A baronesa que matou uma criança negra escravizada no Maranhão em 1876
Aventuras Na História
Casada com o médico e político liberal Carlos Fernando Ribeiro — que, em 1884, teve concedido por Dom Pedro II o título de Barão de Grajaú —, Anna Rosa Viana Ribeiro era uma típica senhora branca da alta sociedade escravagista do Maranhão.
Anna Rosa, além disso, também era conhecida por seus cruéis castigos aos negros escravizados. Em uma ocasião, para se ter ideia de sua brutalidade, ordenou que todos os dentes de uma mulher escravizada, Militina, fossem arrancados apenas por ela sorrir para seu marido.
Mas o ato mais desumano de sua parte se deu em 1876. A vítima era Inocêncio, um garoto negro escravizado de apenas 8 anos. A repercussão do episódio foi tamanha que o caso passou a ser conhecido como “O crime da Baronesa de Grajaú”.
Por baixo dos panos
No dia 14 de novembro de 1876, conforme aponta matéria da BBC, a rua de Mocambo, em São Luís, foi palco de uma estranha movimentação por volta das 6 horas da manhã. Pessoas passaram pela via segurando um pequeno caixão.
Importante ressaltar que, naquela época, sepultamentos não poderiam ser realizados no período matutino. Além disso, o horário era de considerada calmaria, visto que só os escravizados e trabalhadores circulavam pela rua. A escolha foi proposital para passar despercebida.
Porém, o fato gerou estranhamento. Foi então que Geminiana, jovem negra de 25 anos que há pouco havia comprado sua alforria, se aproximou do caixão — este trancado com um enorme cadeado.
Seguindo os carregadores até a capela de São José, que fica ao lado do cemitério do Gavião, onde o caixão seria enterrado, Geminiana fez um enorme protesto para que o ataúde fosse aberto.
Lá dentro, descobriu, jazia seu filho Inocêncio, de apenas oito anos. O menino tinha ferimentos por todo o corpo, além de cicatrizes e marcas de contusões. Posteriormente, um exame de corpo de delito apontou que a vítima sofrera com hemorragia cerebral, queimaduras, equimose, escoriações e feridas causadas por cordas e chicotes. Ele também tinha sinais de ruptura no reto e alguns machucados no ânus.
Três meses antes da crueldade, Inocêncio e seu irmão mais novo, Jacinto, foram comprados como “presente” para os filhos da baronesa, embora os jovens estivessem estudando na Europa. Os garotos passaram a viver no Solar das Rosas, onde Anna residia.
Jacinto também morreu no casarão, pouco depois, em 27 de outubro de 1876. Entretanto, seu falecimento nunca foi devidamente investigado. Anna Rosa dizia que ambos tinham “vício em comer terra”. Tal mania os teria feito adoecerem e morrerem.
As investigações
A BBC aponta que, por conta do histórico violento da baronesa, um inquérito foi aberto para analisar a morte de Inocêncio. Embora, naquela época, as pessoas escravizadas não tivessem direito contra seus proprietários, era considerado crime o assassinato deliberado de pessoas em situação de escravidão.
O “crime da Baronesa de Grajaú” rendeu mais de 800 páginas de inquérito. O processo foi comandado pelo promotor Celso Magalhães. Anna Rosa chegou a ser presa e enfrentou um julgamento por homicídio, mas, em fevereiro de 1877, um júri formado por pessoas brancas a absolveu. Magalhães até tentou recorrer da decisão. Foi em vão.
Após o marido da ré ser empossado presidente da Província do Maranhão, em 1878, o promotor acabou sendo demitido. O julgamento escandalizou a sociedade da época, mas foi esquecido pelo tempo.
O caso só voltou à tona em 1975, quando Josué Montello publicou o romance “Os tambores de São Luís’, onde reconstitui o caso da baronesa. Em um livro de memórias, o escritor revelou que achou os documentos originais do processo por acaso.
Durante uma visita à Brasília, acabou indo almoçar na casa do Senador maranhense José Sarney, a quem pediu ajuda para encontrar informações sobre o caso. O político, então, lhe entregou dois volumes de papéis velhos com os documentos do crime.
Sarney havia ficado com a posse dos arquivos quando, ainda em sua juventude, trabalhou no Tribunal de Justiça do Maranhão. A papelada seria jogada fora. Após escrever seu romance, Montello entregou os documentos ao Museu Histórico e Artístico do Maranhão.
Já no ano de 2009, recorda a BBC, O Ministério Público do Estado do Maranhão obteve a guarda dos autos do processo, que passaram pelas mãos das historiadoras Kelcilene Rose Silva e Surama de Almeida Freitas, responsáveis por sua transcrição integral. Assim surgiu a primeira edição do livro ‘Autos do processo-crime da Baronesa de Grajaú: 1876-1877’.
Uma década depois, os originais foram digitalizados e estão disponíveis ao público. No ano seguinte, 2020, a segunda edição do livro também foi disponibilizada de forma gratuita na internet.