Desfez a abolição: Quando Napoleão restabeleceu a escravidão nas colônias francesas
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Em 1794, o governo da França decidiu abolir o sistema escravocrata em meio ao espírito da Revolução Francesa, que estava então em sua metade.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, afinal, um importante documento inspirado pelos princípios iluministas que guiou a ideologia revolucionária do país, determinava que um dos direitos imprescritíveis do homem era a liberdade.
Essa postulação, por sua vez, não era compatível com o tráfico de pessoas que eram sequestradas da África e submetidas a trabalhos forçados na Europa e nas Américas.
Vale acrescentar que, segundo informado pelo portal Opera Mundi, a decisão da abolição também é pesadamente influenciada pela Revolução Haitiana, uma insurreição de escravizados da Ilha de São Domingues iniciada em 1791 que mergulhou a colônia francesa em uma guerra civil.
O desdobramento sem dúvida mostrou às autoridades francesas o poder que uma revolta de escravizados podia ter, e como isso era uma ameaça ao domínio que exercia em diversos territórios ultramarinos — o que configurava um argumento persuasivo em relação à libertação dos povos africanos que haviam sido feitos cativos.
Assim, em 1794, a França iniciou sua primeira tentativa de abolição. Infelizmente, não seria bem-sucedida: o Senegal, outra de suas colônias, voltaria a adotar o trabalho escravo em 1799. Em 1802, ninguém menos que o imperador Napoleão Bonaparte desfez a lei que havia empurrado a prática para a ilegalidade, efetivamente reintroduzindo o sistema escravocrata nos territórios sob seu controle.
Legado napoleônico
Napoleão Bonaparte foi um líder político e militar que converteu a nação francesa em um poderoso império, empreendendo um ambicioso projeto expansionista que, através da força de seu exército, realizou a conquista e anexação de inúmeros locais.
O contexto do reestabelecimento da escravidão pelo estadista foi o colonialismo: a fim de tentar garantir uma ocupação duradoura de algumas de suas terras conquistadas, era necessária muita mão de obra, e a África mais uma vez foi usada como fonte de trabalhadores braçais.
Napoleão queria estender o império colonial francês para controlar o Caribe. Para colonizar o imenso território da Louisiana na América do Norte, ele precisava de trabalhadores. Então, ele reiniciou o comércio de escravos. Era uma estratégia colonial", explicou ainda Dominique Taffin, diretora da Fundação para a Memória da Escravidão, também entrevistada pelo DW.
É relevante destacar que a figura histórica ainda hoje gera admiração por suas façanhas políticas, contudo, segundo pensa Louis-Georges Tin, ativista que em 2021 atuava como presidente do Conselho Representativo das Associações Negras (CRAN), não estamos dando atenção suficiente às partes sombrias do período napoleônico:
A decisão de restabelecer a escravidão não é apenas uma mancha no legado de Napoleão, é um crime. Como alguém cujos antepassados foram escravizados, não consigo entender por que continuamos a celebrar a memória de Napoleão como se nada tivesse acontecido (...) A França não pode ser o país dos direitos humanos e celebrar alguém que cometeu crimes contra a humanidade. Isso não faz sentido", apontou ele ao site DW em ocasião do bicentenário da morte de Napoleão, ocorrido em 2021.
Essas ações por parte do imperador, afinal, tiveram consequências devastadoras para as vítimas do tráfico negreiro, que voltaram a ter suas vidas regidas por um sistema desumano, e apenas seriam libertas em definitivo no ano de 1848.