Há 49 anos, o massacre de Munique chocava o mundo
Aventuras Na História
Ninguém se lembra do cachorrinho bassê chamado Wald. Em 5 de setembro de 1972, o rosto encapuzado de um terrorista tomou seu lugar como símbolo da Olimpíada de Munique.
Perto das 4h30 da manhã, oito homens mascarados invadiram o alojamento da equipe israelense. Deram de cara com o treinador Moshe Weinberg, de 33 anos, e o mataram a tiros. Em seguida, o levantador de peso Yosef Romano também foi assassinado. No segundo piso do prédio de dois andares, os terroristas fizeram nove reféns, todos membros da delegação de Israel, e anunciaram pertencer ao Setembro Negro.
Queriam a libertação de 234 palestinos presos. Quase desconhecido até então, o grupo já havia organizado dois ataques.
Em novembro de 1971, matou a tiros o ex-primeiro-ministro da Jordânia, Wasfi Tell, na entrada do hotel Sheraton, no Cairo. Dias depois, um homem no centro de Londres abriu fogo contra o carro do ex-embaixador da Jordânia Zaid el Rifai, que sobreviveu.
A escolha de alvos jordanianos era uma vingança pelos 4 mil palestinos mortos em 1970 em Amã, capital da Jordânia, durante uma tentativa de expulsá-los do país. O fato ocorreu em 17 de setembro (daí o nome da organização).
Para William Daddio, da Universidade de Georgetown, o Setembro Negro é fruto de uma época de recrudescimento dos atritos entre Israel e os países árabes, após a Guerra dos Seis Dias. “Em 1967, o Exército israelense ocupou a Faixa de Gaza na Jordânia e partes da Síria e do Egito, onde viviam 1 milhão de palestinos. Uma massa descontente que se juntou aos 700 mil exilados desde a criação do Estado de Israel, em 1948.” Quase ninguém entre as 900 milhões de pessoas que acompanharam pela TV as imagens do sequestro em Munique sabia disso.
A causa palestina, pela primeira vez, chegava aos ouvidos do mundo, e de forma avassaladora. Depois de 18 horas de impasse, a polícia alemã organizou uma tentativa de resgate num aeroporto militar próximo de Munique.
Já era noite quando dois helicópteros levantaram voo da Vila Olímpica, levando a bordo os nove reféns e oito terroristas. No aeroporto, onde estava o Boeing 727 exigido para a fuga, atiradores foram posicionados e policiais disfarçados ficaram dentro do avião para capturar os terroristas que fariam a inspeção da aeronave.
Porém, os policiais pressentiram que seriam vítimas de uma ação suicida e abandonaram seu posto. Quando os “inspetores” do Setembro Negro chegaram ao 727, os alemães abriram fogo. Os terroristas detonaram uma granada no helicóptero onde quatro atletas israelenses estavam amarrados. Os outros reféns foram mortos a tiros. Um policial e cinco terroristas também morreram.
Três palestinos foram presos. Em 29 de outubro, após um sequestro de um avião da Lufthansa, eles foram libertados. Em poucas horas, chegaram a Trípoli, na Líbia, onde foram recebidos como heróis.
A vingança
Corta para uma madrugada em Beirute. Numa rua escura e silenciosa, um estranho casal caminha lentamente em direção aos dois pequenos edifícios, um de frente para o outro, no fim da rua Verdun, na região central da capital libanesa.
No caminho cruzam com dois policiais que fazem a ronda, mas passam despercebidos. Abraçados na altura da cintura, eles carregam um arsenal por baixo das roupas. Quem está vestido de mulher é na verdade um homem: Ehud Barak, ex-comandante do Sayeret Matkal, também chamado de “A Unidade” — grupo de elite do Exército israelense.
Naquele 10 de abril de 1973, o homem que 25 anos depois assumiria o posto de primeiro-ministro de Israel usava maquiagem e uma peruca de cabelos negros na altura dos ombros. Vestia uma calça estampada (a saia que lhe haviam comprado para o disfarce ficou muito justa) e finalizou a fantasia com uma ideia perfeita para seus propósitos: colocou duas granadas de mão em um sutiã para criar seios falsos.
Abraçado a Barak, estava o agente Muki Betser, que ocultava sob o casaco uma metralhadora Uzi e uma pistola Beretta. Na entrada única para os prédios, o casal encontrou três outros oficiais israelenses, também disfarçados, que já os esperavam.
