A controversa e provocativa origem do truque de serrar mulheres ao meio
Mega Curioso
Conhecido como um dos truques de mágica mais populares de todos os tempos, a centenária arte de dividir um corpo ao meio com uma serra ganhou repercussão com o astro David Copperfield durante a década de 1980. No entanto, sua história remete a algumas décadas antes, quando o criador original do truque, no início dos anos 1920, planejou contra-atacar a mentalidade do sufrágio feminino de uma forma pretensiosa.
(Fonte: BBC/Reprodução)
Nascido em 1881, Percy Thomas Tibbles foi apresentado à mágica de palco em sua juventude, enquanto espionava um artista fazer seus truques no porão da casa de um ourives. Após anos de prática, o rapaz lançou seu nome artístico Selbit — Tibbles ao contrário — e tornou-se referência na área aos 19 anos, exibindo performances profissionais e escrevendo para uma revista do gênero, em que revelava truques de enganação, piadas e relatos sobre o universo místico.
Seus espetáculos contavam com muito conteúdo de autopromoção que, por meio de fortes campanhas de marketing através de ambulâncias de anúncio nas ruas, impulsionavam os quadros de ilusão e chocavam o público com a primeira mostra de uma mulher sendo serrada ao meio. Mesmo com litros de sangue sendo derramados pelos assistentes, o que mais chamou a atenção do público foi o inusitado convite proposto por Selbit para que Christabel Pankhurst, líder do maior movimento feminista e sufragista do Reino Unido na época, fosse a "vítima" no palco.
O convite
(Fonte: Wikimedia Commons/Reprodução)
Filha mais velha de Emmeline Pankhurst e cofundadora da União Social e Política das Mulheres (WSPU) em 1903, Christabel Pankhurst era conhecida por sua personalidade explosiva e temperamental, trazendo discursos apaixonados e confrontosos em encontros e locais públicos — atos que lhe renderam prisões por interromper uma reunião do Partido Liberal e por cuspir em dois policiais.
Quando estava solta, Christabel era recorrentemente indiciada como foragida e configurava na lista da polícia como procurada por conspiração, favorecendo o ativismo militante e a ampla defesa do direito de voto para mulheres. Foi então que, em 1918, a família Pankhurst teve participação direta na sanção da Lei de Representação do Povo, que garantiu a participação legal de donas de propriedades britânicas com mais de 30 anos em eleições .
(Fonte: BBC/Reprodução)
Polarizadora e sem paciência para política, Christabel colocou anúncios em jornais buscando "emprego impessoal" e "trabalho remunerado e não político" e imediatamente chamou a atenção do mágico Selbit, que viu uma oportunidade de ouro para explorar as ansiedades do público sobre o movimento pelos direitos das mulheres . De acordo com a historiadora Naomi Paxton, o artista ofereceu a ela "o papel principal na performance", pagando cerca de £20 por semana, valor equivalente a £1000 (aproximadamente R$7,4 mil) na cotação atual. “O trabalho é de natureza apolítica”, escreveu Selbit, “e além dessas taxas, todas as despesas de viagem seriam pagas”.
Proposta mal intencionada
A proposta de Selbit aconteceu três anos após a aprovação da Lei de Representação do Povo e foi interpretada como uma afronta com conotações políticas, por envolver homens restringindo e desmembrando uma das defensoras mais vorazes do feminismo na época. Paxton sugere que o ilusionismo da serra faz alusão a um "prazer macabro de ver um corpo feminino contido em perigo".
(Fonte: Getty Images / Reprodução)
“Há uma conexão real entre a ansiedade sobre o poder mutante das mulheres e o desejo de vê-las pela metade em público, para a alegria de centenas de milhares de pessoas”, disse Joanna Ebenstein, fundadora da Morbid Anatomy.
Desde então, com a recusa de Christabel em atuar como atração de palco no Finsbury Park Empire — local que sediaria a apresentação de Selbit — e sua consequente substituição pela ativista Betty Barker, o truque se consolidou mostrando mulheres como vítimas, enquanto a real história por trás de sua origem se oculta nos anais do ilusionismo moderno.