Uma Equipe Muito Especial segue encantando 30 anos depois (crítica)
Tecmundo
Em 1992, a diretora Penny Marshall lançou um pequeno filme encantador que acabou virando cult. Chamado no Brasil de Uma Liga Muito Especial , a obra trazia a história de um time feminino de baseball na década de 1940 que passava uns bons perrengues para conseguir existir.
O filme, que continha no elenco astros como Geena Davis, Madonna e Tom Hanks, abordava sobretudo as dificuldades das atletas mulheres para conseguir algum espaço no esporte, sem que a atração fosse os seus corpos.
Trinta anos depois, a atriz Abbi Jacobson (uma das protagonistas da engraçadíssima Broad City ) se uniu ao showrunner Will Graham (responsável por Mozart in the Jungle ) para refazer o filme, mas agora em forma de série.
Em oito episódios disponíveis no Amazon Prime , Uma Equipe Muito Especial (ou, no nome original, A League of Their Own) consegue se tornar um reboot atualizado e que faz jus à memória do original.
Há, inclusive, alguns ganhos em relação ao filme de Penny Marshall: há muito mais histórias e tramas paralelas que ganham um espaço significativo nesta série. O resultado é uma narrativa que, embora seja contextualizada historicamente, segue muito contemporânea, e fala sobre direitos das mulheres, sexismo, racismo e identidade queer.
A trama de Uma Equipe Muito Especial é relativamente fácil de explicar: no ano de 1943, um empresário dono de uma loja de chocolates resolve lançar um time feminino de baseball para competir na All-American Girls Professional Baseball League e, de quebra, ganhar algum dinheiro com ingressos. O pano de fundo deste acontecimento é a Segunda Guerra Mundial, com muitos soldados americanos em guerra e outras famílias com bastante medo que seus filhos sejam convocados.
Fica claro desde o início que o dono do time não está levando aquilo muito a sério. Embora haja algum critério de talento na hora de selecionar quem vai participar do time, a ideia é que as jogadoras sejam bonitas, provocantes e amigáveis, a ponto de atrair muitos homens que venham para o estádio só para vê-las.
O foco, inicialmente, está em Carson (papel de Abbi Jacobson), uma jogadora que larga sua vida no interior (incluindo o marido, que está lutando na guerra) para se candidatar à vaga. Mas logo notamos que há muitas outras subtramas tão importantes quanto a dela. Em especial, há um enredo paralelo envolvendo Max (papel de Chanté Adams), uma excelente rebatedora que não consegue entrar na liga por ser negra, e Greta (D’Arcy Carden, que fazia Janet em The Good Place ), que, embora esteja bem propensa a atuar em um papel de femme fatale que hipnotiza os homens, tem atração mesmo é pelas mulheres.
O envolvimento entre Carson e Greta já se prenuncia logo no primeiro episódio, dando à série mais uma nuance, que é a descoberta de uma sexualidade mais fluida em plenos anos 1940. Há, inclusive, a tentativa de não tornar esta subtrama muito dramática – preste atenção, por exemplo, nas reações do marido de Carson, nas poucas vezes em que ele aparece na história.
Mas talvez a grande riqueza deste reboot é que há muitas outras pequenas histórias ocorrendo ao mesmo tempo. Há as jogadoras latinas, representadas por Mita (Roberta Colindrez, da minissérie I love Dick ) e Esti (Priscilla Delgado); as que se sentem violadas por terem que colocar saias e performar feminilidade (no papel da atriz canadense Kelly McCormack); e mesmo as carolas que operam como uma espécie de fiscais da sexualidade alheia (no papel da comediante Kate Berlant).
Todas estas mulheres contribuem de alguma forma para criar um retrato plural e afetuoso sobre as dificuldades enfrentadas por elas quando ousam quebrar as expectativas impostas pelos homens.
(Fonte: Amazon Prime)
Se entendemos que o esporte, desde sempre, tem um tanto de festa, Uma Equipe Muito Especial também quer falar daqueles que ficaram de fora da comemoração. Penso que a trama que realmente rouba a cena é a que envolve Max e toda a sua comunidade, incluindo sua família e amigos. A jogadora é uma moça negra criada para herdar o negócio de sua mãe (Saidah Arrika Ekulona), que tem um salão de beleza e se orgulha de ser a primeira mulher negra da cidade a ter um negócio próprio (ela só consegue isso porque seu nome, Toni, é também masculino).
Ocorre que, por mais que Max ame e admire a mãe, este não é o sonho dela. Não bastando isso, ela sabe que está quebrando as expectativas da mãe em vários sentidos: ela é lésbica, e aos poucos vai descobrindo que a mãe se afastou da irmã, um homens trans (em tempos em que o termo nem sonhava em existir) que “optou”, segundo a família, por seguir uma vida desviante e foi colocado de lado.
Uma das belezas de Uma Equipe Muito Especial é que há um olhar terno a todos os personagens. Embora a mãe seja homofóbica, fica claro que ela é um produto do seu tempo e que, bem no fundo, só está tentando proteger sua filha de uma vida de sofrimentos – potencializada ainda mais por ela ter que conviver com o racismo e o machismo cotidianamente.
Há, portanto, o desejo de que possamos confortar ambas: a mãe, por suas más decisões baseadas na ignorância, e a filha, pelas dores que têm por ser simplesmente quem é. São comoventes as cenas em que Max tenta se adequar de alguma forma, como se isso fosse possível.
(Fonte: Amazon Prime)
Todas estas histórias são tratadas com leveza, e temperadas com toques de humor, que surgem, por exemplo, na doce e cômica amizade entre Max e sua melhor amiga Clance (vivida pela atriz britânica Gbemisola Ikumelo), que juntas enfrentam situações diversas de sofrimento que atingem, sobretudo, as pessoas negras. Clance, por exemplo, precisa lidar com a tensão da convocação do marido para a guerra, pois sabe que soldados negros são muitas vezes colocados nas piores situações de combate, como se fossem descartáveis.
O que fica claro durante os oito episódios de Uma Equipe Muito Especial é que esta é uma série que não fala exatamente sobre esporte. Ou melhor, aqui, o esporte é uma desculpa para falar da vida das mulheres. E, por fim, que uma boa história segue viva mesmo depois de trinta anos.