No edifício em frente, uma segunda equipe aguardava o sinal. As ações do grupo tinham de ser perfeitamente sincronizadas para surpreender os alvos da operação: Abu Youssef, o terceiro homem mais poderoso do Fatah, braço militar da Organização para Libertação da Palestina (OLP), Kamel Adwan, ex-chefe de operações da OLP, e Kamal Nasser, porta-voz da entidade.
Eles já estavam condenados havia quatro meses, quando o governo israelense da ex-primeira-ministra Golda Meir declarou uma guerra silenciosa contra os membros da OLP, acusada de patrocinar as atividades terroristas do grupo conhecido como Setembro Negro (uma espécie de Al Qaeda dos anos 1970), que, em setembro de 1972, invadiu os alojamentos da equipe de Israel, durante a Olimpíada de Munique, matando 11 atletas.
Os árabes foram localizados no Líbano e passaram a ser vigiados por uma equipe de israelenses disfarçados de turistas. A vigília durou semanas, enquanto um outro grupo se preparava num campo ao norte de Tel Aviv.
Na noite da ação, 12 homens fortemente armados deixaram Israel em botes infláveis e desembarcaram em uma praia em Beirute, onde entraram em três carros alugados e percorreram cerca de 22 quilômetros até o centro. A chamada operação “Ira de Deus” estava em curso, mas, naquela noite, nenhum dos três sabia disso.
De posse das plantas dos apartamentos, Ehud Barak e os companheiros sabiam exatamente onde os três árabes estavam. Uma das equipes, liderada por Betser, invadiu o prédio onde dormia Youssef. Arrombando uma porta de vidro, os cinco homens tiveram acesso as escadas e, rapidamente, subiram até o sexto andar. O ex-agente Zvika Livneh colocou um explosivo junto ao batente da porta e Betser disse a Barak que estavam em posição.
Pelo rádio, Barak recebeu a confirmação do outro grupo, posicionado no prédio da frente. A resposta de Barak veio por meio de um código que cada um ali conhecia muito bem: cinco cliques ritmados no microfone do rádio. Um, dois, três... Ao mesmo tempo, Betser sinalizou a seus homens com os dedos da mão direita: quatro, cinco. Quando sua mão se abriu por completo ouviu-se a explosão.
O grupo entrou correndo, enquanto o líder seguia um roteiro muito bem ensaiado: da sala, virou à esquerda no corredor e foi em direção ao escritório. Youssef surgiu na entrada da suíte principal e ainda tentou trancar a porta atrás de si. Betser disparou uma rajada que atravessou a porta e, com um chute, derrubou-a.
O corpo do membro da OLP estava caído no chão, coberto de sangue. Nos outros quartos e na sala, os tiros continuaram por alguns segundos. No fim, além de Youssef, morreram sua esposa e três homens que lhe serviam de seguranças.
Do outro lado da rua, mais tiros. Nasser tentou se esconder sob uma escrivaninha assim que ouviu a entrada dos homens encapuzados. Ainda conseguiu sacar sua arma e disparar, ferindo um deles antes de cair atingido por dezenas de tiros. Um andar abaixo, Adwan já havia encontrado o mesmo fim: fora fuzilado, antes de conseguir sair da cama.
Os tiros que mataram Adwan acordaram sua vizinha, uma aposentada italiana de 70 anos de idade. Assustada, ela foi até o corredor para ver o que estava acontecendo. Ao abrir a porta, a aposentada recebeu uma rajada de metralhadora no peito e morreu. Seria a última vítima dos soldados israelenses naquela noite. Mas a sede de vingança estava longe de ser saciada.
Vingança
Adwan, Nasser e Youssef nunca estiveram na Alemanha. Mas a morte dos três foi considerada pelo governo de Israel um sucesso absoluto na luta contra o terrorismo: “Uma grande contribuição para vingar os atletas israelenses que morreram em Munique”, afirmou a ex-primeira-ministra, em discurso no parlamento de seu país. Declaração forte, com certeza. Polêmica, sem dúvida. Mas nada surpreendente.
No mesmo dia em que o mundo soube da morte dos atletas israelenses em Munique, Golda Meir já dera o tom do que seria a política de Israel para tratar com os responsáveis pelo atentado: “Nós vamos puni-los, onde quer que estejam”, disse ela às redes de TV. A frase ecoaria como uma ameaça pelo mundo todo, mas dentro dos órgãos secretos de seu governo era a chancela para a formação do Comitê X, composto por Aharon Yariv, na época recém-nomeado conselheiro para contraterrorismo, e Zvi Zamir, ex-chefe maior do Mossad, a polícia secreta israelense.
