Antonio Veciana: O espião treinado pela CIA para matar Fidel Castro
Aventuras Na História
Setembro de 1959. Antonio Veciana, um homem "magro e asmático", trabalhava em Cuba como contador. Certo dia, foi abordado por um homem que dizia se chamar Maurice Bishop.
O sujeito havia lhe entregue um cartão de visita de uma empresa de mineração belga, mas tudo começou a ficar mais estranho quando Bishop passou uma hora falando sobre cada aspecto da vida e sobre as crenças de Veciana. Maurice parecia saber cada detalhe dos "sentimentos de oposição ao governo revolucionário [de Cuba]" que Antonio nutria.
Cuba está passando por tempos desafiadores — tempos perigosos", disse Bishop. "É importante que pessoas inteligentes e determinadas estejam dispostas a ajudar a impedir que isso continue no caminho atual".
Como se pode perceber, Bishop não era um executivo de mineração, mas havia encontrado Veciana "em nome de uma agência de inteligência dos EUA". Ele chegou a questionar se Antonio estava disposto a "cooperar" com a inteligência norte-americana para lidar com Fidel Castro.
Atordoado pelo convite repentino, Veciana se mostrou reticente: "É muito cedo". Disse que precisava de tempo para pensar. "Eu lhe asseguro que não é muito cedo", pressionou Bishop. "Chegou a hora de agir. Sua hora".
Os detalhes do encontro foram revelados pelo próprio Veciana no livro 'Treinado Para Matar: Os Planos da Cia Para Eliminar Castro, Kennedy e Che' (Ed. Seoman), escrito em parceria com o jornalista Carlos Harrison.
Antonio Veciana, que faleceu aos 91 anos, em 18 de junho de 2020, se tornou um contrarrevolucionário, passando as próximas décadas tentando — primeiro sob a direção de Bishop, depois por conta própria — sabotar o governo cubano e matar Fidel Castro.
Treinado para matar
Conforme repercute matéria do New York Post, Antonio Veciana foi treinado para usar qualquer tipo de dispositivo, seja para enviar mensagens com tinta invisível ou até mesmo para manusear armas de fogo e explosivos, incluindo "C3, C4... bombas incendiárias do tamanho de maços de cigarro, [e] como armar e detonar uma bomba", descreve ele no livro.
Bishop também lhe deu uma pílula especial: "Se sua captura for inevitável, tome isso. É veneno. Mortal em segundos. Nós cuidaremos da sua família", garantiu o agente da CIA. Veciana passou a carregá-la para onde quer que fosse.
Os planos para desestabilizar o governo de Fidel Castro começaram de forma mais 'pacífica', através de sabotagem econômica. O primeiro deles, descreve Veciana, começou quando ele contatou um amigo advogado que trabalhava para o Ministério das Finanças.
Preciso que você crie [invente] uma lei que diga que o governo vai confiscar o dinheiro das pessoas. E que o dinheiro que está na rua vai ser trocado", ordenou.
Assim, seu amigo escreveu a lei a chegou a imprimi-la em papel timbrado do governo, faltando apenas uma assinatura e selo oficial. Antonio distribuiu o 'documento' falso como se fosse o rascunho de uma lei que estaria prestes a ser aprovada por Castro. O caos tomou a ilha.
Em outro momento, Veciana usou uma estratégia parecida: criou uma lei falsa apontando que Fidel suspenderia todos os direitos dos pais. Ou seja, que as crianças cubanas, agora, estariam sob o controle do governo.
"O impacto foi enorme", escreve. "Isso desencadeou a 'Operação Pedro Pan', o êxodo de mais de 14.000 crianças desacompanhadas enviadas para fora de Cuba por seus pais".
Antonio aponta que muitas dessas crianças tiveram uma vida bem-sucedida na América, mas reconhece que uma quantidade considerável delas nunca mais viu seus pais. "Não era minha intenção dividir famílias Sinto muito por aqueles que foram feridos".
Ataques
No início do ano de 1960, Veciana deixou a propaganda de lado "em favor de meios mais diretos", aponta, para isso, construiu "pequenas células de combatentes da resistência" para realizar "perturbações violentas".
Naquele período, coordenou uma série de ataques com bombas incendiárias usando explosivos do tamanho de maços de cigarro que ele mesmo fabricou e entregou para outros plantarem.
Um incêndio no aqueduto central de Havana "deixou a água parada na maior parte da capital por dois dias inteiros". Outro, desta vez em uma grande loja de departamentos, se espalhou mais rápido do que o pretendido. Deixando um segurança morto.
