"O Terceiro Reich era o regime de uma ideologia quase que misógina": o papel das mulheres no nazismo
Aventuras Na História
Com a ascensão do nazismo pós-Primeira Guerra Mundial, a sociedade alemã passou por diversas mudanças. Além dos judeus, deficientes, ciganos, homossexuais e os considerados inaptos que sofreram na mão da extrema-direita, boa parte que apoiou o governo totalitarista também teve de ser submissa a ideologia.
Um grupo que demonstra bem como foram essas mudanças é o das mulheres. Se antes elas eram livres e gozavam se certo prestígio social — antes da dominação nazista, para se ter uma ideia, 35 mulheres eram membros do Reichstag, o parlamento federal da Alemanha —, após o domínio hitlerista, o papel delas foi muito mais apagado e subalterno.
Uma das primeiras medidas adotadas pelos nazistas foi anular toda e qualquer noção de igualdade entre homens e mulheres. Para isso, Adolf Hitler ordenou que as instituições femininas — físicas ou ideológicas — fossem destruídas. Para ele, a ideia dos direitos iguais vinha diretamente de pensamentos judaicos e marxistas, algo que abominava.
“Para a ideologia nazista as mulheres deveriam permanecer longe de questões políticas e militares. A mulher alemã devia ser o alicerce da família, cuidar da casa e gerar filhos. A ideia dos três K: Küche, 'Kinder und Kirche' (ou 'cozinha, filhos e igreja')”, explicou o historiador Rodrigo Trespach, autor do livro ‘Personagens do Terceiro Reich ― A história dos principais nomes do nazismo e da Alemanha na Segunda Guerra Mundial’, publicado em 2021 pela 106 Editora.
Apesar de parecer um absurdo, o Führer conseguiu convencê-las de que tudo isso era o melhor para elas, afinal, inseri-las nas esferas masculinas seria prejudicial. Segundo Adolf, isso as privaria de direitos.
“Os alemães levaram tempo até aceitarem a ideia de que as mulheres poderiam ser aproveitadas no conflito”, diz Rodrigo. “Embora as alemãs estivessem a frente de britânicas e norte-americanas quanto a possibilidade de trabalhar fora (metade delas tinha emprego, parcela bem maior de que as anglo-americanas), elas não podiam participar da administração”.
O historiador explica que isso só começou a mudar depois de 1942, quando as mulheres alemãs passaram a fazer parte das frentes de trabalho e a se envolverem no esforço de guerra de maneira mais direta. “Claro que há algumas exceções e algumas se destacaram”, pondera.
Raça puritana
Conforme Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, declarou em uma ocasião: “A missão das mulheres é ser bonita e trazer crianças ao mundo”. Dessa forma, elas passaram a ser incentivadas a servirem ao regime sendo meras donas de casa.
A fim de promover o nascimento de mais crianças arianas e perpetuar a raça pura, o governo nazista criou programas que estimulavam as mulheres a engravidar. Um dos primeiros deles foi a de oferecer uma medalha de honra à todas as mulheres que dessem à luz a pelo menos oito crianças.
Posteriormente, surgiu a Liga Nacional Socialista da Mulher, que funcionava como uma vertente do Partido Nazista. Entretanto, a Liga não tinha pautas de 'empoderamento' ou algo do tipo; apenas ensinava como as damas deveriam se portar para serem boas domésticas.
“O Terceiro Reich era o regime de uma ideologia quase que misógina. O nazismo pode ser encarado como uma religião e neste credo o espaço da mulher era de submissão”, explica Trespach. “Algumas, como cantoras e atrizes como Zarah Leander, Lale Andersen e Lida Baarova, ou algumas esposas de líderes do Partido Nazista, como Magda Goebbels, esposa do ministro da Propaganda, tinham liberdade e gozavam de privilégios, mas não buscavam espaço para o coletivo”, diz.
Durante o conflito, ainda, a Liga Nacional promoveu aulas de culinária, forneceu empregada doméstica para os militares e passou a distribuir bebidas nas estações de trem.
Em 1936, o partido implantou o programa Lebensborn, ou “Fonte da Vida”, que incentivava cada membro da SS a ter quatro filhos cada, seja dentro ou fora de seus relacionamentos, basicamente uma fábrica de crianças nazistas.
No pós-Guerra
Com o fim do conflito, elas não tiveram qualquer liberdade para viver da maneira que desejavam. Conforme o Exército Vermelho fora se aproximando de Berlim, elas passaram a sofre nas mãos de outros malfeitores: os soldados soviéticos.
“Os Aliados, principalmente os soviéticos, estupraram mais de 2 milhões de mulheres na Alemanha. Só em Berlim, os números são superiores a 100 mil, sendo que pelo menos 10 mil morreram em consequência dos estupros múltiplos. Há relatos de mulheres estupradas por mais de vinte soldados soviéticos”, relata Rodrigo.
“Mas somente alguns anos atrás é que esses relatos passaram a ser tema de estudos. O trauma acompanhou muitas delas por décadas. Um relato anônimo está no livro ‘Uma mulher em Berlim’, que relata a experiência de uma alemã durante os meses de abril e junho de 1945. O livro virou filme”, complementa.
A ação dos Aliados também afetou a mulheres do alto escalão nazista. Magda Goebbels, por exemplo, cometeu suicídio após assassinar os seis filhos que tinha com Joseph. Os momentos finais dos dois são dramatizados no filme “A Queda! As Últimas Horas de Hitler”, de 2005, disponível no Prime Video.
Outra parcela acabou fugindo. Capturadas, foram obrigadas a participar de programas de 'desnazificação', explica o historiador. “Mas nenhuma delas se arrependeu do passado, negando o Holocausto e os horrores da guerra”.
“A filha de Himmler, Gudrun Himmler, viveu até 2018 pregando o ideal nazista e exaltando tanto a figura do pai quanto de Hitler. As secretárias de Adolf também passaram por processos de desnazificação, reconheceram o mal do nazismo, mas negaram ter conhecimento do Holocausto”, complementa.
Questionado sobre como estudar a vida das mulheres durante o Terceiro Reich ajuda a compreender o cenário político mundial na atualidade, Rodrigo diz que a história é um processo que não começa hoje e termina amanhã. E que qualquer tema tratado atualmente precisa ser avaliado dentro dessa ideia.
“É preciso conhecer o que aconteceu ontem, avaliar os erros e não os repetir. Mas é necessário que se diga, é importante não cair em anacronismos e misturar alhos com bugalhos, o que é muito comum hoje em dia. Ou seja, uma constante necessidade de avaliar o passado com o olhar do presente. Isso é um erro gigantesco. Em história é preciso sempre contextualizar o espaço e o tempo”, conclui.