Eles seriam os responsáveis diretos pela operação Ira de Deus, que não mediria esforços para encontrar e executar qualquer pessoa relacionada ao ataque do Setembro Negro. Na época, Yariv declarou: “Não temos outra alternativa. Nós temos de fazê-los parar, onde quer que estejam, aonde quer que tenhamos de ir”. E sentenciou: “Voltamos para a velha lei bíblica do olho por olho”. Ou seja, não bastava capturar os palestinos. Eles teriam de ser mortos.
Nenhum estado democrático jamais colocou em prática um plano tão complexo para assassinar seus inimigos secretamente, sem o consentimento de outras nações soberanas. Uma lista com cerca de 35 nomes foi elaborada, incluindo de jovens ativistas a pessoas intimamente ligadas a Yasser Arafat, o ex-líder máximo da OLP.
A organização, criada em 1964, funcionava como um governo para os cerca de 700 mil palestinos que moravam no exílio, a maioria em assentamentos na Síria, Líbano e Jordânia, após a criação do Estado de Israel, em 1948. O Mossad acreditava que o próprio Arafat estava por trás da ação na Olimpíada e que um de seus principais assessores e possível sucessor, Ali Hassam Salameh, era um dos cabeças do Setembro Negro.
No livro Memórias de um Terrorista Palestino, Abu Daoud, um dos fundadores e líder do Setembro Negro e mentor assumido do plano de Munique, afirma que Arafat deu aval para o ataque à Vila Olímpica. Se o nome de Arafat, que morreu em 2004, estava na lista ainda é um assunto polêmico. Mas o certo é que Salameh e Daoud a encabeçavam.
Contra o terror
No entanto, o primeiro a sentir o peso da vingança israelita foi o primo de Arafat Wael Zwaiter. Em 16 de outubro de 1972, ele levou 12 tiros na entrada do edifício onde morava, em Roma. Meses depois, foi a vez de Mahmoud Hamshari, líder do Setembro Negro na França. Na manhã de 8 de dezembro, Hamshari saiu de casa para ir a um café perto dali, encontrar-se com um jornalista italiano que lhe pedira uma entrevista.
O repórter na verdade era um agente do Mossad e, enquanto distraía o palestino com perguntas sobre a política no Oriente Médio, dois outros agentes entraram na casa dele e plantaram uma bomba embaixo da mesa do telefone. Naquela noite, o “jornalista italiano” ligou e perguntou: “É o senhor Hamshari?” Alguns segundos separaram a resposta afirmativa da explosão. Seriamente ferido, o palestino foi levado para o hospital, onde morreu alguns dias depois.
Mais duas mortes se seguiram até o Setembro Negro responder com um frustrado ataque à embaixada israelense em Bangcoc, na Tailândia, em 28 de dezembro. Menos de um mês depois, o grupo terrorista arquitetou um plano mais ambicioso: matar Golda Meir.
Pouco foi revelado sobre o plano, além de que o atentado seria na Itália, onde a ex-primeira-ministra iria se encontrar com o papa, e que os espiões do Mossad conseguiram intervir a tempo de salvar Meir. Diante da ameaça de retaliação, o governo de Israel resolveu que era hora de liquidar Salameh.
Ali Hassam Salameh foi o cérebro do massacre de Munique e figurava no topo da lista dos procurados pelas forças israelenses. E ele sabia disso. Tanto que elaborou uma intrincada rede de contra-informações para confundir seus perseguidores, plantando pistas falsas e divulgando dados desencontrados sobre seu paradeiro.
Em 1973, porém, agentes do Mossad tinham certeza de que ele estava morando em algum lugar na Escandinávia. Mike Harari, um dos antigos chefes do serviço secreto, escalou 15 novos agentes para encontrar e executar Salameh — entre eles estava o brasileiro Zwi Steinberg, então com 36 anos. Harari, dois agentes e um intérprete desembarcaram em 11 de julho em Estocolmo, na Suécia, e alugaram um apartamento que serviria de quartel-general.
Eles seguiam o rastro de um homem chamado Kemal Benamane, que, segundo seus espiões, levava e trazia as mensagens de Salameh. Três dias depois, o “carteiro” partiu para Oslo, na Noruega. Nos dias que se seguiram, todos os agentes do Mossad na região desembarcaram na capital norueguesa em voos diferentes, encobertos por nomes e identidades falsos.
