Veja a última refeição de um crocodilo mumificado de 3.000 anos
Aventuras Na História
Quando se pensa em múmias egípcias, logo vem a mente as descobertas arqueológicas que encontram os restos mortais de pessoas bem preservadas ou então a representação delas em Hollywood — surgindo da terra como se fossem zumbis sedentos em busca de alimento.
Mas, muitos podem se surpreender ao descobrirem que os antigos egípcios, por exemplo, não preservam apenas as pessoas, como também animais — pelos mais diferentes motivos.
Em setembro desse ano, um artigo publicado no Digital Applications in Archaeology and Cultural Heritage deu mais detalhes sobre um crocodilo que foi mumificado — inclusive sobre sua última refeição, há cerca de 3 mil anos.
Animais mumificados
Em artigo publicado no The Conversation, a pesquisadora Lidija M. Mcknight, professora de Patologia Biomédica pela Universidade de Manchester e uma das autoras do estudo, explicou que, para os egípcios antigos, os animais tinham importante função religiosa, por serem criaturas que abrangiam o reino terrestre e o divino.
Um exemplo são os falcões, comumente associados aos deus do sol, Hórus, visto que eles voavam alto no céu, portanto, perto da própria divindade. Já os gatos eram ligados à deusa Bastet — uma figura maternal, corajosa e ferozmente protetora.
Assim, a maioria das múmias de animais foram criadas como oferendas ou presentes aos deuses. E a descobertas desses animais ajudam a ter uma visão de como era a natureza nesse período (entre 750 anos a.C. e 250 anos d.C.), afinal, muitas dessas espécies já não existem mais hoje na região.
É o caso do Íbis-Sagrado, uma ave de pernas longas com bicos curvos que vivia ao longo das margens do rio Nilo. Eles foram mumificadas aos montes como oferendas para Thoth, o deus da sabedoria e da escrita. Desde a primeira metade do século 19, porém, as aves não se reproduzem mais no Egito devido às mudanças climáticas e efeitos da desertificação; que fizeram elas se mudarem para o sul, para a Etiópia.
Outro caso comum de mumificação animal aconteceu com os crocodilos, que viveram no Nilo até a conclusão da Represa de Aswan, em 1970. Eles eram associados a Sobek, o Senhor do Nilo e o deus cuja presença sinalizava a enchente anual do rio — que fornecia água e lodo rico em nutrientes para suas terras agrícolas.
Além de mumificados em grande número como oferenda para Sobek, o animal também era usado como talismã por todo o Egito para afastar o mal — seja usando sua pele como roupa ou até mesmo o pendurando sobre as portas das casas.
Mcknight explicou que a maioria das múmias dos crocodilos era de animais pequenos, o que sugere que os egípcios tinham os meios para chocar e manter os filhotes vivos até que fossem necessários.
Evidências arqueológicas, como de um estudo publicado na revista Plos One em 2023, reforçam essa teoria. A pesquisa relatou a descoberta de áreas dedicadas à incubação de ovos e criação de filhotes. Já um artigo publicado no Daily JSTOR discorre que alguns eram até mesmo 'mimados' como animais de culto e deixados morrer de forma natural.
A predileção pelos animais pequenos também pode ser explicada pelo fato de que crocodilos maiores apresentavam um risco superior aos tratadores. Assim, os crocodilos adultos capturados na natureza eram prontamente despachados para mumificação.
Uma pesquisa anterior liderada por Lidija, publicada em 2015 na RadioGraphics, revelou que os restos mumificados de animais maiores apresentavam evidências de traumatismo craniano infligido por humanos, provavelmente como uma tentativa de imobilizar e matar o animal.
A última refeição
Para o estudo publicado em setembro, citado no início da matéria, os pesquisadores analisaram a múmia de um crocodilo que faz parte da coleção do Birmingham Museum and Art Gallery, do Reino Unido. O animal mede 2,23 metros de comprimento.
Em 2016, a grande múmia do crocodilo foi levada pelos pesquisadores da Universidade de Manchester para o Royal Manchester Children's Hospital, onde passou por uma série de estudos radiográficos.
Assim, por meio de raios-x e tomografias computadorizadas, os pesquisadores conseguiram confirmar que o trato digestivo do animal estava cheio de pequenas pedras conhecidas como "gastrólitos".
Sabe-se que os crocodilos frequentemente engolem pequenas pedras que ajudam não só na digestão de alimentos como também a regular sua flutuabilidade.
A presença dos gastrólitos sugere que os embalsamadores não realizaram a evisceração do animal, ou seja, o processo de remoção dos órgãos internos para retardar a putrefação.
No meio das pedras, os pesquisadores notaram a presença de uma espécie de anzol de metal e um peixe. A pesquisa aponta que os grandes crocodilos mumificados eram capturados na natureza usando anzóis iscados com peixes.
A técnica já havia sido citada pelo historiador grego Heródoto, que visitou o Egito no século 5 a.C. e relatou que porcos eram espancados nas marges do rio para atrair os crocodilos — que por sua vez eram capturados em anzóis iscados colocados no Nilo.