Maria Karoline: A princesa bisneta de D. Pedro II morta em uma câmara de gás nazista
Aventuras Na História
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, diversas monarquias da Europa entraram em ruínas. Os impérios alemão e austro-húngaro, por exemplo, estavam entre eles.
Desta forma, muitos membros destas realezas fugiram para viver no exílio, enquanto outros decidiram permanecer em seu país natal. Mal sabiam que sofreriam com as mazelas do Terceiro Reich durante a Segunda Guerra.
Um desses casos foi da princesa Maria Karoline de Saxe-Coburgo e Gota, bisneta de Dom Pedro II, último imperador do Brasil. Ela acabou morrendo em uma câmara de gás nazista, em 1941.
A árvore familiar
Antes de entender o trágico destino da princesa Maria Karoline, primeiro precisamos traçar suas raízes. Terceira filha de príncipe brasileiro Dom Augusto Leopoldo e da arquiduquesa Carolina da Áustria-Toscana, ela nasceu na cidade de Pula, atual Croácia, em 10 de janeiro de 1899. Entretanto, foi registrada como princesa brasileira em exílio.
Seu pai, cognominado "o Príncipe Marinheiro", jamais se acostumou a viver na Europa por sentir muita saudade do Brasil. Entretanto, era impedido a voltar às terras tupiniquins devido à Lei do Banimento; que proibia que os descendentes de dom Pedro II retornassem ao país.
Leopoldo era filho do príncipe Luis Augusto e da princesa Leopoldina, portanto, neto de dom Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina. Sendo assim, a princesa Maria Karoline era bisneta de Pedro II, e trineta de dom Pedro I e da Imperatriz Leopoldina.
Em entrevista exclusiva à equipe do site do Aventuras, com ajuda do Memorial às Vítimas do Holocausto do Rio de Janeiro, o Dr. Peter Fisch, funcionário aposentado da Comissão Europeia e membro do conselho paroquial de St. Augustin, aponta crer que, até 1918, Dom Augusto Leopoldo nutria certa esperança em reinstalar a monarquia no Brasil e voltar para a nação com sua família.
“Ao mesmo tempo, parece muito provável que ele tenha se estabelecido na Áustria, pois ali pôde se beneficiar do apoio financeiro e político da linha católica Saxe-Coburgo-Koháry, que tinha sua sede no impressionante Palais Coburg, em Viena”, aponta.
“Augusto von Saxe-Coburgo-Koháry e sua esposa Clementina de Orléans estão enterrados aqui em Coburgo. Na verdade, a Igreja foi essencialmente construída para se tornar a casa da capela funerária para esta família e recebeu o nome do principal doador: Santo Agostinho”, explica Fisch, que se considera um entusiasta na história de sua cidade natal, Coburgo.
Peter aponta, porém, que a vida dos filhos de Dom Augusto Leopoldo é mal documentada devido ao fato de que, após 1918, a família perdeu a maior parte de sua "relevância" para a atenção do público.
Um fato sobre a princesa Maria Karoline é que ela nasceu com deficiência intelectual. Peter Fisch retrata que não há informações se essa condição é decorrente de alguma questão genética, visto que seus pais eram parentes, ou se é devido a alguma doença grave durante sua infância. Sabe-se, porém, que tal condição foi fundamental para a princesa ter tido uma morte horrível nas mãos dos nazistas.
A vida de Maria Karoline
Maria Karoline viveu parte de sua vida no Castelo Gerasdorf, nos arredores de Viena, na Áustria, mas tudo mudou aos seus 19 anos — quando o império austro-húngaro colapsou.
Ainda em 1918, conforme aponta o portal Royal Central, sua família mudou-se de Pula para Schladming, onde a condição de Maria Karoline piorava à medida que ela envelhecia. O cenário se tornou ainda mais complicado após a morte de dom Augusto Leopoldo, em 11 de outubro de 1922. A princesa tinha 23 anos na época.
Eu diria que a perda relativamente precoce de seu pai, quando ela tinha apenas 23 anos, teve um impacto negativo em sua situação”, aponta Fisch.
