Acusações de bruxaria atingem milhares de crianças na Inglaterra

Aventuras Na História






Milhares de crianças na Inglaterra foram acusadas de bruxaria na última década, segundo novos dados divulgados junto ao lançamento do filme "Kindoki Witch Boy" nesta segunda-feira, 24.
O abuso motivado por crenças religiosas é um problema global, e especialistas identificaram 14 mil avaliações de serviço social relacionadas a essas acusações desde 2015, sendo 2.180 apenas no último ano.
As estatísticas, compiladas pelo Centro Nacional de Mutilação Genital Feminina (FGM), acompanham a estreia do longa que narra a história de Mardoche Yembi, de 33 anos, acusado de bruxaria na infância e submetido a um exorcismo no norte de Londres. Ele espera que o filme encoraje crianças que sofrem em silêncio a buscar ajuda.
Se um filme como 'Kindoki Witch Boy' existisse quando eu era criança, passando por essas experiências, eu teria me sentido menos sozinho. Quero transformar algo ruim em algo bom, ajudando outras crianças que estão vivendo a mesma situação. Espero que elas vejam que existe ajuda e que podem sobreviver”, afirmou ao The Guardian.
Abuso infantil
O lançamento também marca os 25 anos da morte de Victoria Climbié, menina de oito anos torturada e assassinada após acusações semelhantes. O termo kindoki é um dos vários usados para descrever o tipo de bruxaria da qual Yembi e Victoria foram acusados, ao lado de djin, juju e voodoo, repercute o The Guardian.
Victoria, morta em 25 de fevereiro de 2000, chegou ao Reino Unido levada pela tia-avó, Marie-Thérèse Kouao, sob a promessa de uma educação melhor. No entanto, foi submetida a abusos extremos por Kouao e seu parceiro, Carl John Manning, que a acusaram de estar possuída por espíritos malignos.
A menina sofreu um exorcismo, foi obrigada a dormir em um saco de lixo em um banheiro gelado e, no momento de sua morte, apresentava 128 ferimentos distintos no corpo queimado e desnutrido. Seu assassinato, um dos casos mais chocantes de abuso infantil no país, levou à reformulação dos serviços de proteção à infância. Kouao e Manning foram condenados em 2001.

Yembi e Victoria nasceram com poucas semanas de diferença e cresceram a poucos quilômetros um do outro no norte de Londres. Ele foi enviado ao Reino Unido aos oito anos, vindo da República Democrática do Congo, após a morte da mãe. Como muitas crianças acusadas de bruxaria, foi responsabilizado por problemas de saúde e financeiros da família.
Eles me levaram para a igreja para tentar afastar o 'espírito demoníaco' de mim — era assim que o chamavam. Comecei a fugir muito de casa porque havia muita gritaria e muita gente me culpando. O pastor entrava muito em casa, pregava e tentava afastar o demônio de mim”, relatou Yembi em entrevista à Sky News em 2021.
Os serviços sociais intervieram ao saber que seus parentes pretendiam enviá-lo de volta ao Congo para um exorcismo. Diferente de Victoria, ele não sofreu violência física, mas foi acolhido por uma mãe adotiva, que o apoiou por uma década. Sob seus cuidados, prosperou e, hoje, trabalha auxiliando jovens que deixam o sistema de acolhimento.
Embora nunca tenham se conhecido, Yembi afirma que Victoria esteve presente em seus pensamentos durante a produção. "Parte deste filme é para ela. Victoria não teve a chance de sobreviver. Quero manter seu nome vivo".


