Pressão estética coloca adolescentes no centro das cirurgias plásticas
Anamaria

A busca por procedimentos estéticos entre adolescentes está crescendo em ritmo acelerado e pais e responsáveis têm se preocupado cada vez mais. E com razão.
Impulsionada por redes sociais, filtros digitais e a pressão por uma aparência considerada “perfeita”, indivíduos cada vez mais jovens recorrem a preenchimentos, harmonizações e cirurgias para ajustar traços que, muitas vezes, sequer chegaram a amadurecer completamente.Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), aproximadamente 10% dos procedimentos realizados no país envolvem pacientes entre 13 e 19 anos. O fenômeno revela uma mudança de comportamento e também um novo padrão de ansiedade estética.
Para especialistas no assunto, a realização precoce de intervenções estéticas pode trazer riscos por interferir em estruturas corporais ainda em desenvolvimento. Além disso, a procura excessiva por esses procedimentos costuma estar ligada à baixa autoestima, à comparação constante e à dificuldade de construir uma identidade própria em meio a padrões inalcançáveis.
Entre os pais, a preocupação é crescente. Muitos se veem pressionados a autorizar procedimentos motivados pela insegurança dos filhos, enquanto tentam equilibrar o desejo de respeitar sua autonomia com o medo de consequências físicas e emocionais. O tema abre uma nova frente de debate dentro das famílias: como apoiar os filhos que lidam com sua insatisfação corporal sem reforçar a ideia de que modificar o próprio rosto ou corpo tão precocemente pode ser um caminho rápido, mas sem volta?
Na matéria de hoje, vamos falar com médicos e psicólogos, para tentar ajudar nossos filhos a não cederem a um padrão estético que, quase sempre, será impossível de ser alcançado.
Um debate necessário
O Brasil é o segundo país do mundo que mais realiza cirurgias plásticas, ficando atras apenas dos Estados Unidos, e a procura por essas intervenções tem começado cada vez mais cedo. E em meio a essa realidade, os especialistas são categóricos: é preciso orientação responsável e avaliação criteriosa antes de qualquer decisão.
Para Gabriela Laureano, psicóloga da Clínica Sartor, existem alguns fatores que podem levar adolescentes a desenvolverem um desejo precoce por procedimentos estéticos. “A comparação do corpo e a influência de pessoas, principalmente na internet, são fatores que podem gerar insegurança corporal, excesso de autocrítica, busca pelo corpo perfeito de acordo com os padrões de beleza estabelecidos em cada época e a busca por uma sensação completa de felicidade e bem-estar que é, muitas vezes, vendida através do incentivo desses procedimentos na internet”, diz. Já Aline Graffiette, Neuropsicóloga e CEO da Mental One, diz que os adolescentes são sempre levados a desenvolver esse desejo precoce por procedimentos estéticos porque, de verdade, entendem que a aparência conta mais do que o interior. “Eles ainda não têm ferramentas internas bem desenvolvidas. Então, aquilo que apresentam do lado de fora acaba tendo um “sabor melhor” e até facilita a aproximação com os grupos. Isso acontece desde sempre e, hoje, apenas ganhou novas formas de expressão”, avalia.
A culpa é das redes?
Letícia, de apenas 13 anos, tem uma rotina de skincare que muitas mulheres maduras sequer conhecem: sabe nomes, princípios ativos, marcas e para o que serve cada produto encontrado nas prateleiras de farmácias. Além disso, Letícia sonha com os procedimentos estéticos divulgados por suas influenciadoras favoritas. Ela salva vídeos, fala com empolgação sobre a assunto e já planeja, aos 15 anos, fazer a primeira intervenção. Letícia não conversou comigo para essa matéria, mas não seria difícil encontrar uma adolescente com esse perfil. Afinal, entre filtros que afinam o nariz e colocam bochechas rosadas e tutoriais que prometem “o rosto perfeito”, um novo ideal de beleza se impõe. E impulsionados por curtidas e comparações constantes, cada vez mais adolescentes buscam fazer mudanças estéticas precoces. Essa “tendência” acende um alerta entre especialistas: o que acontece quando a construção da própria identidade passa pelas mãos de um esteticista e por um algoritmo?