”No entanto, a meu ver, a mudança mais dramática nas condições de vida da família ocorreu em 1918, quando os fundamentos da família ruíram: do império austro-húngaro, a Áustria perdeu seu acesso ao mar — e a carreira de Augusto Leopoldo nas Forças Navais Austríacas estava definitivamente encerrada", completa.
O membro do conselho paroquial de St. Augustin ainda explica que, como consequência, a família teve que deixar a bela e ensolarada cidade costeira de Pula e se estabelecer em Schladming, no centro dos Alpes austríacos. “Enquanto Schladming é hoje uma estância de esqui bem desenvolvida, na década de 1920 era uma cidade mineira muito monótona, longe de qualquer lugar…”.
Embora psicologicamente eu imagine a situação bastante deprimente, pelo menos financeiramente eles parecem estar razoavelmente bem resolvidos, pois viviam na ‘Haus Coburgo’, que hoje é a prefeitura de Schladming”, completa.
Mudança de vida
Até seus 39 anos, em 1938, Maria Karoline viveu sob os cuidados da mãe. Mas após a Áustria ser anexada pela Alemanha nazista, as duas tiveram que se mudar para Budapeste, a pedido do príncipe Philipp Josias, um dos irmãos da bisneta de Dom Pedro II.
Devido à idade avançada de sua mãe, já na casa dos 70 anos, a princesa teve que ser deixada sob cuidados especiais. A sua família decidiu mandá-la para o Hospital Salzburg em Lehnen. Este centro médico, especializado no tratamento de pacientes com doenças neurológicas, era dirigido por freiras.
Importante ressaltar, porém, que o diretor médico do hospital era Leo Wolfer, reconhecido doutor da época; enquanto seu filho, o Dr. Heinrich Wolfer, era o chefe da ala masculina e da divisão de doenças hereditárias.
Heinrich, porém, era membro da SS e defensor assíduo das políticas eugênicas dos nazistas, relata o History of Royal Women. Ele também, frequentemente, fazia pesquisas em asilos e lares de idosos de Salzburg para identificar pacientes que poderiam ser esterilizados, com o intuito de “prevenir” a transmissão de doenças hereditárias.
Não tenho informações se Heinrich Wolfer esteve em algum momento envolvido no tratamento direto de Maria Karoline. Mas é óbvio que ele era um defensor radical da política eugênica", afirma Fisch.
A perseguição
Conforme recorda a Enciclopédia do Holocausto do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, nos primeiros meses entre a primavera e o verão de 1939, os nazistas colocaram em prática o Programa de Eutanásia — considerado o primeiro programa de extermínio em massa do Terceiro Reich, um antecessor do genocídio contra judeus.
O Aktion T4 durou aproximadamente dois anos. Ele permitia que médicos alemães fossem autorizados a selecionar pacientes “considerados incuráveis, após exame médico mais crítico” e então administrar a eles uma “morte misericordiosa”, aponta Robert Proctor, historiador da ciência, em artigo publicado pelo Journal of Experimental Psychology em 1988.
"É importante notar que o Aktion T4, supostamente autorizado para 'reduzir' o número de pacientes em clínicas psicológicas, foi realizado de forma sistemática em toda a Alemanha (incluindo a Áustria naquela época). Para mim, é importante notar que o sistema pode funcionar de forma tão 'eficaz' não apenas por causa de alguns nazistas convictos como Wolfer, mas também devido à ampla colaboração de muitos cidadãos 'normais'", reforça o funcionário aposentado da Comissão Europeia.
Em maio de 1941, o centro para deficientes foi invadido por soldados alemães e austríacos. Maria Karoline foi uma das 86 pacientes transferidas para o Hospital Niedernhart e, por volta de 6 de junho de 1941, foi levada para Schloss Hartheim.
Maria Karoline foi trazida de Salzburgo para Niedernhart, onde provavelmente ficou por um ou dois dias. Niedernhart serviu como uma espécie de 'tampão' para receber pacientes antes de serem transferidos para o castelo de Hartheim", afirma Peter.
