourosos). Carl a acompanha na jornada, que, aparentemente, parece um sonho. Afinal, quem não gostaria de ganhar uma passagem, com tudo pago, para um cruzeiro maravilhoso, não é mesmo?
Ao iniciarem a viagem, os pombinhos se deparam com vários ricaços de diferentes localidades, que estão lá para relaxar e se divertir. Aos poucos, contudo, algumas tensões entre eles começam a surgir. Tensões, aliás, que envolvem também a tripulação da embarcação, que se esforça para tornar toda a experiência em algo perfeito para os convidados.
Entretanto, um acidente inesperado envolvendo o cruzeiro vira tudo de cabeça para baixo e as relações entre todos os presentes no navio muda rapidamente. A partir daí, inicia-se uma luta por sobrevivência na qual ser rico, ou não, já não faz qualquer diferença.
Triângulo da Tristeza tenta ser um espelho para alguns dos problemas que envolvem o dinheiro na atual sociedade.
ATENÇÃO: SPOILERS À FRENTE! NÃO CONTINUE LENDO SE VOCÊ AINDA NÃO ASSISTIU O FILME!
Triângulo da Tristeza é uma grande sátira à vida luxuosa e, algumas vezes, superficial, de pessoas extremamente ricas. Nesse sentido, a narrativa deixa claro, desde o início, que um de seus elementos centrais é o dinheiro e suas "consequências". O primeiro ato do longa, por exemplo, centrado na relação entre Carl e Yaya antes da viagem, é apenas a ponta do iceberg e tenta mostrar que, nem sempre, o dinheiro é um elemento facilitador.
Explico: em um jantar, quando Carl percebe que Yaya não tem o mínimo desejo de ajudá-lo a pagar a conta, o jovem não esconde toda sua frustração e inicia uma discussão com a garota, que se mostra surpresa com a cobrança por parte do rapaz. Todo o primeiro ato do filme é centrado nesse "conflito econômico", que passa pelo restaurante, se estende para o táxi e termina no hotel no qual os dois estão hospedados.
Logo nessa primeira parte de Triângulo da Tristeza, portanto, temos um recorte da ideia de que disputas envolvendo dinheiro podem gerar atritos supérfluos capazes de abalar relações, independente de qual lado esteja certo na situação. Recorte que se expande a partir do segundo ato do filme, quando Carl e Yaya partem para o famigerado cruzeiro de luxo.
A partir daí, novos personagens são adicionados à trama e novas dinâmicas envolvendo o tema central do longa surgem. Vemos pessoas que enriqueceram das mais diversas maneiras (há um casal de idosos, por exemplo, que produz armas de fogo e artigos de guerra) e como essa fortuna fez com que elas vivessem dentro de bolhas sociais.
Algo que fica ainda mais escancarado nas relações entre os milionários e a tripulação do navio (pessoas comuns que estão lá para fazer apenas uma coisa: servir). Aliás, é impossível não lembrar da série The White Lotus, da HBO, que expõe essas diferenças e comportamentos de uma maneira cômica e genial.
Woody Harrelson é o capitão bêbado do cruzeiro de luxo de Triângulo da Tristeza.
Aliás, o segundo ato de Triângulo da Tristeza é o ponto mais alto do filme, pois é lar da sequência que envolve o inesquecível jantar durante a tempestade. Pontos para Östlund por conduzir todo o corte de maneira magistral, contemplando comédia, imprevisibilidade, absurdo e medo. Lembro até de ter me levantado da posição em que estava no sofá para acompanhar a cena, pois é exatamente isso o que ela causa: inquietude e apreensão.
É uma pena, nesse sentido, que o filme não consiga repetir isso durante o início e o final de sua projeção. Além desse ótimo segundo ato, que conta com essa cena memorável, a primeira parte de Triângulo da Tristeza, quando analiso a narrativa como um todo, me parece um pouco desconexa, como se indicasse uma outra história a ser contada além daquela que envolve o navio (plot central).
Tanto, inclusive, que os protagonistas Carl e Yaya já não aparecem mais como destaques no restante do projeto, uma vez que passam a dividir tela com vários outros personagens. Por isso, estranhei um pouco a virada da primeira para a segunda parte do longa, que quebra o que estava sendo estabelecido no começo da obra.
Uma ideia: talvez, o filme poderia ter começado diretamente no cruzeiro (ato dois) e ter reestruturado suas partes a partir daí. Afinal, a ideia centrada nos males do dinheiro é vista com bastante clareza e mais diversidade durante o segundo ato. Ou seja, o primeiro ato, ao trabalhar a mesma ideia, só que em menor escala, poderia ser cortado. Afinal, são quase 2h30 de projeção, tempo que não se justifica quando analisamos a fundo a narrativa.
Por fim, temos um terceiro ato um tanto quanto previsível, que também não traz se quer uma fração da agitação e da criatividade da segunda parte. Aqui, temos uma mudança na "cadeia de comando", com a camareira Abigail (De Leon) assumindo o posto de líder e ajudando os ricaços a sobreviver. Afinal, dinheiro já é algo completamente inútil no cenário em que eles se encontram: uma ilha deserta, onde caçar e fazer fogo valem mais do que qualquer item de luxo.
Em suma, Triângulo da Tristeza apresenta certas inconsistências em sua narrativa, com alguns altos e baixos, além de críticas que, apesar de pertinentes, não apresentam grande profundidade ou criatividade. Contudo, a narrativa faz rir em muitos momentos, seja pelos elementos absurdos ou pelos bons diálogos, e vale a pena ser conferida, mesmo que seja apenas para relembrar que, na vida, há coisas que não estão à venda.