Nesse meio tempo, Benamane sumiu de Oslo e reapareceu em Lillehammer, um pequeno vilarejo de 20 mil habitantes a mais de 150 quilômetros da capital. Disfarçados de turistas, dois agentes do Mossad o reconheceram na sala de TV do pequeno hotel Skotte, assistindo a um filme sueco chamado Pescaria nas Montanhas do Leste.
No dia seguinte, viram quando Benamane encontrou outro árabe num bar no centro da cidade: só podia ser Ali Hassam Salameh. A oficial Marianne Gladnikoff entrou no bar para vê-lo mais de perto e compara-lo com uma foto que carregava na carteira.
Benamane deixou Lillehammer no trem para Oslo às 2h08 daquela tarde. Mas, quando partiu, os agentes do Mossad não mais o seguiam. O alvo agora era outro. Na tarde do dia 21 de julho de 1973, uma equipe saltou de um Mazda escuro e abordou um homem enquanto ele voltava do cinema para casa, caminhando ao lado de uma jovem mulher.
Os agentes atiraram sem parar — ao todo, 14 tiros atingiram o homem com que Benamane conversara na véspera. O grupo voltou para o carro e saiu em disparada, achando ter cumprido sua missão. Mas o homem que se contorcia em meio a uma poça de sangue não era Salameh. Tampouco era terrorista. Era Ahmed Bouchiki, um garçom marroquino. E a jovem ao seu lado era sua esposa, que estava grávida.
Enquanto os israelenses tentavam deixar a Noruega, a polícia local estava na captura dos assassinos de Bouchiki. Marianne Gladnikoff e o antigo intérprete Dan Aerbel foram presos quando tentavam devolver o carro alugado. Com Aerbel, a polícia achou um bilhete com o número do telefone de um homem chamado Zigal — na verdade, Yigal Eyal, ex-chefe de segurança da embaixada israelense.
Lá, a polícia prendeu o brasileiro Steinberg e outros três agentes. Julgados e condenados, cinco deles foram presos. Steinberg pegou um ano. Marianne, dois e meio, e Aerbel, cinco. Sylvia Rafael e Abraham Gehmer, cinco anos e meio. Michael Dorf foi absolvido. O episódio repercutiu mal mesmo entre os aliados de Israel e, diante da pressão internacional, Golda Meir suspendeu a Ira de Deus. A caçada, oficialmente, terminara.
Mas o fim da operação foi apenas um ato político. A vigília e a busca por Salameh, seja com que nome fosse, jamais seria esquecida. Cinco anos depois, eles finalmente o pegaram. Localizado em dezembro de 1977, Salameh vivia em Beirute.
Após estudar a rotina do palestino, uma equipe de espiões-mergulhadores plantou explosivos num Volkswagen velho, estacionado no caminho que Salameh fazia para o trabalho. Em 22 de janeiro de 1978, o Mossad detonou os explosivos quando o carro de Salameh passava. Um estilhaço se alojou no seu crânio e ele morreu na mesa de operação. Outras oito pessoas, seguranças de Salameh, também morreram.
Quando Salameh se foi, Abu Daoud soube que chegara sua vez. Outro dos líderes do Fatah, ele foi um dos primeiros a ser diretamente ligado ao atentado de Munique. Já nas primeiras horas do sequestro, a polícia alemã revelara seu envolvimento. Réu confesso, Daoud narrou sua história no livro Memórias de um Terrorista Palestino.
Depois de quase uma década fugindo dos israelenses, Abu Daoud foi localizado por uma equipe do Mossad na Polônia. Numa tarde de agosto de 1981, ele estava num bar em Varsóvia quando um jovem de cerca de 20 anos chegou perto, sacou uma pistola e disparou cinco vezes. Ainda consciente, foi levado para o hospital, onde retiraram uma bala de sua nuca e duas do intestino. Surpreendentemente, ele sobreviveu. No dia seguinte, foi resgatado do hospital e ficou meses se recuperando. Seu falecimento se deu em julho de 2010.
Mortos-vivos
Ironicamente, as ações da operação Ira de Deus que permanecem mais nebulosas são as perseguições aos três terroristas sobreviventes detidos na Alemanha. Quando chegaram à Líbia, trocados por reféns de um voo da Lufthansa, dois meses depois do tiroteio em Munique, eles foram recebidos como heróis. Deram entrevistas e reafirmaram sua fé nos atos violentos que haviam acabado de cometer.
