'Primeiro mataram meu pai': os relatos de uma soldado infantil do Khmer Vermelho
Aventuras Na História
Em proporção da própria população massacrada, nenhum genocídio chega perto ao do Khmer Vermelho no Camboja. Dos 8 milhões que respiravam quando o grupo de intelectuais formados na França assumiu o poder, em abril de 1975, entre 1 e 3,5 milhões não estariam mais ao serem depostos pelos comunistas do Vietnã, três anos depois.
Entre os mortos não estava a menina Loung Ung, filha de um funcionário graduado do governo anterior, que tinha 5 anos quando a revolução começou. Ser de classe média e educado era estar marcado para a morte – para o Khmer Vermelho, que queria um socialismo rural e primitivo, sem a corrupção da sociedade moderna, bastava algo como usar óculos para alguém ser executado como inimigo natural e sem cura do Estado.
Eles forçaram a população urbana mudar para os campos, e quem não foi morto a bala
morreu de fome, porque gente que nunca pegou numa enxada foi forçada a trabalhar
para alimentar o país. Ou também de exaustão, trabalhando 12 horas sem interrupção ao sol tropical. E ainda de doenças, porque a medicina era ocidental e burguesa.
Diferente de seu pai, os membros do Khmer Vermelho viram utilidade em Loung Ung e ela foi treinada como soldado infantil. Viu o fim do cataclismo e, com o que sobrou de sua família, conseguiu escapar para contar sua história.
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A cidade de Phnom Penh acorda cedo para aproveitar a brisa fresca da manhã, antes do sol dissipar e invadir o país com seu calor sufocante. Às seis da manhã, a população já está nas ruazinhas estreitas e empoeiradas da cidade, acotovelando-se com pressa. Garçons e garçonetes vestidos de branco e preto abrem as portas dos restaurantes e o aroma de sopa de macarrão dá as boas-vindas aos clientes. Vendedores ambulantes empurram seus carrinhos cheios de bolinhos ao vapor, espetinhos de carne defumada com teriyaki e amendoim torrado pelas calçadas, preparando-se para um novo dia de trabalho. Crianças descalças e com camisetas coloridas e shorts jogam bola nas calçadas, sem ligar para os resmungos e gritos dos vendedores ambulantes. As largas avenidas são uma sinfonia: o guinchar das bicicletas se mistura ao ruído das motos e, para aqueles que se podem dar ao luxo, de carros pequenos. Ao meio-dia, a temperatura ultrapassa os 38ºC, e as ruas se calam novamente. As pessoas correm para casa, a fim de escapar do calor; almoçam; tomam duchas frias e tiram um cochilo antes de voltar ao trabalho, às duas.