Jeremiah Denton, o soldado que denunciou a tortura no Vietnã com o olhar
Aventuras Na História
Para os mais novos, Jeremiah Andrew Denton Jr. foi apenas o senador do estado norte-americano do Alabama. Mas para quem conhece sua história, além da política, não tem dúvida alguma em chamá-lo de “herói da Guerra do Vietnã”.
Na época em que os norte-vietnamitas tentavam propagar sua força para o resto do mundo, Jeremiah foi o único prisioneiro de guerra corajoso e sagaz o suficiente para avisar seu país que seus combatentes estavam sendo brutalmente torturados. Fazendo isso de maneira pouco convencional: através dos olhos.
Em território inimigo
A carreira militar de Jeremiah Denton durou 34 anos. Durante esse período, esteve presente em uma variedade de navios, aeronaves e dirigíveis. Porém, foi no campo das operações como aviador naval que ele se destacou.
Em 1965, se tornou o Comandante Prospectivo do Esquadrão de Ataque Setenta e Cinco, servindo a bordo do porta-aviões USS Independence (CV-62). Já em 18 de julho daquele ano, foi convocado para liderar uma missão de 28 aeronaves de bombardeio sobre o Vietnã do Norte.
Pilotando um jato A-6A Intruder, ele e o tenente Bill Tschudy sobrevoavam o espaço aéreo do Vietnã do Norte, perto de Hanói, quando foram atingidos pelo fogo antiaéreo do Exército norte-vietnamita.
Com a aeronave comprometida, eles tiveram que se ejetarem antes de uma colisão fatal ao solo. Porém, logo foram capturados ao caírem perto da cidade de Thanh Hoa. Não restava outra saída a não ser se entregarem.
Prisioneiros do zoológico
Denton e Tschudy foram mantidos como prisioneiros de guerra por quase oito anos, segundo apontam Stuart I. Rochester e Frederick Kiley em ‘Honor Bound: American Prisoners of War in Southeast Asia’.
Um dos piores períodos foram quando passaram pela prisão apelidada de ‘Zoo’ (‘Zoológico’, em tradução livre), onde eram constantemente torturados, vivendo em uma cela do tamanho de uma geladeira.
O local também era usado para os norte-vietnamitas gravarem sua propaganda militar, e para fazerem filmagens mostrando estarem seguindo a Convenção de Genebra sobre o tratamento de presos de guerra. Mas tudo era uma mentira.
Por lá, os prisioneiros eram regularmente algemados com grilhões nas pernas, além de serem espancados com varas de bambu e chicotes de borracha. Denton era o que mais frequentemente era interrogado pelos torturadores.
Porém, nunca dizia nada além de seu nome, patente e que era fiel ao seu treinamento militar. A resistência de Jeremiah, inclusive, foi responsável por torná-lo um líder entre os outros prisioneiros. Todos se inspiravam em sua resiliência para aguentarem firme.
A piscada reveladora
Em maio de 1966, ele participou forçadamente de uma coletiva de imprensa internacional como prisioneiro de guerra americano por seus captores norte-vietnamitas. Jeremiah aproveitou a oportunidade para enviar uma mensagem de socorro.
Naquele dia, Denton foi retirado de sua cela para atender um repórter japonês, que lhe fez perguntas sobre suas condições dentro da prisão. Como sabia que guardas comunistas estavam lhe observando, foi cuidadoso com cada palavra dita.
Questionado sobre as ações de seu governo, porém, desafiou seus captores e afirmou estar sempre ao lado dos Estados Unidos. Perto do fim da conversa, com vontade de denunciar a tortura, mas, ao mesmo tempo, temendo pela própria vida, encontrou um meio de denunciar o que ninguém sabia.
Culpando o sol por atrapalhar sua visão, ele passou a piscar de maneira coordenada. Em código morse para ser mais preciso. Assim, conseguiu soletrar a palavra T-O-R-T-U-R-A, recorda matéria da Folha de São Paulo.
Denton teve a sorte de seus captores não descobrirem o que ele estava fazendo. Mas a inteligência da Marinha dos EUA rapidamente captou a mensagem e a espalhou para a mídia. Logo, o mundo começou a pressionar os comunistas para um melhor tratamento dos prisioneiros ou simplesmente liberá-los.
A represália e a liberdade
Os tempos se tornaram ainda mais difíceis para Denton. Ele foi duramente punido devido a seu desafio durante a entrevista e teve que passar horas isolado em uma solitária. Além disso, foi transferido para outra prisão, para ficar longe dos demais torturados.
Dois meses após a entrevista, em julho de 1966, Jeremiah Denton e outros prisioneiros de guerra foram forçados a participar da infame marcha de Hanói, recordam Rochester e Kiley.
Jeremiah e mais de 50 prisioneiros americanos desfilaram pelas ruas de Hanói enquanto eram espancados por civis. Jornalistas europeus documentaram a marcha de Hanói, e isso aumentou a indignação crescente contra os norte-vietnamitas. Devido à pressão internacional, a tortura parou.
Denton e Tschudy só foram libertos em 12 de fevereiro de 1973, junto a vários outros prisioneiros de guerra americanos durante a Operação Homecoming. Saindo do jato de volta para casa uniformizado, Denton disse:
Estamos honrados por ter tido a oportunidade de servir nosso país em circunstâncias difíceis. Estamos profundamente gratos ao nosso comandante-chefe e à nossa nação por este dia. Deus abençoe a America."
Como recompensa por sua conduta heroica durante seus anos de cativeiro, ele foi promovido ao posto de contra-almirante. Ele também recebeu um prêmio Naval Cross. Jeremiah Denton se aposentou da Marinha em 1 de novembro de 1977. Enfrentando a carreira política na década seguinte.
O adeus
Jeremiah Denton faleceu no dia 28 de março de 2014, aos 89 anos, vítima de problemas cardíacos, em um hospital da Virgínea. Na época, o então presidente norte-americano, Barack Obama, lamentou a perda do combatente que “deixou um legado heroico".
O valor que ele e seus companheiros mostraram inspiraram profundamente a nação naquela época e continua a inspirar nossos homens e mulheres que servem ao país", completou Obama.
"A liderança de Denton nos inspirou a perseverar e a resistir de maneiras que nunca teríamos conseguido sozinhos. Ele suportou dores e sofrimentos indescritíveis por respeito a nosso código de conduta", reiterou o então senador John McCain, que também foi preso durante a Guerra do Vietnã.