É fato que, hoje, a busca por procedimentos acontece cada vez mais cedo. Ainda que não envolva cirurgia, há meninas aplicando botox e mantendo rotina de skincare de adultos. E, então, fica o questionamento: há perigo de algum tipo de amadurecimento precoce em relação a isso? Para Aline, isso é muito evidente. “Hoje, vemos crianças — não mais apenas adolescentes — copiando rotinas de skincare e até comportamentos de autocuidado que não são próprios da idade. Elas fazem isso dentro de um comportamento de imitação: seguem influenciadores que mostram produtos e rotinas por motivos comerciais. Cada vidrinho vendido representa um ganho para quem está por trás da tela, e a criança não tem maturidade para entender isso”, fala. Para Gabriela, o impacto pode acontecer no desenvolvimento emocional, na autoestima, na maneira como a pessoa enxerga a si mesma, envolvendo características físicas e suas habilidades e competências. “O adolescente vai, muitas vezes, julgar sua capacidade de fazer algo de acordo com a maneira que ele se vê fisicamente, por exemplo, se ele se considerar “feio” fora do padrão de beleza, pode ser que ele não se sinta capaz de conseguir determinada oportunidade ou de praticar determinado esporte, levando-o ao isolamento. A adolescência é uma fase que gera insegurança e sensação de solidão, a necessidade do adolescente é de se sentir bem e de ser aceito socialmente; o adolescente costuma se preocupar com a sensação de pertencimento. Ser pertencido a um determinado grupo, é muitas vezes, esse tipo de sentimento que o leva a buscar procedimentos de forma precoce”, comenta.
E para ajudar os pais a promover uma relação mais positiva dos adolescentes com a própria aparência, Gabriela sugere elogios sinceros, destacando características da personalidade, do caráter e de comportamento e não apenas elogiar características físicas, relacionadas ao corpo. “Lembrá-los que o corpo conta uma história e qual é a história que o corpo dele está contando, destacando pontos positivos, fortes, interessantes e bonitos. Mostrar que ninguém atinge um ideal de corpo e perfeição, e que o padrão de beleza muda, como por exemplo, mostrar qual era o padrão de beleza na época dos pais e dos avós. São estratégias úteis podem facilitar o diálogo”, conclui.
Direto ao Ponto
A seguir, Vitor Pagotto fala um pouco mais sobre o assunto.
Aventuras Maternas – Você já se negou a fazer alguma cirurgia em adolescente?
Aventuras Maternas – Como os profissionais da área médica podem atuar para orientar e, se necessário, conter pedidos de procedimentos estéticos desnecessários em adolescentes? Há uma responsabilidade ética envolvida nessa decisão?
Vitor Pagotto – Nossa atuação como médico deve ser para preservar o bem estar das pessoas. A responsabilidade ética deve ser absoluta. Nosso Código de Ética exige que o foco seja o bem-estar do paciente. Isso envolve o Princípio da Não-Maleficência (não causar dano). Negar um procedimento desnecessário é, muitas vezes, o ato mais ético e humano que podemos realizar. Por isso, implemento uma abordagem multidisciplinar: diálogo aberto com o adolescente e os pais, avaliação psicológica para rastrear dismorfias em alguns casos, e a ênfase na distinção clara entre cirurgia reparadora (que alivia sofrimento real) e estética (que visa aprimoramento).
Para concluir, é importante ressaltar que a cirurgia plástica bem indicada possui a capacidade de transformar a qualidade de vida das pessoas, inclusive de adolescentes. O que precisamos ficar atentos é para identificar quais pessoas realmente irão se beneficiar do procedimentos e quais terão suas queixas agravadas por essa busca inatingível da pressão das redes sociais.
