United Artists contra o sistema dos estúdios: surge o cinema independente
Aventuras Na História
Em janeiro de 1910, um trem realizava uma viagem ambiciosa de um extremo ao outro do país. David. W. Griffith carregava na bagagem uma equipe de 30 pessoas e tendências de um novo olhar para o cinema. O diretor da Biograph Company havia deixado as gravações em Nova Jersey atrás de melhores condições climáticas para filmar.
Nessa década, um pequeno vilarejo da Califórnia viu florescer projetos que mudariam a trajetória do país. Aos poucos, Hollywood foi dando início a histórias de personalidades que até hoje são lembradas. Entre elas, a de Mary Pickford, Charlie Chaplin e Douglas Fairbanks, responsáveis por dar um novo significado à indústria do cinema.
No século 19, em Nova Jersey, o criador do Cinetoscópio, Thomas Edison, patenteava o primeiro instrumento de exibição de imagem em movimento dos Estados Unidos. Essa exclusividade fez com que o inventor exigisse patentes de tudo que surgisse no campo do cinema, gerando disputas com produtores e exibidores de filmes.
Os exaustivos processos de Edison, no entanto, estabeleceram um acordo entre as principais companhias de cinema para regular e licenciar qualquer tipo de produção. O grande consórcio ficou conhecido como Motion Picture Patents Company (MPPC).
Com a aliança, a duração dos filmes era limitada de dez a 20 minutos e inviabilizava qualquer produção independente. Nessa época, o conglomerado chegou a controlar mais da metade das exibições em território americano.
Hollywood ao ar livre, num tempo em que isso era uma enorme vantagem, dada a pouca sensibilidade à luz dos filmes — mas como um local onde a arte poderia ganhar maior sentido longe do grupo de patentes.
O crédito dos artistas
No Oeste, porém, artistas e companhias de filmagens eram malvistos pelos moradores. “Inicialmente, as pessoas em Hollywood eram tratadas como aventureiros, como pessoas que estavam explorando um filão”, comenta Marcelo Müller, crítico de cinema e editor do portal Papo de Cinema.
Esse cenário, entretanto, começou a mudar quando os primeiros trabalhos de Griffith foram apresentados. Embora existissem poucos locais de exibição na região, o diretor conseguiu cativar um número muito grande de espectadores com movimentos de câmera e técnicas de edição.
“Griffith iniciou e estabilizou o que chamamos de narrativa clássica e linguagem cinematográfica. Elas se mantêm até hoje em suas bases”, avalia o professor do Departamento de Cinema do Instituto de Artes da Unicamp Fernão Ramos. Como a Biograph formava o grupo da MPPC, seus curtas seguiam os padrões de mercado e muitas de suas produções eram inviabilizadas.
Um convite para fazer filmes mais caros e longos levou Griffith para a Mutual Film Corporation. Em 1915, com 'O Nascimento de uma Nação' — um revolucionário épico, que praticamente lançou o formato longa-metragem, e também um filme incrivelmente racista —, seu nome foi alçado ao topo da indústria cinematográfica.
Depois de ter sucesso nos palcos, a canadense Mary Pickford foi convidada por Griffith para integrar a equipe da Biograph em 1909. No ano seguinte, viajou junto com a comitiva do diretor para Los Angeles. Com estilo doce e confiante, Pickford conquistou papéis importantes nos curtas. Em pouco tempo, ganhou o apelido de American Sweetheart ('A Namoradinha dos EUA') e se tornou a única mulher nos Estados Unidos a ganhar mais de 1 milhão de dólares em um único ano.
O cinema mudo, por sua vez, demandava dos atores exagero performático das cenas e a atriz entendia a força que as suas expressões tinham. Pela primeira vez, Griffith estampou o nome de um ator no cartaz do filme e Pickford se tornou uma das personalidades mais famosas do mundo.
Enquanto isso, um grupo teatral de Londres comandado pelo empresário Fred Karno viajava o mundo mostrando peculiaridades da comédia inglesa. Em 1913, o filho de animadores musicais, Charlie Spencer Chaplin, ia com a trupe para a sua segunda turnê nos Estados Unidos. Na viagem, conheceu o diretor dos estúdios Keystone, Mack Sennett, que já apostava em produções de comédia.
Um convite ao ator britânico foi feito e Chaplin atuou pela primeira vez no curta Making a Living, de 1914. “Ele se adaptou rapidamente ao estilo. A maneira com que dominava a pantomima sobressaiu muito facilmente no cinema. Um cinema feito de comédias rápidas, curtas e de um humor muito acessível”, explica o crítico Marcelo Müller.
O ritmo frenético dos filmes de Sennett e a singularidade da atuação de Chaplin deram liberdade ao ator para sugerir e criar em cima de seus papéis. Em busca de uma comédia mais escrachada, Chaplin trouxe um personagem de calças largas, casaco apertado e bigode pequeno: o 'Little Tramp' ('Pequeno Vagabundo', mais simpaticamente chamado de Carlitos por aqui), sua marca registrada até hoje.
Esse anseio por produções mais exageradas, dessa forma, foi ponto crucial para que ele deixasse a Keystone. Com a popularidade de seus filmes, Chaplin também se tornara um dos nomes mais reconhecidos no mundo. Em Hollywood, Chaplin encontrou um ator norte-americano mais velho e com experiência nos palcos da Broadway.
