Estudo investiga motivo da alta de Alzheimer em pessoas com Síndrome de Down
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Um estudo inédito da Universidade de São Paulo (USP) trouxe novas respostas sobre um tema que há tempos intriga a ciência: por que pessoas com síndrome de Down têm maior risco de desenvolver Alzheimer de forma precoce. A pesquisa identificou níveis elevados de neuroinflamação já na juventude, o que pode explicar, em parte, a alta incidência da doença nessa população.
Os resultados, publicados na revista Alzheimer’s & Dementia com apoio da Fapesp, são considerados um marco por revelarem, pela primeira vez, os padrões inflamatórios do cérebro em pessoas com síndrome de Down, por meio de técnicas de medicina nuclear.
Cérebro em alerta desde cedo
A síndrome de Down é conhecida por associar-se a um processo de envelhecimento mais acelerado. Estima-se que até 90% das pessoas com a condição desenvolvam Alzheimer antes dos 70 anos. Em alguns casos, os sintomas podem surgir já aos 40.
“Já se sabia que o processo de envelhecimento nessa população ocorre de maneira mais acelerada, quando comparado com pessoas sem a síndrome, sendo que a doença de Alzheimer já se manifesta em pessoas na faixa dos 40 anos, por exemplo”, explica Daniele de Paula Faria, pesquisadora do Laboratório de Medicina Nuclear do Hospital das Clínicas da USP, em entrevista ao Estadão.
Há uma explicação genética para esse risco aumentado. O gene da proteína precursora amiloide (APP), responsável pela formação das placas beta-amiloide típicas do Alzheimer, está localizado no cromossomo 21 – justamente aquele que aparece triplicado na síndrome de Down. O que o novo estudo revela é que a neuroinflamação começa muito antes, ainda por volta dos 20 anos, e pode ter papel direto na origem da doença. Quanto mais neuroinflamação, mais deposição de placa beta-amiloide.
Como realizou-se o estudo
A equipe comparou o cérebro de 29 pessoas com síndrome de Down e 35 sem a condição, todas entre 20 e 50 anos. Foi utilizada uma técnica de imagem avançada chamada tomografia por emissão de pósitrons (PET). Observou-se, em tempo real, a formação das placas beta-amiloide e os processos inflamatórios do cérebro vivo.
Os resultados mostraram que a inflamação era mais intensa nas regiões frontal, temporal, occipital e límbica, áreas associadas à memória e às emoções. O dado mais surpreendente veio dos jovens de 20 a 34 anos. Eles já apresentavam sinais inflamatórios antes mesmo da formação das placas típicas do Alzheimer.
Quando a defesa se volta contra o próprio cérebro
A pesquisa também mostrou que esse processo inflamatório segue um padrão bifásico. No início, as células de defesa do cérebro (chamadas micróglias) tentam proteger o organismo. Com o tempo, porém, essa resposta se torna excessiva e passa a agravar os danos neuronais. É como se o cérebro tentasse se proteger, mas acabasse contribuindo para o problema.
Embora ainda não exista cura para o Alzheimer, os achados trazem esperança. “O nosso estudo reforça a hipótese de que a neuroinflamação precede as placas beta-amiloide para a população com síndrome de Down. Isso abre caminho para o desenvolvimento de terapias que possam retardar ou bloquear esse processo inflamatório e, com isso, postergar o início da doença de Alzheimer”, diz a cientista.