Em março de 1960, Bishop o procurou novamente: "Tenho essa teoria de que se Fidel morresse, a revolução acabaria". Em seu livro, Veciana descreve que, dias depois, recebeu uma mensagem em tinta invisível, do agente, informando que um ativo local tinha "o que eu precisava para dar a Cuba sua solução simples".
Desta forma, Antonio enviou sua família para a Espanha, na intenção de protegê-la, e começou a atuar na clandestinidade, vivendo em casas seguras.
No mês de setembro, Antonio Veciana alugou um apartamento a 120 metros do Palácio Presidencial com vista para seu terraço norte — onde Castro ocasionalmente discursava. Ele recrutou um grupo de assassinos e garantiu a todos um estoque de armas, que iam desde carabinas M1 calibre .30 até um morteiro de 60 mm.
A operação demorou um ano para ser preparada, se intensificando após a fracassada invasão da Baía dos Porcos em abril de 1961. Em outubro, Veciana descobriu que Castro faria um pronunciamento no terraço. Ele chegou a trazer uma bazuca para ser usada contra o líder cubano.
Na manhã da operação, ele partiu em um barco para Miami e apenas aguardava pelas notícias sobre o atentado contra Fidel — mas elas nunca chegaram.
Quase morte e JFK
Em 1967, Bishop lhe enviou uma mensagem apontando que seu disfarce havia sido descoberto. Aquela altura, Antonio havia começado a atuar como promotor esportivo em Porto Rico e organizava uma luta livre quando bombas explodiram o vestiário do estádio onde aconteceria o evento. Embora arremessado pela explosão, ele não se feriu.
Veciana chegou a organizar outras tentativas de assassinato contra Fidel, mas nenhuma foi bem-sucedida, principalmente pelo fato dos homens que ele contratou não terem coragem de finalizar as missões. Bishop ordenou que 'medrosos' fossem assassinados, mas Antonio recusou e rompeu a ligação deles por ali.
Seis anos depois, Veciana acabou preso por transportar uma grande quantidade de cocaína da Bolívia para os Estados Unidos, embora ele nunca tenha reconhecido o crime. Mesmo assim, acabou sentenciado a sete anos de prisão, mas foi solto ao cumprir 26 meses.
Em fevereiro de 1976, ele foi chamado para testemunhar perante ao House Select Committee on Assassinations, onde falou sobre sua ligação com Bishop e de sua suspeita de que a inteligência dos EUA pudesse estar envolvida no assassinato de John Fitzgerald Kennedy.
Afinal, cerca de 11 semana antes do assassinato do presidente, em 22 de novembro de 1963, Bishop teria pedido para os dois se encontrarem em Dallas. Chegando lá, o agente estava conversando com um homem tímido e quieto, que ele acabou identificando como Lee Harvey Oswald após a divulgação de que o homem havia atirado em JFK.
Veciana compartilhou a informação com o Comitê, que chegou a fazer um retrato falado de Bishop. O senador Richard Schweiker disse ao investigador Gaeton Fonzi que o esboço "o lembrava de David Atlee Phillips", um oficial da CIA, aponta Antonio em seu livro.
Fonzi combinou um encontro entre Phillips e Veciana, mas eles alegaram que não se conheciam. Mesmo assim, em seu inquérito, o investigador afirmou que Phillips era Bishop — algo só confirmado publicamente por Veciana em 2014, quando ele participou de uma conferência realizada pelo Assassination Archives and Research Center para o 50º aniversário do lançamento do Comissão Warren. Em 1979, poucos dias antes do Congresso emitir seu relatório final, Veciana foi baleado a vários quarteirões de sua casa, sofrendo ferimentos leves.
Última tentativa
Ainda naquele ano, meses depois, Castro foi confirmado para discursar na ONU e Veciana coordenou a última tentativa de ceifar sua vida, envolvendo um explosivo que seria jogado no meio da multidão.
O plano fracassou após ser descoberto pelo FBI. E Antonio passou a agradecer por isso. Afinal, sua filha, Ana Veciana-Suarez, era repórter do Miami News e estava presente em Nova York para cobrir o discurso de Castro.
"Havia uma chance de que, na minha cega obsessão de matar Fidel Castro, eu tivesse matado minha própria filha", ele escreveu. "Decidi então que não tentaria mais. Minha vida secreta tinha acabado".