A mulher que foi atacada com ácido ao entrar em uma ‘piscina para brancos’
Aventuras Na História
Era dia 18 de junho de 1964 quando Mimi Jonessaltou de um carro, pulou uma cerca viva e entrou na piscina de Monson Motor Lodge, exclusivo para pessoas brancas, acompanhada por cinco ativistas negros e dois colegas brancos que haviam se registrado no motel.
O caso ficou marcado na história como um dos atos de ativistas negros em um período conturbado dos Estados Unidos, contemporâneo às lutas do icônico Martin Luther King Jr.
Porém, não foi somente o ato que chamou atenção na época: em resposta, instantes depois dos ativistas mergulhares na piscina, o gerente James Brock surgiu com uma jarra de ácido muriático, um agente de limpeza, e o derramou na água. A foto pode ser vista no tweet abaixo!
Estou limpando a piscina!", gritava aos ativistas enquanto despejava o produto que, diluído pela água, irritou o rosto e os olhos de Jones, evento este registrado em fotos lamentáveis, mas inesquecíveis.
Mimi Jones e seus colegas nadadores foram levados para a prisão, com um grupo de mais de 40 outros manifestantes dos direitos civis, incluindo 16 rabinos, que tentaram jantar no restaurante do motel, de acordo com o The Washington Post.
E o ato deu apenas mais força para a aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964, promulgada exatamente no dia seguinte ao acontecimento. Confira a seguir quem foi Mimi Jones, e o que aconteceu com ela depois do caso!
"Uma bola de fogo"
Mamie Nell Ford, nome de registro de Mimi Jones, nasceu em Oakfield, uma comunidade rural da Geórgia, em 4 de maio de 1947. A 13ª de 14 filhos, ela ajudava os pais em uma fazenda familiar de 250 acres, onde colhia algodão, arrancava amendoim e ia à cidade aos sábados para vender ovos e manteiga.
Quando sua mãe conseguiu um emprego como empregada doméstica, se mudou com ela para Albany, onde conheceu o reverendo Samuel B. Wells, um líder do movimento pelos direitos civis na cidade. Foi ele quem apresentou à Mamie Ford o conceito de resistência não violenta e viajou com elas para St. Augustine.
Aos 17 anos, Mimi Jones foi uma das manifestantes mais jovens a colocar seu corpo em risco em St. Augustine, cidade do incidente com a piscina. Porém, ela já era uma veterana na luta pela igualdade racial: na Geórgia, havia se juntado ao Movimento de Albany dois anos antes para protestar contra a segregação e discriminação perto de sua cidade natal.
"Não me lembro quantas vezes ela foi presa", disse a irmã mais nova de Mimi, a também ativista Altomease Ford Latting, em entrevista ao The Washington Post.
Ela era uma bola de fogo. Acho que se não fosse pela condenação de Mamie por justiça social, não sei se estaria envolvido com direitos civis."
Na época, Mimiensinou residentes negros idosos e sem instrução a ler, para que eles pudessem se registrar para votar em uma época em que a Geórgia e outros estados do sul impunham testes de alfabetização para limitar o acesso às urnas.
Inclusive, certa vez, os tenebrosos membros da Ku Klux Klan (KKK) atacaram a casa onde ela e sua irmã se reuniam com outros ativistas, enquanto ela trabalhava no registro desses eleitores.
Engajamento
Uma oradora carismática, confiante além de sua idade, Mimi Jones viajou pelo país como porta-voz do movimento dos direitos civis, arrecadando dinheiro para a famosa Marcha de 1963 em Washington, onde, durante semanas, os manifestantes marcharam à noite para o Antigo Mercado de Escravos, em meio a contraprotestos da KKK.
Então, os organizadores da Marcha desenvolveram um plano para realizar um mergulho no Monson Motor Lodge, onde muitos dos jornalistas de fora da cidade ficaram e Martin Luther King Jr. foi preso por tentar jantar.
Porém, havia um pequeno problema nessa ideia: praticamente nenhum dos ativistas sabia nadar — afinal, muitas piscinas eram exclusivas para brancos, na época.
Então, Hosea Williams, um membro do círculo íntimo de King, informou que "conhecia algumas pessoas na Geórgia que sabiam nadar". E nesse grupo estava incluso Mimi Jones, que aprendera a nadar em um riacho que havia perto de sua casa. O resto da história já sabemos.
De repente, a água na frente do meu rosto começou a borbulhar, como uma erupção vulcânica", contou Mimi Jones posteriormente ao evento à Boston WGBH. "Eu mal conseguia respirar. Estava entrando no meu nariz e nos meus olhos."
Inclusive, uma curiosidade é que a irmã mais nova da ativista, na época com apenas 14 anos, também planejava entrar na piscina em uma "segunda onda", mas foi presa logo que começou a se mover em direção ao local.
Martin Luther King, que estava assistindo ao evento do outro lado da rua, chegou a descrever que alguns policiais agrediam ativistas com aguilhões e porretes.
Prisão e outros movimentos
Mimi Jonespassou cerca de uma semana na prisão, depois do incidente na piscina de motel. Após sua libertação, ela voltou para a Geórgia, onde se juntou a um grupo de seis garotas negras que desagregaram a Albany High, onde as salas de aula eram equipadas com bandeiras americanas e confederadas e os alunos negros eram maltratados rotineiramente, de acordo com sua irmã, que se matriculou ali no ano seguinte.
O que quer que Mamie tenha feito, ela não fez por si mesma, ela fez por uma causa", contou Latting.
"Ela sempre deixa claro, quaisquer que sejam seus dons — e Deus deu a ela muitos talentos e habilidades — que seus dons não devem ser guardados para você. Eles devem ser usados em benefício da comunidade. [...] Ela era uma lutadora pelos sem voz e marginalizados. Ela trabalhou desde o dia em que se tornou ativista até o dia em que morreu."
Além do mais, ela também estudou ciência política na Universidade de Massachusetts, em Boston. Após receber um diploma de bacharel, trabalhou para o departamento de educação do estado e, mais tarde, tornou-se escritora de bolsas para organizações como a Veterans Benefits Clearinghouse, uma agência de serviço social.
Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o caçador", é um provérbio que Mimi sempre citava, de acordo com o The Washington Post.
Por fim, no dia 26 de julho de 2020, Mimi Jonesmorreu, aos 73 anos, em sua casa na seção de Roxbury de Boston. Lá, passou os últimos anos de sua vida defendendo os esforços de alfabetização e trabalhando como escritora de bolsas para organizações sem fins lucrativos.