O intrigante rosto de D. Pedro I, revelado por uma foto de seu crânio
Aventuras Na História
No 7 de setembro, o Brasil comemorou o bicentenário de sua Independência. Há 200 anos, Dom Pedro I proclamava que não seríamos mais dominados por Portugal, em um grito mítico ecoado às margens do rio Ipiranga, em São Paulo.
O evento foi registrado por várias obras, a mais famosa delas sendo a controversa “Independência ou Morte”, pintada a óleo em 1888 por Pedro Américo. A partir daquele momento, o filho de João VI de Portugal e Maria II se tornou o primeiro imperador do Brasil.
E o resto é história — literalmente. Depois de poucos anos no poder, abdicou do posto devido a uma crise de sucessão ao trono de Portugal causada pela morte do pai. Lutou na Guerra Civil Portuguesa em julho de 1832, mas, com o fim do conflito, estava com a saúde muito debilitada e, após contrair tuberculose, morreu em 24 de setembro de 1834.
Para o advogado e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará, José Luís Lira, nos 200 anos de Independência do Brasil, Pedro deve ser visto “como um herói”. “Ele foi o homem que, com 24 anos, foi aclamado Imperador do Brasil e teve a coragem de romper, politicamente, com sua casa materna e proclamar a Independência, fundando a Nação Brasileira, habilitando-a soberana junto à Comunidade Internacional”, explica ao Aventuras na História.
Cícero Moraes, designer 3D referência no campo de reconstrução facial, é mais moderado: ele diz que devemos olhar para o imperador “com curiosidade, compreensão, crítica e maturidade”; “uma para saber mais sobre os eventos que antecederam os nossos dias, outro para não forçar uma visão atual em uma época diferente, a penúltima para analisar o que se aprendeu, e a última para reconhecer nele outro ser humano, como nós em alguns aspectos, diferentes em outros, mas notório o suficiente para ter se convertido em alguém que parece fazer parte das nossas vidas, pois influenciou de modo marcante a história do Brasil”.
Retrato oficial de D. Pedro / Museu Imperial de Petrópolis/Wikimedia Commons/Domínio Público
Reconhecer que D. Pedro podia ser gente como a gente se tornou ainda mais fácil quando Lira e Moraes se uniram em um projeto audacioso finalizado em 2018. A partir de uma imagem do crânio do imperador, clicada durante os trabalhos de exumação dos restos mortais do nobre em 2013, foi possível criar uma reconstrução facial que revela como ele teria sido em vida.
Tudo começou quando o fotógrafo Mauricio de Paiva tirou uma foto do crânio, posicionado sob um espelho, gerando uma imagem refletida. Com isso, foi possível extrair dados tridimensionais que serviriam para a modelagem do crânio em ambiente digital, reconstruído estruturalmente a partir do cruzamento de projeções estatísticas e proporções anatômicas.
Moraes ficou responsável por colocar a mão na massa, enquanto Lira, pelas negociações, viabilizando juridicamente o licenciamento da imagem usada para a reconstrução e conversando com descendentes da família imperial brasileira. “De posse da foto e do contrato, marquei audiência com os príncipes Dom Luiz e Dom Bertrand de Orleans e Bragança que deram autorização por escrito e, por carta, nos pediram a feitura do trabalho”, conta o advogado.
Foto do crânio de Dom Pedro I / Mauricio de Paiva, National Geographic Brasil
Com uma análise indireta, feita pelo perito forense do IML Afrânio Peixoto, no Rio de Janeiro, o Dr. Marcos Paulo Salles Machado, foi possível confirmar que o crânio havia pertencido a um homem branco, que morreu com menos de 40 anos; dados estes que bateram com sexo, idade e ancestralidade de D. Pedro I. Mas, a principal novidade foi uma fratura no osso nasal do imperador que, por não ter sido tratada adequadamente, resultou em um nariz torto.
Segundo Lira, a fratura aconteceu devido a uma queda que o imperador levou e que estaria sob conhecimento da família imperial brasileira. Ele relembrou: “Confesso que fiquei receoso de falar do tema, mas Dom Bertrand agiu com naturalidade por saber pelas informações que foram passadas por Dom Pedro II à sua bisavó, princesa Isabel, que passou a seu avô, príncipe Dom Luiz, e por fim ao seu pai, Dom Pedro Henrique, que transmitiu a informação à atual geração”.
Na biografia “Pedro: a História Não Contada - o Homem Revelado por Cartas e Documentos Inédito” (2015), Paulo Rezzutti escreve que não há registros que Pedro tenha sofrido algum acidente capaz de quebrar seu nariz, mas ressalta que quedas de cavalos eram comuns na época. "Ele teve uma queda feia em 1824. E, alguns anos depois, teve um acidente ainda mais grave de carruagem na Rua do Lavradio, no Rio de Janeiro", explicou à BBC em 2018.
Reconstruindo D. Pedro
Rosto de Dom Pedro I reconstruído digitalmente / Cícero Moraes
O nariz quebrado do primeiro imperador do Brasil foi a principal revelação obtida pela reconstrução facial conquistada pela parceria, mas também dá para notar que ele parece diferente nos quadros que o retratavam na época quando comparado ao que a ciência mostra, hoje, como Pedro poderia ter sido.
Há um fato curioso sobre a face de D. Pedro I e envolve os quadros que conhecemos”, conta Moraes. “Muitos deles sequer foram pintados em vida e quase todos diferem nas medidas quando sobrepomos as imagens”.
O especialista acrescenta que, “mesmo os quadros pintados sob observação não estavam livres de ‘filtros pré-Instagram de embelezamento’”, o que, ele explica, “poderiam gerar um resultado final levemente ou significativamente diferente do rosto real”.
Quando Moraes configurou os cabelos e o vestuário, etapa final realizada com o auxílio de outras pessoas, inclusive Dom Bertrand, o rosto em 3D finalmente ganhou a “cara” de D. Pedro, descrito pelo designer como dono de um “estilo clássico”. “Um olhar decidido, marca daqueles que nasceram para grandes feitos”, opina Lira.
O advogado conta que todos ficaram orgulhosos com o resultado do projeto — que, diz ele, “presenteou o Brasil e Portugal com a face de Dom Pedro I”. Quando perguntado sobre a relevância de trazer o verdadeiro rosto do imperador à tona, Moraes evoca a importância do debate histórico e da curiosidade acerca da figura dele.
“Sempre é bom conhecer mais acerca do passado do Brasil, tanto para entender alguns aspectos atuais, como para ver o elemento humano das personagens históricas que conhecemos nos bancos das escolas”, afirma.