De racista a abusador: as acusações feitas sobre a vida de Gandhi
Mega Curioso
Gandhi. Você, provavelmente, já ouviu falar nesse nome. O advogado indiano, anticolonialista, nacionalista e especialista em ética política foi um dos maiores líderes pacifistas que a história já conheceu. Ele foi o responsável por liderar milhares de multidões a conhecer e praticar o significado da não violência, durante sua luta de resistência pela independência da Índia, em 1947.
O líder desafiou de maneira pacífica o imposto salino cobrado pelos ingleses com sua "Marcha do Sal", em 1930, liderada ao longo de 400 km, reunindo mais de 60 mil cidadãos; incentivou o país a adotar uma visão independente baseada no pluralismo religioso; e conquistou os direitos civis apelando apenas para a fé e o amor.
Acusações de racismo
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
Onze anos após Gandhi falecer, em Nova Delhi (Índia), sua casa — chamada Mani Bhavan, onde ele ensinou os seguidores a tecerem seu próprio tecido e também onde iniciou o seu movimento pela verdade e resistência não violenta — foi convertida em um museu. Ali acontecia os primeiros passos para a canonização mundial do líder como um pináculo do século XX, cujos ensinamentos reverberariam por toda a história.
Em uma sala no último andar da residência, onde o colchão e os sapatos do homem ainda estavam, Martin Luther King Jr. disse que ainda podia "sentir as vibrações de Gandhi". Conforme o curador Usah Thakkar, em uma matéria do NPR, o ativista estava hospedado em um hotel ótimo, mas se recusou a ir para qualquer outro lugar. “Vou ficar aqui, porque estou sentindo as vibrações de Gandhi”, disse ele.
Quem poderia imaginar que, seis décadas mais tarde, o próprio movimento negro alavancado por King, começaria a expor a vida racista de Gandhi, em meio a tudo o que acontecia por trás de sua faceta espiritualizada e política.
(Fonte: TUPOREM/Reprodução)
Em 1903, durante sua passagem pela África do Sul, o líder escreveu que os brancos deveriam ser "a raça predominante", adicionando também que o povo negro era problemático, sujo, e vivia como animais.
“Gandhi, quando jovem, simpatizou com as ideias de sua cultura e tempo. Aos 20 anos, ele pensava que os europeus eram o povo mais civilizado, e que os indianos eram quase tanto quanto, enquanto os africanos eram como bichos”, declarou o biógrafo Ramachandra Guha, em entrevista à NPR.
Contudo, o escritor ressaltou que Gandhi superou seu racismo de forma bastante decisiva e, durante a maior parte de sua vida como figura pública, ele foi um antirracista, defendendo o fim da discriminação de todos os tipos de raças.
Acusações de abuso
(Fonte: Medium/Reprodução)
Gandhi também defendeu às mulheres, lutando contra a discriminação de gênero, para isso nomeou mulheres para cargos importantes no partido do Congresso, e pediu para que as mulheres na sociedade participassem de protestos e marchas pela liberdade.
Contudo, seu celibato se tornou uma questão tão ameaçadora para ele, que chegou a dormir nu ao lado de Manu, sua sobrinha menor de idade, para testar seu desejo sexual, aos 70 anos.
“Ele chegou à conclusão de que a violência [à mulher] era em parte um produto ou consequência das imperfeições dentro dele”, disse Guha.
No passado, o experimento de Gandhi foi considerado perturbador, tanto que seu assistente pessoal e estenógrafo R.P. Parasuram foi expulso de seu ashram (um eremitério hindu) quando o líder se recusou a interromper esses experimentos. Além disso, dois editores de seu jornal se negaram a imprimir partes de seus sermões que endossavam aquele tipo de teste.
Contudo, Gandhi não parou. Ele chegou a incluir Abha, a esposa de seu sobrinho-neto, em suas práticas para continuar se testando. Jornalistas da época alegaram que Manu não pareceu chateada com os experimentos, apesar da equação de poder desigual entre ela e seu tio-avô. Mais tarde, historiadores questionaram se a jovem era capaz de não dar consentimento a um homem tão reverenciado e muito mais poderoso do que ela.
“Ele queria ter certeza de que não era um predador sexual, mas esses experimentos não podem ser defendidos. Eles foram uma imposição às jovens e um exercício de poder, porque ele era o grande Mahatma”, ressaltou Guha.
Um marido estranho
Kasturba Gandhi. (Fonte: Congress Chronicles/Reprodução)
Apesar de todo esse ativismo feminino, o comportamento de Gandhi em casa com sua esposa Kasturba, com quem não tinha relações sexuais desde que tivera seus filhos, foi considerado controverso.
Isso porque o homem teria maltratado a esposa a maior parte de sua vida. Além de tê-la privado de manter presentes que recebia, Gandhi alegava que não suportava olhar para o rosto dela. Em 1943, quando Kasturba contraiu uma doença que lhe causou hemorragia, ele proibiu os médicos de darem penicilina a ela, argumentando que se tratava de um medicamento estrangeiro.
“Se Deus quiser, Ele a ajudará”, disse Gandhi. Contudo, não foi o que aconteceu. Em 22 de fevereiro de 1944, após meses de sofrimento sem nenhum apoio de seu marido, Kasturba morreu.
Tushar Gandhi, um dos bisnetos do líder, explicou que o avô não quis que o medicamento fosse administrado para sua esposa porque ela era uma vegetariana estrita, afirmando que a mídia teria inventado história em cima disso.
A "desaprendizagem"
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Gandhi e seu filho Harilal nunca se deram bem, e a educação foi um dos motivos. Harilal queria ser advogado, assim como o pai, mas foi impedido pelo próprio. Na verdade, Gandhi negou educação a seus filhos devido a suas opiniões políticas, tanto porque se recusava a colocá-los em escolas exclusivas por sua posição social, quanto naquelas que já haviam rejeitado indianos.
Ele, portanto, defendeu também o conceito de "desaprendizagem", afirmando que a salvação da Índia consistia em desaprender o que ela ensinou naqueles últimos 50 anos. Portanto, as ferrovias, telégrafos, hospitais, advogados, médicos e tecnologia tinham que ficar para trás.
O então primeiro-ministro da Índia em 1947, Jawaharlal Nehru, foi um dos principais opositores à ideia imposta por Gandhi, pois não gostava do elogio à pobreza e ao sofrimento que o homem pregava.
Uma opinião polêmica
(Fonte: Qrius/Reprodução)
Uma das polêmicas de Gandhi mais notórias foi sua resposta e visão sobre o Holocausto. Em 23 de julho de 1939, às vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, Gandhi escreveu uma carta para Adolf Hitler implorando para que evitasse a guerra.
Dirigindo-se ao homem como "querido amigo", ele usou gentileza e compaixão para mostrar ao líder nazista os erros que estava cometendo ao longo do caminho. Seu comportamento foi altamente criticado, definido como "tolice absoluta".
Em 1962, o cineasta britânico Richard Attenborough, enquanto pesquisava para produzir o filme biográfico Gandhi, de 1982, perguntou a Nehru como deveria retratar o líder. O então primeiro-ministro indiano disse que Gandhi era "um grande homem, mas que tinha suas fraquezas, seus humores e defeitos".
Nehru implorou para que o cineasta não transformasse o líder em um santo. “Ele era humano demais”, disse ele, apesar do termo honorífico “mahatma”, que significa “de grande alma”, “venerável”.