Essa amizade com Douglas Fairbanks fez com que o ator de teatro, aos 32 anos, estreasse nas produções de Griffith. Sem a presença de dublê, os primeiros trabalhos de Fairbanks eram marcados por inúmeras acrobacias. Num período em que quase tudo era novidade no cinema, ele rapidamente se tornou reconhecido pelos espectadores.
“Sua principal virtude foi projetar otimismo para o público. Se alguém falasse ‘essa parede é muito alta para subir’, ele dizia que não e que era possível saltar. Isso trouxe confiança para todo mundo”, comentou Douglas Fairbanks Jr. no documentário 'Star Power: The Creation of United Artists' (1998).
Já no ano seguinte de sua estreia, em 1916, o ator criou sua própria empresa de cinema, a Douglas Fairbanks Film Corporation. Naquele momento, não só ele mas o nome de Chaplin, Pickford e Griffith no cinema dava a eles maior liberdade de produção.
A união de estrelas
A distribuição de películas ainda era um grande impasse para essas estrelas. Esse domínio de mercado por empresas como Metro-GoldwynMayer (MGM), Paramount e Fox estabelecia preços fixos na venda dos filmes e, em muitos casos, salas de exibição só podiam comprar filmes em grupos, inviabilizando a possibilidade de um blockbuster.
Além de astros, Chaplin, Pickford e Fairbanks eram grandes amigos e já possuíam suas próprias empresas. Os três, portanto, se reuniram para pensar em formas de resistência a esse consórcio. David W. Griffith, que passou os anos da Primeira Guerra na Europa após o fracasso de bilheteria, foi convidado por Pickford para dar maior credibilidade ao grupo. Em 1919, as quatro reconhecidas personalidades de Hollywood assinavam a criação de um novo estúdio de cinema: a United Artists (UA) nascia para romper com os monopólios de distribuição.
“Simplesmente, era a união dos maiores diretores e atores do cinema mudo, da grande estrela americana e do diretor responsável por criar a linguagem cinematográfica”, finaliza Fernão Ramos. O surgimento da UA é considerado por muitos uma revolução na história do cinema. Era a primeira vez que uma companhia tinha total domínio de produção, execução e distribuição de filmes.
“Ela era a fuga daquilo que era nobre em Hollywood, já que os estúdios até então eram espécies de potentados árabes”, explica o professor de história do cinema e coordenador da Filmoteca da Faap, Máximo Barro. Inicialmente, por Grifitth e Chaplin terem contratos com outros estúdios, a participação de ambos nas produções da companhia foi limitada.
Em 1919, Fairbanks foi mais auspicioso e emplacou o primeiro sucesso do grupo com His Majesty, The American. No ano seguinte, Pickford também elevou o nome da nova empresa em Pollyana. “A United tinha fundamentos econômicos muito mais profundos do que os outros estúdios.
A questão não era só distribuir e exibir filmes nos Estados Unidos. Eles queriam pegar esses filmes de grande renome e torná-los de poder internacional”, completa Barro. Na década de 1920, o cinema mudo da UA ganhou proporção e contribuiu para fazer importantes nomes no ramo, como Rodolfo Valentino, Buster Keaton e Gloria Swanson.
Tempestade sonora
A partir de 1929, o surgimento do cinema sonoro trouxe praticamente uma outra indústria. Foi um golpe enorme para muitos artistas e produtores, que não se adaptaram. Em poucos anos, quase todos os estúdios entraram no vermelho.
Quando o presidente Franklin Delano Roosevelt assumiu em 1933, muitos estúdios já beiravam a falência e o então presidente precisou garantir a sobrevida dessas empresas. “Primeiro porque elas geravam muitos empregos. Segundo porque os filmes vendiam os Estados Unidos pelo American Way of Life. Por isso, o presidente passou a emprestar dinheiro a todos eles”, afirma Máximo.
Em 1945, no período pós-Guerra, os estúdios já tinham pago suas dívidas. Nessa época, Fairbanks tinha falecido e Griffith deixado a liderança do grupo. A companhia, mesmo com novos nomes na presidência, ainda era assegurada pelas ações de Chaplin e Pickford. Inevitavelmente, ela não figurava mais entre os grandes estúdios de Hollywood e passou a sobreviver modestamente como “locadora” de seu material e de seu espaço.
Questões políticas começaram a se enroscar em torno de Chaplin. Acusado de comunista, o ator deixou os Estados Unidos em 1952 e vendeu os títulos da empresa. No ano seguinte, Pickford entregou a UA nas mãos de novos grupos, que a partir de então passou a ser comprada, vendida e reestruturada por diversas empresas, mas ainda assim levando o nome em grandes sucessos, como a série 007 e Rocky.
A derrocada da marca aconteceu anos mais tarde com o fracasso de bilheteria de O 'Portal do Paraíso' (1980), de Michael Cimino. Como o diretor já havia conquistado o 'Oscar com Franco Atirador' (1978), a United Artists confiou em seu trabalho e apostou um grande investimento inicial na produção do filme. O fiasco fez com que a MGM comprasse o grupo. Era o fim de um sonho.