Os relatos da mãe de um dos atiradores do massacre em Columbine
Aventuras Na História
Nesta semana, o Brasil registrou mais um dos incontáveis casos noticiados pelo mundo de atentados realizados em escolas por alunos. O caso recente foi registrado na Escola Estadual Thomazia Montoro, localizado no bairro da Vila Sônia, em São Paulo, e resultou na morte da professora de ciências, Elisabete Terneiro, de 71 anos.
No entanto, quando se fala sobre massacres em escolas, o primeiro pensamento na mente de qualquer um é o (infelizmente) conhecido Massacre de Columbine. Ocorrido no dia 20 de abril de 1999, o caso entrou para a história dos Estados Unidos depois que dois estudantes do Columbine High School entraram no colégio armados e, depois de assassinarem brutalmente 13 pessoas — 12 estudantes e um professor — e ferirem outros 21, se suicidaram.
Logo, o trágico episódio — realizado por Eric Harris e Dylan Klebold — teve um impacto significativo na cultura americana e levou a debates sobre controle de armas, bullying nas escolas e saúde mental. No entanto, além das vítimas e seus familiares, outras pessoas nem sempre comentadas que sofreram muito com o acontecimento foram os parentes dos próprios executores.
E 17 anos depois do evento, em 2016, Susan Klebold — mãe de Dylan — publicou o livro 'A mother’s reckoning: Living in the aftermath of tragedy' (lançado no Brasil com o título 'O acerto de contas de uma mãe'), onde responde algumas das perguntas que já passaram, desde o evento de 1999, pela cabeça de pais e mães e todo o mundo, além de narrar como é a sua vida depois do caso, vivendo com a culpa de um crime que não cometeu.
Susan Klebold e o livro 'O acerto de contas de uma mãe' / Crédito: Reprodução/Vídeo/YouTube / Divulgação/Amazon
Uma mãe comum
A ideia principal por trás da história de Susan Klebold, como ela narra no livro, é de que seu drama poderia ter acontecido com qualquer pessoa, sendo ela uma mãe normal, e a história de Dylannão embasada em uma criação desfuncional. Ela e seu então marido, Tom Klebold — eles se divorciaram em 2014 — eram ambos educados e de classe média, sendo contrários ao uso de armas e luteranos praticantes.
No livro, cujos direitos autorais são todos direcionados a organizações dedicadas ao cuidado de doenças mentais, como informa o El País, Susan inicia: "Daria minha vida para consertar o que aconteceu nesse dia. De fato, a daria sem pensar em troca de qualquer outra das vidas perdidas."
Tom e eu éramos pais carinhosos, atentos e comprometidos, e Dylan era um garoto entusiasmado e afetuoso". Ainda acrescenta: "O dia-a-dia de nossas vidas antes de Columbine talvez seja o mais difícil de entender de minha história. Para mim, é também o mais importante."
Já em entrevista ao The Guardian, certa ocasião, ela enfatiza o quanto essas histórias trágicas podem ser vistas em famílias comuns: "Uma das coisas aterrorizantes sobre essa realidade é que as pessoas que têm parentes que fazem coisas como essa são como nós. Conheci várias mães de assassinos em série, e elas são tão doces e agradáveis como quaisquer outras. Ninguém seria capaz de dizer, se nos vissem juntas em um aposento, o que temos em comum."
Adolescência conturbada
Embora Susan Klebold diga que o filho era afetuoso, ela, na verdade, não percebeu quem estava se tornando, de fato, aquele indivíduo que criou por 18 anos em sua vida. Com a chegada da adolescência, Dylan deixou de ser um garoto tranquilo e se começou a se tornar problemático.
Durante seu terceiro ano no colégio, ele e o amigo Eric Harris foram detidos por policiais por roubarem produtos eletrônicos com uma caminhonete. Em outra ocasião, foi multado e suspenso temporariamente por riscar a porta de um armário do vestiário. E apesar dos indícios, nem mesmo quando pediu uma escopeta de presente de Natal para os pais, despertou a preocupação de Susan e Tom.
Surpresa, perguntei a ele porque a queria, e me disse que pensava que ir de vez em quando a um campo de tiro poderia ser divertido", relembra ela no livro. "Dylan sabia que sou inimiga acérrima das armas, de modo que a proposta me deixou estupefata (...) E como jamais teria permitido uma arma sob nosso teto, seu pedido não me despertou nenhum alarme."
Porém, mesmo sem autorização dos pais, Dylan deu um jeito de comprar armas por conta própria, assim como Eric, e eventualmente foi descoberto que, juntos, haviam montado um arsenal.