Essas imagens caíram como uma bomba em Israel. Até aquele momento ninguém sabia quem eram os responsáveis diretos pelo atentado. Mas, pouco depois de aparecerem na TV libanesa, as forças de Israel já os identificaram como sendo Mohammed Safady e Adnan e Jamil Al-Gashey.
Até hoje, as versões para o destino dos três permanecem um mistério. Segundo o inglês Simon Reeve, autor do livro One Day in September (Um dia em setembro), Adnan Al-Gashey teria vivido quase sete anos escondido com a família no Líbano, permanecendo em relativa segurança protegido por seguranças e mudando-se constantemente de cidade.
Segundo Reeve, Adnan emigrou para o Kuwait, no fim de 1976, em busca de trabalho. Lá entrou em contato com uma prima, funcionária pública. A mulher estava sendo vigiada pelos israelenses. A partir daí foi fácil encontrá-lo. Matá-lo, também.
Acredita-se que o segundo sobrevivente, Mohammed Safady, tenha sido descoberto no Líbano, por causa dos contatos que fazia com a família. Ele teria sido morto no fim dos anos 70. O terceiro, Jamil Al-Gashey escondeu-se durante muito tempo na África. Em 2000, ele apareceu no documentário One Day in September.
"Tenho orgulho do que fiz"
O cineasta Kevin Macdonald (diretor de One Day in September) encontrou Jamil Al-Gashey, o único terrorista que participou do ataque em Munique que ainda está vivo, em 1998. Até hoje ele não sabe sequer em que país foi feita a gravação.
"Passei seis horas vendado e fui levado assim ao estúdio", diz Macdonald. "Não podia fazer perguntas, dar ou receber telefonemas. Tudo foi preparado pelos contatos de Al-Gashey. Algumas vezes ele ficava bravo e paranoico. Gritava, saía da sala e depois voltava", diz.
Mas o destino dos três terroristas não é um consenso. Em 2005, um livro lançado nos Estados Unidos fez revelações bombásticas. Em Striking Back: the 1972 Munich Olympics Massacres and Israel’s Deadly Response (Revanche: o massacre da Olimpíada de Munique de 1972 e a resposta mortal de Israel), o jornalista Aaron Klein, afirmou que, dos três terroristas sobreviventes de Munique, Adnan Al-Gashey é o único que está morto. Ele teria sofrido um ataque cardíaco nos anos 70.
Segundo o livro, Tawfiq Tirawi, um veterano membro da OLP, confirmou que Mohammed Safady está vivo. “Tão vivo quanto eu e você”, teria dito a Klein.
Mas essa é a menor das polêmicas que cercam a caçada ao Setembro Negro. “A legitimidade da reação de Israel ao massacre de Munique levanta uma questão com mais de uma resposta: até que ponto uma nação pode invadir, perseguir e matar terroristas em outro país soberano”, diz Dermot Keogh, autor de World After 9/11, (O Mundo depois de 11/9).
Para ele, o assunto ganhou fôlego após os ataques a Nova York e Washington, nos Estados Unidos, e as investidas dos americanos no Afeganistão e no Iraque. “Se esses grupos terroristas atuam internacionalmente e, é claro, não respeitam leis, fronteiras ou tratados, um governo pode fazer o mesmo para impedir o terror de agir?”, pergunta Keogh.
“A única justificativa moral para a retaliação é a de que essa é uma forma de evitar outros ataques”, diz William Daddio, professor de Sociologia do Terrorismo da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.
Mas, mesmo nesse caso, o passado parece nos mostrar que a vingança pode não ser o melhor caminho. “No caso da operação Ira de Deus, o plano do Mossad só inflamou ainda mais os palestinos. O tempo provou que eles não conseguiram evitar novas ações terroristas”, afirma Daddio.
Aharon Yariv, o conselheiro para contraterrorismo de Golda Meir na época do ataque, afirmou, em entrevista à rede de televisão britânica BBC, que “a ação do Mossad não pode ser vista por um ponto de vista moral. Por pior que isso possa soar, é uma questão de custo-benefício. Qual o benefício de matar os membros do Setembro Negro? Isso vai nos trazer a paz? Isso vai nos trazer um entendimento com os palestinos? Acredito que não. Mas, no caso de Munique, nós não tínhamos outra escolha. O plano funcionou. Isso é moralmente aceitável? Essa questão é discutível. Isso é politicamente vital? Para nós, foi”.