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Infância de Jesus foi uma 'construção posterior' devido demandas, diz historiador
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Infância de Jesus foi uma 'construção posterior' devido demandas, diz historiador

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Aventuras Na História
10/03/2025 23h00
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©Wikimedia Commons via Domínio Público
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Em junho de 2024, pesquisadores identificaram um manuscrito de 1.600 anos na Biblioteca Estadual e Universitária de Hamburgo que trouxe um relato da infância de Jesus

A descoberta, publicada na Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, foi identificada como a cópia mais antiga do Evangelho da Infância segundo Tomé, um dos chamados evangelhos apócrifos.

Esses textos cristãos antigos relatam episódios da vida de Jesus, mas não foram incluídos no cânone oficial da Bíblia. Diferente dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, essas narrativas foram preservadas por diferentes comunidades cristãs nos primeiros séculos, oferecendo versões alternativas sobre Cristo, especialmente sua infância e juventude.

O fragmento encontrado, medindo 11 por 5 centímetros e contendo 13 linhas de texto, traz um trecho do início desse evangelho, relatando o que seria o primeiro milagre feito por ele, com apenas cinco anos.

Conforme tradução do professor Frederico Lourenço, da Universidade de Coimbra, Jesus “brincava no vau de um riacho; e reuniu as águas correntes em lagoas e as fez logo puras; e realizou estas coisas apenas com a palavra”.

"E, fazendo barro maleável, plasmou a partir dele doze pardais. E era dia de sábado, quando os fez. E havia muitas outras crianças que brincavam com ele. Tendo um judeu visto as coisas que Jesus fazia, brincando no sábado, foi imediatamente e anunciou ao pai dele, José. 'Eis que o teu filho está junto do riacho; e, tomando barro, plasmou doze pardais; e profanou o sábado'", continua o texto.

Neste caso, a problematização surge devido à lei judaica que exige a observância do sábado. "E José, indo para o local e vendo, gritou-lhe dizendo: 'Por que fazes estas coisas em dia de sábado, coisas que não é permitido fazer?' Jesus, batendo as mãos, gritou as pardais e disse-lhes: 'Ide!'. E, voando, os pardais partiram, chilreando”, diz o texto.

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Manuscrito relata episódio da infância de Jesus  / Crédito: Divulgação/ Staats- und Universitätsbibliothek Hamburg/Public Domain Mark 1.0

A infância de Jesus

Esse episódio, assim como outros registrados nos evangelhos apócrifos, apresenta um retrato da infância de Jesus que difere do imaginário tradicionalmente difundido pelo cânone bíblico. Para Lourenço, "trata-se de um texto desconcertante em vários níveis, sobretudo no modo como nos retrata um menino insensível e caprichoso", repercute a BBC. 

Segundo o historiador e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) André Leonardo Chevitarese, isso ocorre porque a preocupação com o que ocorreu nos primeiros anos de vida dele foi uma construção tardia, não sendo uma preocupação da primeira geração de seus seguidores.

Os textos mais antigos do cristianismo não se preocupavam com a genealogia de Jesus. Nos anos 50, ninguém estava interessado em saber quem eram seu pai e sua mãe. Mesmo nos anos 70, quando novos evangelhos foram escritos – como o Evangelho dos Sinais, o Evangelho de Egerton e o próprio Evangelho de Marcos, um dos mais conhecidos – essa questão não apareceu", afirma em entrevista ao Aventuras na História. 

Foi apenas nos anos 80 e 90 do século I que dois autores – que nunca se conheceram, nunca se leram, nunca trocaram correspondência entre si – decidiram escrever sobre o nascimento de Jesus, conta o professor. "São os textos que conhecemos hoje como os Evangelhos de Mateus e Lucas. Foram esses autores que introduziram informações sobre José, Maria e a ideia do nascimento virginal”, destaca. 

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"Sagrada Família", de Giovanni Darif (1823) / Crédito: Getty Images

Para o historiador, essa questão não aparece nos textos anteriores, pois, é possível que essa informação simplesmente não fosse relevante nos primeiros anos do cristianismo, uma vez que havia pessoas que conheceram Jesus e sua família e que poderiam responder diretamente a essas perguntas. Assim, essa questão só teria se tornado um problema posteriormente:

Nos anos 80 e 90, os cristãos passaram a ser confrontados com a acusação de que Jesus não poderia ser o Messias porque ninguém conhecia seu pai. Nos textos judaicos – na Torá, nos Profetas – não havia nenhuma profecia dizendo que o Messias nasceria sem um pai conhecido. Isso gerava um problema para a comunidade cristã, que precisava responder a essas provocações".

É nesse contexto que surgem as histórias sobre o nascimento de Jesus. "Mateus, por exemplo, diz que José cogitou ir embora ao descobrir que Maria estava grávida. Essa passagem responde a um questionamento externo: como confiar na história de que Jesus era o Messias se sua origem era incerta?", questiona Chevitarese.

Nos séculos seguintes, essa questão continuou sendo debatida. E assim, cada novo texto e cada nova narrativa que surgem dentro da literatura apócrifa teriam sido respostas a demandas, debates e embates que podiam ser tanto internos – entre diferentes grupos cristãos – quanto externos – como respostas a críticas feitas por judeus ou por outros setores da sociedade.

Os evangelhos canônicos não fornecem detalhes, e os textos apócrifos, escritos séculos depois, descrevem um menino com poderes extraordinários, capaz de dar vida a pássaros de barro. Essas narrativas, no entanto, refletem mais as crenças e intenções teológicas de seus autores do que fatos históricos verificáveis”.

Nesse sentido, a questão central "não é apenas a infância de Jesus, mas a construção de uma imagem divina que o coloca como juiz supremo, alguém que desde pequeno já realizava milagres e manifestava tanto benevolência quanto severidade". "O que esses textos realmente fazem é reforçar a ideia de um poder que transcende a compreensão humana, misturando mito e história para sustentar a fé", conclui o pesquisador. 

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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