O que Timbó e Robin Hood têm em comum? Enrique Diaz fala sobre seu personagem
Anamaria
Quando pensamos em ‘Mar do Sertão’, atual novela das seis da Globo, certamente o nome de Timbó é um dos primeiros que vêm à mente do telespectador. Isso porque o personagem vivido por Enrique Diaz se trata de um ser um tanto quanto caricato e carismático, que, embarcando no sucesso da trama, rapidamente caiu na graça do público. Mas, afinal, o que aproxima Timbó dos espectadores?
Com muita simplicidade, esperteza e criatividade, o personagem traz consigo algo intrínseco a muitos brasileiros: a capacidade de não perder a alegria e o bom humor nem nos momentos mais difíceis. De classe baixa, analfabeto e morador do interior do sertão, Timbó permite que os telespectadores deixem de lado, pelo menos no início da noite de cada dia, a ideia de que genialidade tem a ver com grau de escolaridade e de que prosperidade se relaciona apenas à quantidade de dinheiro que alguém possui.
Para falar sobre esse personagem que cativou os espectadores e que causou tanta identificação, Enrique Diaz deu uma entrevista exclusiva à AnaMaria Digital. A seguir, acompanhe o que o ator contou a respeito do papel que vem levando alegria à casa de muitos brasileiros.
“Um personagem como o Timbó é um presente pra mim, pra qualquer ator, porque ele é muito bem escrito, configura mesmo com um personagem em vários sentidos. Ele faz parte de uma tradição de personagens picarescos, uma tradição que passa pelo cordel, mas vem lá do medieval, da Península Ibérica. Tem muita proximidade com o Lazarillo de Tormes, que é uma história muito boa,bem como remonta também o Arlequim, tem várias referências acerca dele”, inicia o artista.
Se pudesse definir o Timbó com alguns adjetivos, Enrique diria que ele é um cara “malandro, de classe baixa, esperto, com uma inteligência singular”. E no sentido mais objetivo do personagem que chega para o público, o ator define que ele extremamente simpático e inteligente.
“Ele é de uma simpatia gigante, de uma inteligência enorme, ao mesmo tempo em que é analfabeto, que não tem formação formal nenhuma, o que dá um charme para o personagem. O Timbó permite que o espectador veja que uma pessoa sem a pose de doutor ou de pessoa educada em escola pode ser genial, inteligentíssimo, esperto e que pode saber lidar com as coisas muito bem”, aponta o global.
PERSONAGEM CATIVANTE
Além de ser um cara esperto e malandro, Timbó mostra ao público uma faceta mais intimista: seu lado família. “Ele é muito amoroso, não só com a família, que é o forte com a preservação do amor familiar, mas também com o amor pelo mundo, pelos animais. A questão da religião tem uma relação com amor mesmo, como uma imagem de bondade, de querer bem ao mundo e às pessoas em volta”, observa Enrique Diaz.
Com a transformação na vida do personagem, que sai da pobreza para o enriquecimento, o ator aponta que Timbó consegue trazer um ar de Robin Hood também, dividindo o dinheiro de certa maneira, levando água para as pessoas.
“São elementos que fazem ele ser muito cativante. Ele é um cara muito simples, tem muita pose, mas que vai mais para o lado do fofinho e é muito inocente. Na verdade eu acho que é isso que está cativando muito o público e também, claro, é uma questão social. Apesar dos quatro anos de horror de Bolsonaro, a gente está vendo que o público dá valor a uma questão de fazer bem, de igualdade, de preservação de valores bacanas, e não predadores como foi nesse período do ex-Governo”, afirma.
CONSTRUÇÃO E COMPLEXIDADE DO PERSONAGEM
Enrique acredita que o público está vendo uma volta do bem. “Sei que ‘bem' e 'mal’ é um assunto complexo, mas digo ‘bem’ no sentido de querer bem de verdade. Tem uma outra qualidade também dessa escrita do personagem que é a própria prosódia que ele tem, uma coisa de construção de frases e da estrutura do texto que é muito sofisticada. Nesse caso, se liga à ideia da cultura popular, do cordel como uma forma literária, como uma narrativa, com um valor em si. Tem um saber ali e isso é uma coisa muito bonita”, aponta o ator.
Por outro lado, o intérprete de Timbó acredita que esse fator traz alguns desafios para ele. "É um tipo de texto em que você tem que realmente entender e perceber a estrutura formal dele. Tem que trabalhar com aquelas frases, com aquelas palavras. Eu mudo muito pouco o texto do personagem, porque ele é muito bom, muito elaborado e na boca de um cara analfabeto, que tem uma vida materialmente precária, é muito legal que essas frases sejam muito bem faladas e muito bem elaboradas como são”, relata o peruano.
Para além do lado malandro e divertido que Timbó traz, o público está podendo assistir um personagem complexo, que apresenta aspectos quase que intrínsecos à sociedade. Enrique Diaz também aborda a questão do machismo levantada no papel, mostrando a importância dessas pautas dentro das produções.
“Mais presente em uma fase novela está o machismo aparecendo no Timbó, o que dá uma um ótima oportunidade pra gente, para as pessoas em geral, se verem no seus próprios machismos e, ao mesmo tempo, não precisarem cancelar o Timbó, porque ele é apresentado pelos autores de uma maneira muito carinhosa. A Teresa [esposa de Timbó] ensina ele e ele vai aprendendo e vai descobrindo o valor da mulher maravilhosa que está ao seu lado. Ele vai percebendo que era muito mais falastrão do que qualquer outra coisa. Essa questão do machismo dá uma complexidade para o Timbó, que agora está se transformando, e vai dando a beleza dele poder se redimir”, conclui o ator.