Opinião: Caso Britney Spears mostra que mulheres ainda são ignoradas ao pedir socorro
Aventuras Na História
Nos últimos meses, o movimento #FreeBritney vem ganhando força nas redes sociais. A campanha criada pelos fãs da cantora Britney Spears surgiu a partir de preocupações com o bem-estar dela. Segundo os ativistas, a tutela liderada pelo pai da artista, Jamie Spears, é duvidosa.
Em fevereiro deste ano, o documentário “Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela”, disponível no Brasil através do streaming Globoplay, evidenciou a tormenta vivida pela atriz nas últimas décadas — ou melhor dizendo, evidenciou que as vozes femininas ainda hoje são silenciadas e desprezadas pela sociedade. A própria artista durante seu recente relato desabafou o quanto se sente ignorada.
Para minha sanidade, preciso que o juiz me aprove para dar uma entrevista na qual posso ser ouvida sobre o que eles fizeram comigo. E, na verdade, tenho o direito de usar minha voz e assumir minha responsabilidade. Meu advogado diz que não posso. Não é bom. Eu não posso deixar o público saber de nada que eles fizeram para mim e, por não dizer nada, é como se dissesse que está tudo bem, disse a cantora.
A princesa do pop, por sua vez, nesta última semana prestou depoimento sobre o polêmico caso da tutela liderada pelo seu pai. A estrela confessou que não possui autonomia para fazer coisas simples, como dirigir. Além disso, revelou que foi forçada a manter um DIU para não engravidar e até mesmo foi internada numa clínica de reabilitação contra sua vontade em 2019.
Eu vou ser honesta com você. Faz muito tempo que não volto ao tribunal, porque não acho que fui ouvida em qualquer nível quando fui pela última vez. Eu trouxe quatro folhas de papel em minhas mãos e escrevi extensamente o que havia passado nos últimos quatro meses antes de ir para lá. As pessoas que fizeram isso comigo não deveriam ser capazes de se safar tão facilmente.
A produção e os recentes depoimentos de Britney mostram o apagamento e silenciamento de milhares de mulheres ao redor do mundo. Um fenômeno que não pode ser visto de forma isolado, uma vez que é recorrente ao longo da história, sendo perpetuado pela cultura patriarcal imposta pela sociedade.
Eu honestamente gostaria de processar minha família para ser honesta com você, disse a artista.
A misoginia intrínseca
Desde muito jovem Britney Spears já aparecia em programas de TV. Todavia, foi somente mais tarde que a artista chegou ao estrelato, com a música Baby One More Time — em uma época majoritariamente dominada pelas famosas boy bands.
A partir disso, a estrela pop passou a ter todos seus passos acompanhados pela imprensa. Perguntas sobre os seios da adolescente ou sobre a sua virgindade se tornaram comuns nos programas de TV, conforme mostrou o documentário “Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela”.
Mas a grande questão é: por que tais perguntas íntimas eram feitas para ela? Desde quando o corpo de uma mulher ou a sua vida sexual são mais importantes do que a sua profissão? Simples: a resposta está na misoginia e hipersexualização dos corpos fenotipicamente femininos.
Em uma sociedade onde é normalizado o prazer masculino, as mulheres são vistas como objetos sexuais. Britney, como tantas outras, foi mais uma vítima dessa estrutura patriarcal. Seu corpo nunca foi seu. Para a sociedade, sempre pertenceu aos paparazzi, aos namorados, haters e à família.
Não é justo que eles estejam contando mentiras sobre mim abertamente. Até mesmo minha família, eles dão entrevistas para os veículos que eles bem entendem. Minha própria família dando entrevistas, falando sobre a situação e me fazendo sentir tão estúpida. E eu não posso dizer nada. E minha própria família diz que não posso dizer nada, disse Britney.
Refém desse sistema, a cantora viveu verdadeiros dias turbulentos. Teve sua vida exposta para o mundo inteiro, quando terminou com Justin Timberlake, quando casou-se com Kevin Federline, quando foi mãe, conforme é possível observar no documentário.
Dia e noite era perseguida por paparazzi sem escrúpulos. Sua intimidade constantemente era exposta. Exibida como num circo. Seu sofrimento não era mais seu, pertencia a sociedade, que sugou todos os limites que uma pessoa pode ter.
Um grito de socorro
Após o término com Kevin Federline — com quem teve dois filhos — a artista se viu mais uma vez refém de seus ‘sugadores’ de alma. Para a mídia não existia um ser humano por trás das lentes, mas sim uma fonte de dinheiro, que renderia capas e fotos exclusivas.
Em fevereiro de 2007, a estrela surpreendeu a todos ao raspar a cabeça. Pouco tempo depois, o 'colapso’ de Britney atingiu outros níveis, quando durante um momento de fúria, atacou um grupo de paparazzi com um guarda-chuva.
Para muitos era a prova de que a cantora havia ‘surtado’. Mas se observarmos bem, era um pedido de socorro.
O episódio levou a internação da cantora. Tempos depois, a fez perder a guarda dos filhos e ser considerada incapaz de cuidar de si mesma. Incapaz? Como cuidar de si mesma, quando se é refém do patriarcado? Como culpar uma mulher que apenas reagiu às perseguições e opressões? Simples, não dá para culpar!
A partir dessas sucessões de fatos, a estrela foi submetida a uma tutela, que hoje em dia é supervisionada pelo seu pai, Jamie Spears.
Após as clínicas de reabilitação e os inúmeros tratamentos, Spears voltou a brilhar nos palcos, mas sua liberdade pessoal foi arrancada. Incapaz para administrar seus próprios bens, mas apta para fazer shows? Aparentemente é isso que a 'justiça' pensa.
Grito silenciado… mas não mais…
O movimento #FreeBritney surgiu a partir de fãs da cantora, que notaram mensagens subliminares dela, conforme explicou o documentário “Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela”.
Logo a campanha ganhou força na internet e recebeu o apoio de várias pessoas ao redor do mundo, inclusive de outros artistas como Miley Cyrus, Cher, Mariah Carey, Rose McGowan, Halsey, entre outros.
Na última semana, o caso ganhou novos rumos e Britney prestou um depoimento em que afirmou ter sido forçada a usar DIU para não engravidar e ter sido dopada com lítio.
Eu mereço ter uma vida. Eu trabalhei minha vida inteira. Eu mereço ter um intervalo de dois a três anos e apenas, você sabe, fazer o que eu quero fazer. Mas eu sinto que há uma muleta aqui. E me sinto aberta e posso falar com você hoje sobre isso. Mas eu gostaria de poder ficar com você no telefone para sempre, porque quando eu desligo o telefone com você, de repente, ouço todos esses nãos - não, não, não. E então, de repente, eu me sinto cercada, me sinto intimidada e me sinto deixada de fora e sozinha. E estou cansada de me sentir sozinha. Eu mereço ter os mesmos direitos que qualquer pessoa: tendo um filho, uma família, qualquer uma dessas coisas e muito mais. E isso é tudo que eu queria dizer a você. E muito obrigado por me deixar falar com você hoje, finalizou Spears.
O grito de Britney Spears, não é só dela, mas sim de todas nós mulheres. Não vamos mais tolerar ter nossos corpos, vidas e almas aprisionadas pelo sistema retrógrado e patriarcal criado há séculos.
**A análise não representa, necessariamente, a opinião do site Aventuras na História.