Stranger Things: por que a série da Netflix deu tão certo?
Tecmundo
A estreia da 4ª temporada de Stranger Things, da Netflix, está deixando muitos fãs alvoroçados. Depois de três anos, finalmente, a complexa saga dos amigos Mike, Dustin, Will, Lucas e Eleven está de volta para entreter e instigar os admiradores do universo fundado pela série em 2016.
Sim, já são seis anos desde o lançamento desta trama icônica pela Netflix, que apostou suas fichas numa história de ficção científica situada nos anos 80. Pode parecer bem inusitado que uma série tão específica continue gerando tanto buzz desde seu lançamento, sem deixar a peteca cair. Mas será que isso é mera obra do acaso?
Talvez você não saiba, mas Stranger Things é uma espécie de "bebê de proveta" gerado em laboratório. Com isto, me refiro ao fato de que, em nenhum momento, a série foi um tiro no escuro da Netflix.
Explico: a ideia de Stranger Things foi gerada a partir da coleta de dados sobre as preferências de milhares de usuários da Netflix, de acordo com aquilo que eles costumam assistir. A partir da análise do chamado big data, chegou-se à conclusão de que uma série com determinadas características teria tudo para dar certo. E foi exatamente isso o que aconteceu.
Mas essa explicação se atenta apenas aos dados quantitativos, que evidenciavam que um grande número de pessoas estaria propenso a gostar de Stranger Things. Mas será que isso é suficiente para explicar o sucesso - e mesmo a longevidade - da série? Algumas pistas nos mostram que há mais coisas rolando aqui.
Vejamos então alguns pontos que nos ajudam a entender porque Stranger Things é tão bem-sucedida.
A fonte mágica dos anos 80
(Fonte: Netflix)
Um tanto óbvio dizer isso, mas é a verdade: Stranger Things bebe da nostalgia inesgotável que temos em relação aos produtos culturais dos anos 80 - tenhamos ou não vivido nela. Há algo de muito especial nesta década que, ainda que ela nos pareça um tanto brega, não nos cansamos de revisitar.
A estética das fitas cassetes, das cores neon, da música new wave, dos sintetizadores eletrônicos e dos cabelos arrepiados dão uma espécie de quentinho no coração de quem vê. Parte disso se dá por termos tido uma série de filmes nesta época com os quais seguimos nos relacionando afetuosamente. Falo aqui dos infantis, como ET - O Extraterrestre, Os Goonies, Conta Comigo, e dos filmes adolescentes icônicos de John Hughes, como Gatinhas e Gatões, Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Adoidado.
Muitos críticos já apontaram que esta estética nostálgica e sonhadora acaba projetando nos anos 80 uma ideia "utópica" sobre a década - como se ela tivesse sido melhor do que foi. Cria-se um sentimento do tipo "saudade do que não vivemos", como já diria Neymar.
O acerto na escolha do gênero
(Fonte: Netflix)
Se tem uma coisa que Stranger Things inovou foi na escolha de um gênero que não é exatamente comum na ficção - pelo menos na que tem sido feita recentemente. A série talvez pudesse ser classificada como "horror de ficção científica com crianças".
A estratégia de misturar gêneros é inteligente, pois foca em públicos diferentes que talvez não assistiriam a um produto de um único gênero. E a história bem contada em Stranger Things vai além do terror e da ficção científica: as crianças atravessam dramas, têm momentos muito cômicos, vivem romances e atravessam várias cenas com muita ação.
Terror e crianças, aliás, parece ser hoje uma combinação estranha. Mas ela não é exatamente nova, apenas rara. Nos anos 70 e 80, aliás, era bem mais recorrente que as crianças fossem retratadas em contextos assustadores - vide, por exemplo, filmes como A Profecia (1976), O exorcista (1973) e A colheita maldita (1986).
Você talvez esteja pensando: mas estes não são filmes para crianças. E tem razão. Uma referência mais adequada aqui talvez esteja num clássico chamado Viagem ao mundo dos sonhos (1985), do diretor Joe Dante, em que um menino obcecado por ficção científica consegue que seus amigos o ajudem a construir uma nave espacial.
Uma pista importante sobre isso é que os criadores de Stranger Things, os irmãos gêmeos Matt e Ross Duffer, queriam criar inicialmente uma nova adaptação do clássico It, de Stephen King, uma história de terror com crianças e um palhaço, mas não conseguiram. Foi assim que partiram para o projeto da Netflix.
Uma experiência completa
(Fonte: Netflix)
Um outro fator que explica os resultados da série é a sua capacidade de consolidar um universo inteiro para ser consumido. Ou seja, a experiência com Stranger Things se expande para muito além da série em si.
Há vários pontos em aberto na história que possibilitam que os fãs fiquem dias debatendo sobre o que de fato está acontecendo (e a ficção científica, sempre cercada em tons de mistério, é perfeita para isso).
A Netflix também se esforçou em franquear produtos Stranger Things para diversas marcas: há cadernos, roupas, bonés, bonecos e vários outros itens de consumo disponíveis para que os fãs comprem e montem coleções. Isso significa que a série acaba se espalhando e se tornando presente na vida das pessoas para muito além do streaming. Torna-se quase como se fosse um clube que as pessoas se esforçam para participar.
O elenco infantil
(Fonte: Netflix)
Fazer uma série durante seis anos com crianças tem uma consequência óbvia: elas crescem. Millie Bobby Brown, a intérprete de Eleven, tinha 12 anos na primeira temporada, e hoje tem 18. Finn Wolfhard, o Mike, pulou de 14 para 20 anos.
Por mais que possa parecer um pesadelo para os roteiristas ter que lidar com mudanças drásticas nos personagens, na verdade, é uma oportunidade e tanto: os fãs têm ainda mais chance de se apegar aos atores e acompanhá-los como verdadeiros amigos. Eles crescem também, assim como seus ídolos.
E por isso talvez pudéssemos também situar Stranger Things como uma espécie de "romance de formação" (estilo literário em que acompanhamos o processo de amadurecimento de um personagem), só que em TV - mais uma camada então para explicar o estrondoso sucesso dessa premiada série.
Com tanta coisa a ver seu favor, talvez seria até estranho se Stranger Things não desse certo.