'As Bruxas de Salém': Peça recorre ao passado para condenar o presente
Aventuras Na História
“As Bruxas de Salém” retorna para sua segunda temporada na noite desta quinta-feira, 14, no Espaço Os Satyros, em São Paulo. O espetáculo da Companhia teatral pioneira da Praça Roosevelt recorre ao passado, por meio da clássica história de Arthur Miller, para condenar o presente.
Em entrevista ao site Aventuras na História, Rodolfo García Vázquez, fundador do grupo e diretor da peça, fala sobre a ideia de buscar no clássico norte-americano uma abordagem para refletir questões e comportamentos atuais de nossa sociedade, como a polarização e outros aspectos ligados à política, cultura e religião.
“Todo o caos e a radicalização dos últimos anos estavam [e ainda estão] nos incomodando profundamente. Como chegamos a esse ponto?”, questiona o diretor, que acredita que a falta de diálogo é um elemento bastante prejudicial na construção de uma democracia sólida e de instituições maduras.
Diante deste cenário, Vázques, ao lado de Ivam Cambral, pensou em abordar o tema, não de forma jornalística, mas como “uma grande alegoria sobre nosso país”. “Falar de bruxarias, feitiços e fake news na Salém do final do século XVII, através de Arthur Miller, nos pareceu o caminho ideal”, comenta o artista.
'Feitiço' causa discussão sobre extremismo e cancelamento
Na obra de Miller, a intolerância e o extremismo de posições ideológicas que mais usam do recurso de atribuir aos inimigos o caráter demoníaco são elementos que para Vázquez mais se encaixam com o "feitiço" necessário para a discussão necessária ao público por meio da encenação.
Tanto em Salem, quanto no Brasil hoje, o demoníaco é um recurso dominante nos discursos públicos de muitas autoridades. Além disso, há a questão das fake news , da propagação de mentiras voláteis e da cultura do cancelamento. Como Salém nos mostra, cancelamentos não são um fenômeno recente”, analisa.
Para o diretor, a alegoria é uma forma de criar várias leituras para uma mesma história. “O público que assiste ao espetáculo tem reações bastante emocionais ao reconhecer ali nossa própria condição atual. Por outro lado, muitas vezes, não conseguem identificar exatamente o porquê do incômodo que o espetáculo causa nelas. É nesse ambiente que elas são submersas ao assistir ao espetáculo. Elas revivem o caráter mítico da obra”, afirma.
Desde “Os Condenados”, peça apresentada no ano passado e neste ano, Os Satyros já traziam o tema da expansão do radicalismo político em cena. As Bruxas de Salém, agora, dá continuidade a essa reflexão. “Infelizmente, enquanto houver esse risco de violência polarizada na política e na sociedade, As Bruxas de Salém deve continuar sendo apresentada. É nossa forma de trazer luz ao debate e despertar consciências para o risco da negação do diálogo”, afirma Vázquez.
Referências se unem a 'exageros' e representatividade
Além das referências buscadas na obra de Miller, “As Bruxas de Salém” reúne exageros da direita radical durante o período eleitoral e faz um paralelo entre o desenvolvimento da ação dramática em Salém e o desenrolar dos acontecimentos do período eleitoral até a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. O objetivo, segundo Vázquez, é criar uma reflexão sobre os exageros ocorridos em ambos os casos.
Outro destaque do espetáculo é a criação de um núcleo de atuantes negros, chamado Cidade Negra. O diretor ressalta que em Salém havia escravidão naquele período. “O texto de Arthur Miller apontava isso ao trazer a personagem de Tituba. No entanto, quisemos ampliar sua presença com a criação de um núcleo negro que, através de olhares, canções e atmosferas, comenta a ação dramática, contrapondo a visão delirante dos moradores de Salém/brasileiros radicalizados”, observa.