No video game ou celular: o que faz nosso cérebro viciar em jogos online?
Bons Fluidos
É difícil encontrar alguém que não seja viciado em um joguinho de celular ou mesmo o temido video game, principalmente os mais novos. Jogos online e drogas podem ter em comum uma coisa: a liberação de dopamina no cérebro. Segundo a psicóloga Maria Rafart, é esse neurotransmissor que nos ajuda a manter um determinado comportamento que é útil. A liberação de dopamina pode reforçar a compulsão por jogos por meio da elevação dos níveis de excitação.
“Nosso cérebro é como uma fábrica: a linha de montagem, essencialmente formada por neurônios, ou seja, os operários, depende de combustível, que são as conexões elétricas, e de material, os neurotransmissores. Esta fábrica funciona de forma contínua, e quando algo acontece nessa linha de produção, é como se fossem aqueles filmes em que há uma pessoa encaixotando ovos que saem de uma esteira – basta um descuido e os ovos caem no chão, e derramam gemas e claras por todo lado”, disse Rafart.
A psicóloga acrescenta: “Um dos materiais mais caros do nosso cérebro é a dopamina. Por exemplo, se um dia você foi perseguido por um cachorro enquanto andava de bicicleta e conseguiu pedalar para bem longe e sair ileso, você se sente recompensado pelo esforço, fica aliviado e excitado ao mesmo tempo, e sabe que da próxima vez em que isso acontecer, pedalar para bem longe é a melhor solução”.
Jogos online e a sensação de recompensa
A psicóloga explicou que os comportamentos que trazem prazer costumam ser repetidos, porque o cérebro entende que funcionam. Rafart, então, dá outros exemplos:
“Comer doces libera dopamina em níveis parecidos com o da fuga do cachorro, e o que você faz? Come mais um, para se sentir recompensado, e depois mais um e mais um, pois o prazer deste comportamento termina, e você quer senti-lo outra vez”.
Quando você joga online e tem uma pequena vitória inicial, por exemplo, como o retorno do investimento, seu cérebro comemora com uma generosa dose de dopamina sendo distribuída. O que você faz, então? Tenta repetir este momento, porque afinal de contas, se ganhou e se sentiu vitorioso quando o investimento retornou, imagine como seria bom até sair lucrando”, continua.
Sucessivas perdas instigam o cérebro a dizer: “Vamos, estamos quase chegando lá, é só uma questão de estatística e o prazer da vitória chegará”, confirma a profissional.
Jogos não são inofensivos
De acordo com Rafart, a Psicologia Comportamental estuda o fenômeno dos jogos desde sempre: um mecanismo chamado reforço intermitente (ou seja, ganhos e perdas de forma aleatória), aumenta as chances de você ficar compulsivamente tentando ganhar, mesmo que tenha perdido muito – tecnicamente isto se chama aumento de taxa de resposta.
“Não se trata, portanto, de dizer claramente a si mesmo: ‘Não vou gastar o dinheiro da conta de água’, como dizem muitos influenciadores ao vender os joguinhos como inofensivos – vai mais além – pois pode se tornar uma dependência tão grande, que impeça você de dedicar a sua energia a outros setores da vida – e pode reduzir sua vida apenas ao jogo”, disse Rafart.
“Os jogos continuam a ser vendidos como se fossem inofensivos, embrulhados na forma de bichinhos e desenhos, e de apostas em esportes – como se fossem apenas um hobbie para desestressar, que pudesse ser largado a qualquer momento. Não se iluda: largar um vício em jogo online é tão ou mais penoso do que largar qualquer outro vício. Exige determinação, força e consistência. Para que facilitar, então?”, refletiu a psicóloga.