Holocausto: como um judeu preso enviava cartas à esposa secretamente
Mega Curioso
Daniele Israel, um judeu italiano preso em Trieste , nordeste da Itália, conseguiu enviar cartas à sua esposa durante oito meses antes de ser deportado para Auschwitz, em 1944. Claro, tudo escondido dos nazistas. Recentemente, sua história veio a público com a ajuda de uma equipe de pesquisadores e com o apoio dos seus filhos, Dario e Vittorio, hoje com 85 e 84 anos respectivamente.
Especialistas do site MyHeritage, um serviço que permite que as pessoas rastreiem as origens da sua família, descobriram as cartas de Daniele em 2017, mas somente agora foram completamente recuperadas. Hoje, elas fazem parte do acervo do Centro de Lembrança do Holocausto Mundial em Jerusalém. Segundo Dario e Vittorio, antes de guardar cuidadosamente cada folha de papel, sua mãe as lia com muita emoção para eles.
Deniele e sua família. (Fonte: BBC/ Reprodução)
O sistema para o envio de cartas
Daniele era um ótimo estofador. Sabia usar com maestria a linha e agulha. Logo, não era nenhum problema abrir rapidamente a gola ou o punho de uma camisa e colocar ali dentro uma carta. Dessa forma, escondidas onde ninguém pensaria em procurar, é que as cartas começaram a chegar às mãos de Anna, sua esposa, e também aos filhos, todos escondidos na casa de um cunhado.
Contudo, o estofador não podia fazer tudo sozinho. Na verdade, as cartas de Daniele só chegavam ao destino graças a dois ex-funcionários de sua loja, que recuperavam as camisas, mesmo colocando suas vidas em risco, desafiando os nazistas . Anna também escrevia ao marido, porém, para evitar qualquer complicação, Daniele destruía as cartas logo após serem lidas.
Uma das cartas de Daniele na qual pede uma garrafa de um tipo de vinho da região. (Fonte: BBC/ Reprodução)
A prisão e guerra
No dia 2 de setembro de 1944, após oito meses preso em Trieste, Daniele foi levado de trem para Auschwitz. Suas cartas são consideradas documentos excepcionais de sua experiência na prisão. Uma espécie de diário, onde estavam as torturas, os medos, as expectativas e as histórias de outros prisioneiros.
Apesar de tudo, os filhos de Daniele dizem que os relatos deixam claro que o pai quase não se preocupava consigo e, sim, com sua família. Ele costumava pedir, por exemplo, que a esposa contasse como os filhos estavam e o que andavam fazendo. Também demonstrava medo, sempre lembrando a Anna que tomasse cuidado e garantisse que ninguém da família fosse encontrado.
Os filhos de Daniele acreditam que ele foi mantido por tanto tempo em Trieste devido a suas habilidades profissionais como estofador. Um fato curioso é que ele era empregado pelos próprios oficiais nazistas para fazer trabalhos em suas casas. E esse “emprego” quase salvou sua vida.
Documento de identidade de Daniele Israel. (Fonte: BBC/ Reprodução)
A fuga e o otimismo
Vittorio e Dario destacam uma carta em que seu pai detalha que teve a oportunidade de fugir por uma pequena janela do banheiro de uma das casas onde estava trabalhando. Porém, não tinha muitas forças e acabou voltando para a prisão com os guardas.
Em entrevista para a BBC, Vittorio disse que "ele [Daniele] escreveu muito sobre nós porque queria nos ajudar a enfrentar esse momento. Ele estava muito otimista. Pensou que as coisas iriam dar certo. Mas ele também avisou minha mãe que havia espiões e que ela não deveria confiar em ninguém".
Tribunal na Via Coroneo, em Trieste - a prisão ainda está em operação no fundo do edifício. (Fonte: Museu da História e Arte de Trieste/ BBC/ Reprodução)
A deportação e o desconhecido
A família de Daniele permaneceu na Itália até o ano de 1949. Vittorio conta que após o envio do pai para Auschwitz, nada mais se soube dele. Até pensaram que tinha conseguido chegar à Rússia e que, talvez, voltasse para casa.
Também consideraram a possibilidade de Daniele ter perdido a memória. Mas, com o passar do tempo, concluíram que não havia mais o que esperar ou fazer, por isso, decidiram se mudar para Israel, tendo como principal objetivo refazer a vida.
Vittorio acredita que seu pai não resistiu à marcha da morte rumo a Auschwitz, tendo o mesmo destino de outros 7.680 judeus italianos mortos no Holocausto . O pessoal do MyHeritage, responsável por recuperar as cartas, também conseguiu processar várias fotos de Daniele e Anne. Além da digitalização, os pesquisadores ainda garantiram a colorização das imagens.
Vittorio e Dario, filhos de Daniele. (Fonte: BBC/ Reprodução)