A Reforma Tributária pode impactar no seu bolso e deixar tudo mais caro?
Tecmundo
A Reforma Tributária é uma pauta aguardada há anos e promete grandes mudanças para o cenário econômico no Brasil. Visando simplificar o processo de tributação no país, a proposta pretende unificar os impostos em uma taxa única que seria cobrada efetivamente apenas ao cliente final.
Essa medida é desejável para a maioria dos setores da indústria, que sofrem com a incidência de impostos durante toda a cadeia de produção. No entanto, o setor do agronegócio vêm se movimentando contra a reforma, pois, com a taxa única, perderiam diversos benefícios e isenções, diminuindo sua margem de lucro.
Em comparação aos sistemas tributários de outros países, o brasileiro é considerado desnecessariamente complexo, pois suas alíquotas variam de acordo com o tipo de serviço ou produto, e se a regra aplicada é federal, estadual ou municipal.
Outra complicação está na interpretação das regras, como definir se um produto é um serviço ou mercadoria e assim saber a quem e qual tributo deverá ser pago. Além disso, os mais de cinco impostos cobrados ao longo da cadeia de produção nem sempre são abatidos, o que gera os chamados resíduos tributários.
A reforma tributária já é discutida desde 2019 no Brasil.
A reforma tributária propõe a simplificação do sistema tributário brasileiro, substituindo as taxas atuais por um único Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). Os tributos que seriam substituídos pelo IBS são:
Com isso, o governo pretende possibilitar um ambiente de negócios mais favorável e eficiente, incentivando a competitividade ao acabar com as cobranças diferenciadas para vários setores. A partir do novo modelo, para um segmento da indústria pagar menos, os outros precisarão concordar em pagar mais.
Em entrevista ao Tecmundo, Lucas Simões de Andrade, advogado da área tributária do escritório Jorge Advogados, alega que a reforma sozinha não consegue resolver a questão da complexidade do sistema tributário brasileiro nem da assimetria e subjetividade das decisões — sejam elas judiciais ou administrativas.
Para o advogado, a redução da quantidade de tributos inegavelmente reduziria a complexidade do sistema e poderia dar fim à guerra fiscal. No entanto, outras questões ligadas a não-cumulatividade e dedutibilidade, por exemplo, permaneceriam inalteradas.
Sem contar com a eventual criação de novos problemas, como: a elevação da carga tributária para determinados setores em detrimento de outros, a ameaça à arrecadação concentrada na União e à autonomia dos entes federados.
“Entretanto, não há como discordar do ‘indiscordável’”, diz Simões. “Que a Reforma Tributária é sim um ponto muito importante para atenuar, de forma bem significativa, esses pontos (...) e, consequentemente, tornar a nossa economia mais estável, atraente e com margem para consideráveis avanços”, afirma.
A reforma tributária foi dividida em quatro etapas, sendo a primeira e a segunda responsáveis pela unificação do PIS e do Cofins, e a simplificação do IPI. A terceira trata do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas, reduzindo a tributação sobre as empresas e instituindo a cobrança sobre dividendos — desestimulando a “pejotização” do mercado .
Um dos pontos tratados pela reforma é combater a “pejotização” do mercado de trabalho, tendência de contratação por pessoas jurídicas.
Por fim, será realizado um debate sobre a desoneração da folha de salários das empresas e a criação da nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Para suprir a perda de arrecadação com a folha, o governo estuda criar um novo imposto sobre transações financeiras.
Atualmente, existem três propostas principais para a reforma tributária no Brasil: a PEC 45/2019, pela Câmara dos Deputados; a PEC 110/2019, pelo Senado Federal; e a PL 3887/2020, pelo Governo Federal. Segundo o advogado, o Congresso criou uma comissão mista para avaliar as propostas da câmara e do senado de maneira conjunta, buscando unificá-las.
Ao ser questionado sobre, Simões cita que todas as propostas possuem suas particularidades, prós e contras, mas que a do Senado parece a mais completa. Ele explica que, além de prever a extinção de diversos tributos que atualmente geram “enormes litígios tributários”, a PEC 110/2019 traz outros pontos relevantes para o debate e prevê a criação de um órgão nacional para gerir e fiscalizar o novo imposto: o Super Fisco.
“Entretanto, essas propostas não serão avaliadas somente pela parte técnica, pois também estarão em jogo as questões econômicas e, principalmente, políticas (em especial por parte dos setores e entes que entendem que serão prejudicados)”, ressalta o especialista.
Ao unificar os tributos, a reforma acabaria com os incentivos que alguns setores recebem, como é o caso dos livros e da cesta-básica, por exemplo. Alguns defensores da reforma afirmam que ela será benéfica para todos os setores, mas o agronegócio e a indústria de alimentos têm pressionado por benefícios.
Conforme explica Lucas Simões, é importante destacar que a reforma tributária não busca a redução (e nem o aumento) da carga tributária, mas apenas a simplificação do sistema — o que diminuiria os custos dos empresários, mas não necessariamente o preço dos produtos/serviços.
“O que se pode esperar é um avanço na economia, gerando mais empregos, aumento de salário, e, eventualmente, uma redução no preço do produto/serviço (ou seja, no bolso do consumidor) mas de uma forma indireta, e não especificamente por uma redução de tributo”, afirma Simões.
No caso dos alimentos, a PEC 45 prevê o fim dos benefícios fiscais, o que aumentaria a carga tributária dos produtos e, consequentemente, afetaria o bolso do consumidor — considerando que as empresas podem cogitar o repasse de custos para o preço final dos produtos.
O setor do agronegócio e a indústria de alimentos afirmam que os valores da cesta-básica aumentarão, caso percam seus benefícios.
No entanto, algumas ‘soluções’ estão sendo discutidas no congresso, incluindo a isenção para o setor ou a utilização do mecanismo de cashback para pessoas de baixa renda. O especialista ressalta, porém, que ao criar mecanismos que reduzem a carga para determinados setores, outros serão onerados — desvirtuando o objetivo da reforma.
“Por essas e outras questões que a reforma deve ser analisada de forma cautelosa, mas também célere, para que o Brasil possa, o quanto antes, resolver de forma eficiente esse gravíssimo problema que é a complexidade do nosso sistema tributário”, conclui.