A outra animação que você precisa ver após assistir Oppenheimer
Aventuras Na História
Mesmo hoje, quase 80 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o conflito de escalas globais é lembrado, com horror, e retratado nas mais diversas produções audiovisuais. Um exemplo é o recente filme de Christopher Nolan, 'Oppenheimer' (2023), que acompanha parte da trajetória do físico americano J. Robert Oppenheimer, que ficaria mais conhecido na história como "o pai da bomba atômica".
No entanto, um aspecto um tanto controverso do novo filme de Nolan é que acompanha justamente o ponto de vista de um cidadão norte-americano. Ou seja, o peso na consciência de Oppenheimer se devia por ele ser o criador da arma mais letal desenvolvida pela humanidade até então, bem como o grande número de mortes pelas quais ele foi indiretamente responsável.
Em contramão, na última quinta-feira, 27, a Aventuras na História lembrou uma famosa animação japonesa, 'O Túmulo dos Vagalumes' (1988), que mostra o sofrimento da população do outro lado da guerra, que sofreu com incontáveis bombardeios dos Estados Unidos. E mesmo que seja lembrada como uma das animações mais tristes já feitas, revisitando o amargor e os males da guerra, esta ainda não é a mais fiel aos ataques de Hiroshima e Nagasaki, as cidades japonesas realmente afetadas pela bomba atômica.
A obra em questão se chama 'Gen Pés Descalços' ('Hadashi no Gen', no nome original), e facilmente é uma das produções audiovisuais mais difíceis de se assistir. Isso porque, no filme, acompanhamos o pequeno Gen Nakaoka, bem como sua mãe e irmãzinha se recuperando em uma Hiroshima destroçada e radioativa, depois da explosão da bomba conhecida como Little Boy, que também vitimou seu pai e dois irmãos.
Drama
Uma grande diferença entre 'O Túmulo dos Vagalumes', de Isao Takahata, e 'Gen Pés Descalços', dirigido por Mori Masaki, é que, além de um, retratar os bombardeios de Kobe e outro o de Hiroshima, o segundo se aproxima muito mais da realidade. Isso porque ele é baseado no mangá escrito por Keiji Nakazawa, verdadeiro sobrevivente da bomba atômica lançada em Hiroshima.
Conforme narrado pela Collider, Nakazawa nasceu em Hiroshima no ano de 1939, de maneira que tinha somente 6 anos quando a cidade foi devastada pelos americanos. Assim, sua infância foi rodeada de muita tragédia: parte de sua família morreu no ataque, exceto por ele, sua mãe e sua irmãzinha — esta que morreria semanas depois.
Foi só depois de 1966, quando sua mãe morreu em decorrência de uma leucemia, que Nakazawa ficaria inspirado a adaptar sua história em um mangá. A obra, por sua vez, foi publicada de 1973 a 1985, tendo recebido a animação em 1983, ainda antes de seu encerramento.
Depois da bomba atômica
O primeiro ato de 'Gen Pés Descalços' se inicia antes da fatídica explosão, mostrando a família Nakaoka, que já sofria com a falta de comida devido ao racionamento de guerra. Visto isso, é importante pontuar que a obra também é bastante crítica quanto ao posicionamento do imperador Hirohito, que era incapaz de cuidar da própria nação e atrasou a rendição do país.
A princípio, a animação realmente parece quase infantil, pois, mesmo em meio a sérios problemas, resoluções simples são encontradas pelo pequeno Gen Nakaoka, que fazia o possível para tentar roubar comida para a mãe, grávida e doente. Tudo muda quando um avião passa por cima da cidade e, então, solta uma bomba.
Em uma das cenas mais horripilantes já feitas na história da animação, agravada por se tratar da representação fiel de relatos de um sobrevivente, é mostrado homens, mulheres, crianças e animais afetados gradativamente pela explosão nuclear, perdendo cabelos, com os corpos se decompondo e os olhos derretendo para fora das órbitas.
Porém, é importante pontuar: a tragédia compreende apenas o início do filme. Posteriormente, o público ainda assiste pessoas rastejando entre destroços, muito semelhante ao cenário de um filme de zumbi, além de ver os sobreviventes lidando com vermes nas feridas, a fome, além das doenças provenientes da radiação.
Otimismo infantil
Apesar de toda a tragédia retratada, 'Gen Pés Descalços' tem outro objetivo: em vez de narrar os horrores da guerra de maneira objetiva, o mangá os utiliza como contexto para uma história que, apesar de triste, é bastante otimista. Isso porque a obra não se trata da morte da infância, mas sim de sua resistência.
Por fim, enquanto Christopher Nolan mostra a perspectiva de J. Robert Oppenheimer em seu mais recente trabalho, 'Gen Pés Descalços' tenta algo mais difícil, que o torna ainda mais especial: encontrar esperança. Assim, acompanhando diretamente as intensas emoções que uma criança pode expressar, Keiji Nakazawa desenvolveu uma das obras mais traumatizantes sobre um dos dias mais tristes da humanidade.