Recém-nascido sequestrado na Ditadura Pinochet reencontra família após 42 anos
Aventuras Na História
Há 42 anos, María Angélica González deu à luz a seu filho em um hospital no Chile. Antes do bebê ser colocado em seu colo, porém, a enfermeira disse que precisava levá-lo para uma incubadora, pois o menino havia nascido prematuro.
Pouco tempo depois, González recebeu uma notícia devastadora: o bebê estava morto. Foi nisso que ela acreditou por mais de quatro décadas. Mas apesar de todo esse tempo, a mentira foi revelada.
Do outro lado desta história, Jimmy Lippert Thyden foi adotado por uma família nos Estados Unidos, sendo criado no estado da Virgínia. Thyden foi cuidado com todo carinho e amor que uma criança merece, mas sempre sentiu um vazio em seu coração: aquele deixado por sua mãe biológica morta. Foi nessa versão que ele também acreditou por toda sua vida.
Ambos haviam sido vítimas de um golpe, um golpe que deixou feridas em suas vidas. Um golpe que deixou marcas na sociedade chilena. Um golpe dado por Augusto Pinochet, ditador que 'governou' o país de 1973 até 1990.
Segundo repercute o USA Today, a organização Nos Buscamos estima que cerca de 20 mil bebês foram vítimas de tráfico humano durante o regime. Os recém-nascidos eram retirados de suas mães, em grande parte de famílias de baixa renda, e adotados por casais inocentes em países estrangeiros.
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A rede de tráfico era parte de uma ação elaborada que envolvia parteiras, médicos, assistentes sociais, freiras, padres e juízes — o esquema enriqueceu seus participantes e também o governo de Pinochet.
"Hola mama, te amo mucho"
Em abril deste ano, Jimmy Lippert Thyden leu uma matéria do USA Today sobre um morador da Califórnia que foi roubado ainda criança no Chile e adotado por um casal norte-americano.
Thyden sabia de seu passado, ou de parte dele. O homem serviu por 19 anos os fuzileiros navais dos Estados Unidos e seu registro apontava o Chile como seu local de nascimento. Isso o fez pensar: será que o mesmo aconteceu comigo?
Durante 40 anos, essa foi a minha história", disse em um relato em seu Facebook.
Nas semanas seguintes, após ler o artigo, Thyden entrou em contato com a Nos Buscamos. Os voluntários lhe ofereceram um teste de DNA que seria comparado com os dados da plataforma genealógica MyHeritage, usado para reunir as famílias separadas pela Ditadura Pinochet.
Os resultados revelaram a verdade para o sujeito. Ele não só tinha uma mãe viva que mora em Valdivia, mas também quatro irmãos biológicos e uma irmã. O encontro entre eles aconteceu na última semana. González finalmente conseguiu abraçar o filho pela primeira vez.
Hola, Mamá … Te amo mucho", ouviu após quatro décadas.
"É um milagre de Deus", disse a mulher, hoje com 69 anos, ao USA Today. "Quando soube que ele estava vivo, não pude acreditar".
Thyden, que mora com sua esposa e duas filhas em Ashburn, na Virgínia, disse que conhecer sua mãe foi incrível. Ele permaneceu em Valdivia até a última quarta-feira, 23, onde ganhou uma festa de aniversário. Seus parentes cantavam felizes cumpleaños enquanto ele estourava os 42 balões — um para cada ano em que estiveram separados.
"Estou feliz pelos momentos que estamos passando agora, mas lamento a perda de 42 anos de tempo com minha família, com meus irmãos, com ela", disse. "É a frustração de perder minha cultura e a frustração de perder tanto tempo, de não ter as memórias construídas juntos, de não ter as experiências de uma vida compartilhada."
Thyden ainda caminhou pelo bairro em que sua mãe mora e vislumbrou tudo o que poderia ter vivido: o mercado onde teria feito compras, as ruas que teria atravessado. Enxergou como sua vida poderia ter sido diferente.
Ainda assim, se diz extremamente grato por sua família adotiva, que lhe deu "todas as oportunidades" para prosperar nos Estados Unidos. "Eles… não me pouparam nada", relatou. "Tive um lar amoroso, oportunidades, valores fortes e uma ótima educação."
Mas conhecer seu passado também o fez encontrar o pedaço "que estava perdido", como o próprio relatou. "Conhecer [González] é saber que ela é uma pessoa amorosa e atenciosa. Torna-se muito real".
Sentimos como se nos encaixássemos o tempo todo — como uma peça perdida de um quebra-cabeça agora encontrada, mas destinada a se encaixar o tempo todo".
A busca de conexões
Mas a jornada de Jimmy Lippert Thyden não acaba por aqui. Ele planeja se reunir com uma rede de apoio de 40 adotados com histórias semelhantes à sua. Ao USA Today, ele também disse que gostaria de ver o governo chileno pagar pelo aconselhamento dos bebês traficados sob o regime de Pinochet.
Contaremos essas histórias", disse Thyden, "até que todas as crianças sejam encontradas ou todas as famílias sejam reunidas".
Até agora, apenas grupos sem fins lucrativos como Nos Buscamos e Hijos y Madres del Silencio estão trabalhando para reconectar os adotados com suas famílias biológicas. O
Nos Buscamos, por exemplo, não recebe financiamento governamental e depende de voluntários para o trabalho muitas vezes demorado envolvido na confirmação de relações com testes de DNA.