Imagem de câmera de segurança do Columbine High School onde é possível ver Eric Harris e Dylan Klebold / Crédito: Divulgação
Fitas do porão
Depois do chamado Massacre de Columbine, surgiram diversos vídeos dos jovens exibindo e gabando-se do arsenal que montaram, tendo sido alguns deles gravados, inclusive, no porão da casa dos Klebold. "Não tínhamos a menor ideia de que esses vídeos existiam", escreveu Susan no livro.
Meu coração quase se partiu quando vi Dylan e escutei sua voz: se parecia e soava da mesma forma como me lembrava dele, o garoto de quem tanto sentia falta (...) [Mas] nunca havia visto essa expressão zombeteira de superioridade em seu rosto. Fiquei boquiaberta com a linguagem que usavam: abominável, cheia de ódio, racista, com palavras depreciativas que nunca havia escutado em minha casa."
A mãe ainda afirma não acreditar que o massacre cometido por seu filho tenha sido motivado por simples 'maldade' do garoto. "Penso que Dylan foi vítima de alguma espécie de disfunção de seu cérebro. O Dylan que conheci e criei era uma pessoa amável, atenciosa, por isso me é tão difícil de entender. Peço desculpas se ofendo alguém, mas não odeio meu filho, nem o julgo, porque é meu filho e, além disso, o que quer que o tenha feito matar os outros, também o matou", escreve.
E, embora não tivesse relação com o crime cometido pelo filho e seu amigo, Susan Klebold viria a se tornar, também, um alvo do ódio de vítimas que sobreviveram ao ataque, além de parentes e, até mesmo, da opinião pública. E ela entende as reações. "Nunca deixei de pensar em como me sentiria se estivesse do outro lado e um de seus filhos tivesse atirado no meu", disse certa vez à ABC News. "Estou completamente certa de que me sentiria exatamente como eles."
Após Columbine
Como é de se imaginar, a vida de Susan viraria de cabeça para baixo depois da tragédia, que ocorreu quando tinha cerca de 50 anos, e chegou até mesmo a pensar em mudar de cidade e o seu sobrenome (e retomar o de solteira). "Ainda poderia fazê-lo, mas deveria ter uma boa razão. Eu me dei conta de que realmente não posso escapar disso. Posso mudar de nome, de cidade, mas ainda teria de viver com o fato de que meu filho matou outras pessoas", admitiu em entrevista à edição norte-americana da Marie Claire.
Não bastasse isso, ela descreve no livro que a tragédia cometida pelo filho também resultou em uma rachadura em seu casamento, que foi aumentando com o passar do tempo, até que, em 2014, levou a um divórcio. Outro impacto que teve com isso foi em sua maneira de observar casos semelhantes, que agora a faz sempre se colocar no lugar das mães de criminosos: "Quando escuto sobre terroristas nas notícias penso: ‘Ele é filho de alguém'", descreve.
Além do mais, sua vida deixou de ser somente uma cruzada contra as armas, como também contra o suicídio: "Acredito que um assassinato-suicídio é uma manifestação de suicídio e, se nos centrarmos nesse, penso que poderemos evitar acontecimentos como o de Columbine."
Susan Klebold em um TED Talks / Crédito: Reprodução/Vídeo/YouTube
Posse do que não se conhece
O Massacre de Columbine se tornou um grande marco na história norte-americana, tendo, infelizmente, influenciado outros atentados semelhantes não só nos Estados Unidos como também pelo mundo. Além disso, diversos documentários, livros, filmes e inclusive músicas em referência ao caso foram produzidos com o tempo, e toda essa repercussão não foi muito bem suportada por Susan:
Para mim, Dylan me pertencia. E quando vejo filmes, obras de teatro e escuto canções dedicadas ao que aconteceu tenho a sensação de que alguém o está tirando de mim, que está exigindo a posse de algo sobre o qual não sabe absolutamente nada", alegou em entrevista ao The Guardian.
Por fim, o livro se encerra com um lamento: "Gostaria de ter descoberto o plano de Dylan. Gostaria de tê-lo detido. Gostaria de ter a oportunidade de trocar de lugar com aqueles que perderam sua vida. Mas à margem de um milhão de desejos apaixonados, sei que não posso voltar atrás". Ainda alerta: "Devemos centrar nossa atenção em pesquisar e conscientizar sobre essas doenças [mentais], não só para o benefício dos que sofrem com elas, mas também dos inocentes que continuarão sendo suas vítimas se não o fizermos."