O que o ambiente organizacional tem a ver com antirracismo?
Tecmundo
Neste mês da Consciência Negra, tenho a satisfação de convidar a Patrícia Martins, Designer Organizacional e Facilitadora para Transformação Cultural dos Negócios focado em Diversidade e Inclusão, que vai ocupar o espaço desta coluna para que a conheçam melhor e possamos todos nós aprender mais sobre questões raciais, tão importantes para a construção de uma cultura antirracista.
As empresas são ambientes que tendem a seguir as mesmas regras sociais da nossa comunidade em geral. Se vivemos em uma sociedade que pratica atos de discriminação e preconceito, consequentemente o ambiente organizacional também será palco para esses atos, a menos que haja intencionalidade em ser antirracista!
Nas empresas, o mês de novembro tende a ser o foco da discussão e da temática “Consciência Negra”. É um mês para relembrar como as pessoas negras são tratadas no nosso modelo cultural e econômico. E é também um mês para relembrar e discutir como as pessoas negras são tratadas dentro dos ambientes organizacionais.
Temos a necessidade da criação de um ambiente de equidade, cabe às empresas uma reflexão sobre qual é a sua responsabilidade.
O dia 20 de novembro, data que marca a morte de Zumbi dos Palmares, representa a luta de pessoas de diferentes povos que se uniram para lutar, militar, garantir a própria sobrevivência e a sobrevivência dos seus e que com isso nos deixou o legado de que a transformação social e a consciência negra são imprescindíveis para garantia de direitos humanos equitativos.
Partindo do ponto em que concordamos com a necessidade da criação de um ambiente de equidade, cabe às empresas uma reflexão sobre qual é a sua responsabilidade na promoção de uma sociedade mais justa e com mais equidade.
O Instituto Ethos realizou uma pesquisa sobre a realidade brasileira e concluiu que o Brasil vem melhorando suas práticas de inclusão social e econômica nos últimos 10 anos, porém se mantivermos a velocidade atual a igualdade racial no ambiente de trabalho será alcançada em 150 anos. A luta por igualdade racial está presente há muito tempo, é muito anterior a Zumbi dos Palmares, e ele, Zumbi, que nos inspira para o tema Consciência Negra, foi assassinado no ano de 1695.
De lá pra cá já se passaram mais de 3 séculos e ainda temos uma grande jornada pela frente. Porém, o momento atual pode ser, historicamente, o de maior número de pessoas aliadas pela luta antirracista.
Segundo o IBGE, o Brasil possui hoje cerca de 56% da população que se autodeclaram como pessoas negras (pretas ou pardas). É o maior grupo racial na população, no entanto, ainda é minorizado nos ambientes organizacionais, políticos, educacionais e outros. É a maioria minorizada.
Pesquisa do Vagas.com aponta que pessoas brancas tem mais que o dobro de chances de ocuparem cargos de alta liderança. Enquanto 9% dos trabalhadores brancos estão em posições de gerência ou diretoria, apenas 4,1% dos trabalhadores negros ocupam esses mesmos cargos. Isso não é coincidência. E então, como agir para não ser necessário esperar por 150 anos para aumentar o número de pessoas negras em cargos de gestão e termos igualdade racial?
Primeiro, cabe reconhecer as lutas atuais e as pessoas que já ocupam posições ativas na construção de uma sociedade antirracista. Depois, cabe refletir sobre o que você faz no seu dia a dia que não contribui para a igualdade racial e imediatamente interromper essas práticas.
E trazendo a discussão para o ambiente organizacional é necessário fazer um diagnóstico de quais são as práticas e os processos que precisam ser revistos ou mesmo deixar de existir para que discriminações e preconceitos continuem acontecendo. Lembrando que os preconceitos e discriminações muitas vezes são difíceis de serem identificados, podem acontecer de forma implícita e por vezes naturalizados por já ocorrerem há muito tempo.
Acontece que essas possibilidades citadas podem, no máximo, colocar uma empresa na posição de não racista, mas não são suficientes para acelerar o tempo dos 150 anos, hoje necessários para a igualdade racial.
Para acelerar esse tempo é obrigatório intencionalidade e comprometimento. A empresa precisa estabelecer metas e se comprometer com o alcance dessas, como uma estratégia para reparação social e ao mesmo tempo ainda ter a possibilidade de colher os benefícios de um ambiente de equidade e maior diversidade.
Promover um ambiente antirracista acontece por transformação da cultura empresarial e por isso o investimento em educação se faz necessário. Criar letramentos de Diversidade e letramentos antirracistas.
É preciso capacitar a todos da empresa sobre a temática do antirracismo nas organizações e sua importância.
É preciso capacitar a todos da empresa sobre a temática e sua importância. Principalmente a equipe de liderança, que é estratégica por ter capacidade de influência sobre outras pessoas e também por ser responsável por decisões importantes na empresa. Muitas pessoas não tiveram acesso a informações sobre racismo, preconceito e discriminação, será então a empresa a responsável por esse processo educacional
Além de educar, a empresa precisará agir para alcançar suas metas de igualdade racial através de ações de recrutamento e seleção afirmativas e garantia de representatividade negra em cargos de gestão, por exemplo.
A Diversifica tem apoiado a Intel com essas ações educacionais. Já fizemos diversas formações, como letramento em Diversidade e Inclusão e encontros de formação específicos sobre questões raciais para todos os colaboradores e colaboradoras. Fizemos também uma formação específica para as lideranças da Intel.
Reforçamos a necessidade de uma cultura organizacional antirracista e o papel das pessoas aliadas. Nós também temos priorizado buscar profissionais negras e negros nos processos seletivos, já que a área de tecnologia tem um quadro funcional majoritariamente branco atualmente.
As práticas antirracistas na Intel já estão tomando lugar de maneira fluida e engajada. Temos grupos de afinidades e comitês de diversidade que discutem o planejamento de ações para gerar mais equidade e inclusão para a empresa. Temos parcerias com organizações que lutam pela promoção da inclusão racial e superação do racismo, como a Faculdade Zumbi dos Palmares, que coordena a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, a qual representa a articulação entre empresas com um desempenho ainda mais significativo na abordagem do tema.
Também, estabelecendo um espaço de diálogo do empresariado brasileiro em torno de dez compromissos, entre eles, a promoção e a valorização da diversidade étnico-racial, o respeito e o tratamento justo a todas as pessoas, a promoção de ambientes seguros e saudáveis e a sensibilização e a educação dos funcionários para o tema.
Uma empresa antirracista tem postura ativa e comprometida com a promoção da igualdade racial, se responsabiliza por suas ações e enfrenta de forma crítica a realidade em que estamos. E como parte importante da sociedade é capaz de gerar, cocriar e inspirar transformações culturais.
-----
Patrícia Martins é Consultora da Diversifica, tem apoiado a Intel Brasil em ações de Diversidade e Inclusão. Mulher negra, Psicóloga - UFMG, possui Pós em Gestão de Negócios - FDC e Formação em Liderança Sociocrática - Sociocracia Brasil. Além disso, é Co-founder do RH Experience e Diversity Experience e trabalha com Design Organizacional, Behavior Analysis, Cultura Organizacional, Comportamento Empreendedor, Facilitação, Autogestão, Desenvolvimento de Lideranças e Diversidade e Inclusão. > linkedin.com/in/patriciamartinsviver