A princesa morreu em uma câmara de gás do local logo no seu primeiro dia por lá. Além dela, estima-se que 18.000 pessoas com deficiência física ou intelectual foram mortas em Niedernhart e Hartheim entre maio de 1940 e agosto de 1941.
Uma placa memorial a princesa Maria Karoline foi colocada no mausoléu St. Augustinkirche em Coburgo, mencionando que ela foi morta em uma câmara de gás. À época, os corpos dos exterminados eram cremados e suas cinzas eram jogadas no rio Danúbio.
"O castelo de Hartheim foi transformado em memorial e museu, e fornece uma boa documentação em seu site [clique aqui para saber mais]”, aponta Fisch. “Em Hartheim, os nomes dos pacientes ali assassinados estão escritos em grandes paredes. Junto duas fotografias que tirei em 2019, uma delas mostra a referência a ‘Maria Saxe-Coburgo’.”
Peter Fisch explica que, desde 1918, o uso da palavra “von“ para indicar pessoas nobres foi proibido na Áustria, e que o próprio Adolf Hitler referiu-se consistentemente para Coburgo com a antiga grafia prussiana: “Koburg“.
Os resquícios da morte
Quando Maria Karoline morreu, sua mãe ainda era viva. À época, a arquiduquesa recebeu uma carta do governo alemão informando que a princesa havia morrido de “causas naturais”.
No entanto, as chamadas ‘cartas de condolências’, enviadas aos familiares das pessoas mortas nestes locais, jamais continham explicações verdadeiras sobre a real causa da morte. Geralmente as respostas eram sempre vagas e genéricas.
Além disso, esperava-se que um instituto enviasse o corpo de volta aos familiares, mas como os restos mortais eram cremados, como uma forma de esconder as evidências das barbáries, os familiares eram geralmente informados que os corpos tiveram tal fim para seguir uma exigência legal de combate a epidemias. Uma urna com cinzas poderia ser solicitada, mas estas obviamente nunca continham as reais cinzas do falecido.
De acordo com estimativas sérias, cerca de 200.000 pessoas foram mortas entre 1939 e 1945 como resultado do programa ‘Eutanásia’ do regime nazista”, reforça Peter.
“Se olharmos para a forma como esses crimes foram encarados pela sociedade alemã desde 1945, é surpreendente que até o final dos anos 1960 nenhuma reflexão tenha ocorrido — e mesmo durante os últimos 50 anos, ou mais, o interesse pelo assunto é limitado”, aponta.
Fisch discorre que pode haver duras explicações para isso: “As atrocidades do Holocausto, por assim dizer, ‘ofuscaram’ os crimes da eutanásia. Possivelmente ainda mais importante, as vítimas dos crimes de eutanásia eram uma espécie de ‘ninguém’, pessoas que viviam em lares e clínicas, em sua maioria pobres, muitas vezes esquecidas até mesmo por suas famílias. É impressionante que para muitas, senão para a maioria das vítimas, não haja sequer fotos para lembrá-las.”
Para ser honesto, se você perguntar sobre Maria Karoline em Coburgo, uma cidade de quase 50.000 habitantes, eu acho que você encontrará cerca de 200 pessoas que sabem algo sobre ela”, diz.
Por fim, Peter Fisch ainda compartilha conosco uma carta pela qual um representante do irmão de Maria Karoline, Ernesto, pede à igreja paroquial de St. Augustin para cuidar de seu funeral. O que chama a atenção é que o documento é assinado com a saudação “Heil Hitler“. Veja!
Memória preservada
Além de uma homenagem no mausoléu St. Augustinkirche, a memória da princesa Maria Karoline também foi resgatada pelo Memorial às Vítimas do Holocausto do Rio de Janeiro, que iniciou suas atividades no último dia 19 de janeiro. Conheça mais sobre as instalações do local em vídeo exclusivo da equipe do site do Aventuras na História!