As cadeias para indígenas que estiveram em atividade durante a ditadura
Aventuras Na História
Durante a ditadura militar, ao menos 400 indígenas de diversas etnias de todo o país foram mantidos presos em duas cadeias localizadas no interior de Minas Gerais. Nessas localidades, eles foram submetidos a uma série de torturas e trabalho forçado.
A primeira cadeia foi estabelecida no ano de 1968 na terra do povo Krenak, às margens do rio Doce, e funcionou até o ano de 1972. O local, que fica no município de Resplendor, era chamado de reformatório e foi usado para deter 94 indígenas de 15 etnias, oriundas de pelo menos 11 estados do país.
Após o fechamento da primeira cadeia, em 1972, foi montada a segunda em Carmésia, na fazenda Guarani, onde vivia o povo Pataxó. O prédio utilizado em Carmésia havia sido utilizado como alojamento para pessoas escravizadas décadas antes.
Conforme apurou o antropólogo Pedro Pablo Fermín Maguire, que elaborou sua tese de doutorado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) com a temática em questão, a cadeia funcionou até 1979. Durante os sete anos de sua existência, cerca de 300 indígenas foram aprisionados. O trabalho do pesquisador, que faz parte da área de arqueologia histórica e contemporânea, recebeu o título de "Foi a escravidão".
Mortos e desaparecidos
De acordo com uma investigação do MPF (Ministério Público Federal), duas pessoas morreram e uma desapareceu nos prédios anteriormente citados, sendo que ambos os locais usavam espancamentos frequentes como método de tortura.
A Guarda Rural Indígena, composta por militares e indígenas associados à Polícia Militar de MG, era responsável por administrar o local e executar os castigos.
Conforme relatos colhidos por Maguire, os prisioneiros viviam em "um regime de exceção sem garantias processuais, tipos penais nem sentenças definidas".
Escravidão
Os entrevistados, que chamam o regime em questão de "escravidão do índio", denunciaram não apenas as prisões arbitrárias e torturas, mas também o roubo das terras. Além disso, relataram que o trabalho escravo era conduzido sob ordens de Manoel dos Santos Pinheiro, conhecido como "Capitão Pinheiro", que tinha ligações com a PM.
Refizemos na pesquisa os mapas dos prédios. As pessoas entravam e ocupavam logo as celas menores. Com o tempo, eles 'graduavam', e a guarda deixava ocupar celas maiores e circular pelo local de maneira menos ostensiva", disse Pedro Maguire, durante participação no podcast "Aqui tem Ciência", da UFMG.
Segundo Maguire, essa evolução "premiava" aqueles que tivessem um "bom comportamento". No caso do presídio em Carmésia, por exemplo, a cela maior media 4,55 m x 3,3 m, enquanto a intermediária tinha 3,3 x 2,4 m. Já o local menor media apenas 2,5 m x 1,55 m.
Ação do MPF
Segundo informações do portal de notícias UOL, o Ministério Público Federal em Minas Gerais tomou medidas contra as cadeias indígenas e denunciou os governos brasileiro e mineiro.
No ano de 2021, a juíza federal Anna Cristina Rocha Gonçalves condenou a União e o governo de Minas Gerais por violarem os direitos humanos e civis do povo Krenak. A decisão exigia que fossem realizadas cerimônias públicas, tanto por parte do governo federal quanto pelo estadual, a fim de que reconhecessem o erro, mas isso ainda não aconteceu.
Violações
De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), durante a ditadura militar, os povos indígenas foram vítimas de seis tipos de violações: remoções forçadas de seus territórios tradicionais, usurpação de trabalho e trabalho escravo, prisões, tortura e maus tratos, desagregação social e extermínio.
Com os internos obrigados a trabalhar em condições análogas à escravidão, várias mulheres do povo Krenak caíram também na rede das punições e trabalhos sob um regime disciplinar férreo. A tortura, sob a forma de espancamentos cometidos com o intuito de aterrorizar, atingiu várias pessoas do povo Krenak", diz trecho da tese de Pedro Maguire.
No entanto, embora a CNV tenha sugerido a criação de uma nova comissão da verdade indígena para investigar esses crimes, isso nunca ocorreu. Atualmente, há uma mobilização para pressionar o governo Lula a estabelecer essa comissão, a qual foi apoiada pelo Ministério Público Federal em uma nota técnica.
Em 25 de abril, a Câmara dos Deputados realizará uma audiência pública para discutir as violações cometidas contra os povos indígenas durante a ditadura. De acordo com a CNV, pelo menos 8.350 indígenas foram mortos durante o período investigado, embora isso seja uma estimativa e mais investigações sejam necessárias.