Os 20 anos dos assassinatos Von Richthofen: Na visão de um investigador do caso
Aventuras Na História
Nesta noite, há 20 anos, Suzane von Richthofen, Daniel Cravinhos e Cristian Cravinhos davam cabo ao plano de assassinar Manfred e Marísia von Richthofen, os pais da jovem, que tinha então apenas 18 anos.
O crime brutal chocou o Brasil, rendendo à adolescente e seu namorado 39 anos e seis meses de sentença cada, e ao Cravinhos mais velho, Cristian, 38 anos e seis meses. Atualmente, todos os responsáveis estão em regime semiaberto.
Mesmo duas décadas mais tarde, o caso von Richthofen ainda atrai atenção. A saídas temporárias anuais de Suzane, que hoje tem 38 anos, assim como sua entrada na universidade, onde cursa farmácia, são acompanhadas de perto pela população brasileira.
Os filmes "A menina que matou os pais" e "O menino que matou meus pais", lançados simultaneamente em 2021 através da Amazon Prime, também atraíram grandes audiências, mostrando como o violento crime brasileiro ainda aturde o país, causando, ao mesmo tempo, repulsa e uma curiosidade perplexa em relação ao que realmente aconteceu naquela noite de 31 de outubro de 2002, e nos planejamentos que haviam vindo antes.
O Aventuras na História entrevistou Robson Feitosa, que era o chefe do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo quando a família von Richthofen se tornou o centro da tragédia, tendo feito parte das investigações, para saber qual sua opinião a respeito do caso.
Por quê?
Uma das primeiras questões que fizemos à Feitosa foi a respeito das possíveis explicações por trás do homicídio duplo. Seria possível justificar a crueldade cometida por Suzane Von Richthofen, por exemplo, caso fosse comprovado que seu pai teria abusado física e sexualmente dela, uma alegação feita pelos irmãos Cravinhos em tribunal, e negada pela jovem?
Para o oficial, a índole da paulista tem um peso maior do que qualquer outro fator:
Tem pessoas que foram torturadas, sofreram, foram abandonadas e tudo mais, e são excelentes pessoas. Então, não justifica falar: 'Ah, ela apanhou do pai várias vezes e por isso matou ele'. E por que matou a mãe também? Por que ela foi conivente? Por que matou desse jeito? Por que manipulou? Por que arquitetou tudo desse jeito?", refletiu ele.
Outro grande elemento do caso é que não foi um crime cometido de forma impulsiva — ele foi planejado, o que, para o ex-chefe do DHPP, é uma peça fundamental para o entendimento da filha dos von Richthofen.
A partir do momento que você faz uma arquitetura e cria uma engenharia para um crime de tal natureza, nada justifica — principalmente uma jovem. Por que então não foi na delegacia e falou que o pai era um torturador? Por que ele não procurou alguém para falar sobre isso? Procurou os tios dela? Então, não tem como justificar algo desse tipo. É dela", afirmou Feitosa.
Para o profissional, o porquê que explica esse caso chocante é simplesmente o fato que aqueles três jovens adultos eram capazes de cometer assassinato.
Quantos filhos de criminosos não se tornam excelentes pessoas? E quantos filhos de excelentes pessoas não se tornam criminosos? A culpa, tanto num caso como no outro, pertence ao pai ou é da índole do indivíduo?", concluiu.
Manipulação
Uma das outras dúvidas comuns a cercarem o crime é qual lado exerceu maior influência no outro. Esse dilema apareceu durante o julgamento, em 2002, e também foi trazido à tona pelos filmes "A menina que matou os pais" e "O menino que matou meus pais", que retratou as versões contraditórias relatadas pelos réus.
Robson Feitosa, todavia, não têm nenhuma dúvida: para ele, é Suzane quem era mais manipuladora. Por outro lado, o homem não acha que essa questão seja tão importante. No fim do dia, afinal, todos os três contribuíram para o fim da vida dos pais da jovem.
Realmente existem pessoas que são influenciáveis e existem outras que sabem manipular, que são manipuladoras. No caso dos von Richthofen, eu acredito muito que a Suzane manipulou os dois irmãos, os Cravinhos. Mas, a pergunta que não quer calar e que jamais deve ser calada, é a seguinte: 'Por que eles, tanto o mais velho quanto o mais novo, o namorado dela, não virou e questionou: ‘Suzane, você está louca? Por que nós temos que matar os seus pais?'”, apontou.
"A partir do momento que essa pergunta vem à tona, você mostra que são todos realmente criminosos — que são todos gananciosos e que todo mundo ali tem uma índole má (...) Quem manipulou para esse cometimento do crime, provavelmente, foi ela. Ela deu a ideia. Mas, a partir do momento que nenhum deles se opõe. Todos viram responsáveis", disse o ex-chefe do DHPP.
O futuro de Suzane
Neste ponto, a filha dos von Richthofen cumpriu cerca de metade de sua sentença original. Após passar por uma revisão de seu caso junto à Justiça, todavia, a pena foi reduzida em 2021 para 34 anos e nove meses. Assim, ela está prevista para recuperar sua liberdade em 2036, aos 54 anos.
O investigador envolvido em seu caso, no entanto, não acredita que esse tempo de encarceramento terá mudado quem a criminosa é, ou a reestabelecido como cidadã de qualquer forma palpável.
No Brasil, falar em ressocialização no sistema carcerário que temos, é a mesma coisa que nós falarmos que está tudo lindo e maravilhoso, que está tudo resolvido e que nenhum criminoso que está lá dentro realmente vai voltar a cometer um crime. Não acredito nisso", opinou Feitosa.
Outro ponto importante para o profissional é que Suzane nunca demonstrou arrependimento real pelo que fez, isso é, nenhum teste psicológico feito com a presa pôde atestar que ela se sinta mal por ter matado seus pais.
Existe um ditado muito antigo que nós costumeiramente usamos que é: pau que nasce torto, morre torto; ou seja, não tem como fazer alguma coisa para mudar aquilo. Algo de muito errado aconteceu e nesse algo de muito errado que aconteceu não tem como 'consertar'. Na ciência, por exemplo, não achamos ainda um remédio para tratar de pessoas assim", acrescentou o antigo policial.
Para Feitosa, a mulher nunca deveria ter ido para a cadeia, na verdade, e sim para um hospital psiquiátrico, onde seria mantida como um "caso sem solução".
E nós?
O ex-chefe do DHPP opinou ainda a respeito da maneira como o homicídio duplo dos von Richthofen continua chamando a atenção da sociedade brasileira, que consome, tão chocada quanto em 2002, os detalhes do caso. Em sua perspectiva, isso ocorre em reação a quão extremo foi o episódio.
Por que é que esse caso continua em alta no Brasil? Pela maldade [dos assassinatos]. Porque o ser humano — ou o mundo natural e a vida natural dos animais — o normal é que os pais protejam os filhos e os filhos protejam os pais. A partir do momento que algo acontece, que é contra exatamente isso, esse conceito, essa situação fica estigmatizada. As pessoas não conseguem entender e aceitar uma coisa desse jeito", concluiu.