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Teso dos Bichos e a complexa civilização que habitou a Ilha Marajó
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Teso dos Bichos e a complexa civilização que habitou a Ilha Marajó

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Mega Curioso
19/01/2022 20h00
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Localizada na foz do rio Amazonas, a ilha de Marajó possui uma das histórias mais fascinantes do passado do nosso país. Batizada de "Veneza brasileira" por seus campos alagados, poucas árvores e solo argiloso, essa região um dia foi lar para algumas das sociedades mais complexas do período pré-cabralino: os tesos.

Montados pelas comunidades indígenas da região, os tesos nada mais são do que "plataformas" elevadas construídas artificialmente para se proteger dos períodos de cheia — que ameaçavam a subsistência dos habitantes. Durante os próximos parágrafos, nós abordaremos o estilo de vida dessas comunidades e o porquê delas serem consideradas tão complexas.

Topografia e clima em Marajó

(Fonte: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP)(Fonte: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP)

Conforme o jornalista científico Reinaldo José Lopes cita em seu livro 1499: O Brasil Antes de Cabral (2017), os marajoaras sempre conhecerem apenas duas estações no ano: a cheia, que dura de janeiro a junho, e a seca, que perdura pelo restante do ano. E essas duas fases são extremamente importantes para compreendermos essa região.

Por ter o solo argiloso e com baixa quantidade de nutrientes, Marajó é altamente impermeável. Além disso, a parte interior da ilha está localizada abaixo do nível do mar, o que faz com que essa grande área de território seja extremamente suscetível a alagamentos.

Durante a cheia, torna-se quase impossível escapar das inundações e apenas as áreas mais altas ficam resguardadas. Estima-se que 70% da ilha fique coberta por uma camada de água de 1 a 2 metros de profundidade durante esse período — especialmente a região leste.

E é justamente nessa porção da ilha de Marajó onde podemos encontrar os tesos, estruturas elevadas que foram criadas para que as tribos indígenas pudessem superar os desafios climáticos e topográficos daquele espaço. O Teso dos Bichos, que é um dos exemplos mais conhecidos desse tipo de construção, também foi feito ali.

Origem dos tesos

(Fonte: Internet/Reprodução)(Fonte: Internet/Reprodução)

A ocupação da ilha de Marajó é datada de 3.500 anos atrás, ou ao menos é o que os primeiros registros históricos apontam. E desde esse período, os tesos fizeram parte da cultura local. Somente no sítio arqueológico de Camutins, que se estende por 10 km ao longo do rio Amazonas, foram identificados cerca de 30 tesos.

Alguns deles chegam a medir 10 metros de altura, com diferentes plataformas em suas estruturas. Estudos indicam que todo o complexo de Camutins poderia ter abrigado mais de 3 mil pessoas, o que seria o equivalente a uma cidade europeia medieval de pequeno a médio porte.

Em entrevista ao Mega Curioso, Reinaldo José Lopes explica que, apesar do Teso dos Bichos ser o mais notório entre as elevações artificiais de Marajó, diversas estruturas similares foram estudadas na região. "O mais importante a se levar em conta sobre os tesos é como seus criadores tinham controle sobre os recursos naturais planejados em termos de território", conta.

Conforme Lopes cita, os marajoaras do passado compreendiam a situação climática e espacial na qual se encontravam e souberam usar os recursos à sua volta para sobreviverem — inclusive desenvolvendo modelos sociais complexos e expandindo o leque cultural durante esse processo.

Subsistência nos tesos

(Fonte: Pixabay)(Fonte: Pixabay)

Pela falta de nutrientes no solo, a agricultura nunca foi um forte para suprir as necessidades nos tesos. Porém, isso não significa que as populações locais não tenham encontrado uma forma para sobreviver. "Na época da seca, os buracos que eram abertos para criar os tesos também eram reutilizados para acumular água e reter alevinos quando a inundação baixasse", disserta o autor do livro.

Sendo assim, a proteína dos peixes acabou se tornando a principal forma de subsistência dessas populações. Inclusive, a falta de evidências agrícolas em Marajó foi motivo de questionamento sobre a real complexidade dos tesos em um estudo feito em 2009 por um grupo de geólogos, teoria essa montada pela arqueóloga americana Anna Roosevelt a partir de escavações feitas em 1980.

Segundo Roosevelt, os tesos foram erguidos por uma sociedade de ceramistas que habitou Marajó e que teve seu apogeu entre os anos 500 e 1500, além de terem servido de base para diversas aldeias. No entanto, esse último estudo argumenta que as estruturas elevadas nada mais seriam do que construções naturais e que não haveria vestígios de agricultura em grande escala que pudessem ter sustentado uma população tão grande quanto outros estudos sugerem.

Reinaldo, por sua vez, explicou que o estudo não é aceito pela maioria dos arqueólogos. "Uma coisa não precisa ter relação com a outra. Uma sociedade complexa pode depender do uso intensivo de recursos da pesca mesmo com pouca ou nenhuma agricultura", rebateu.

Término dos tesos

(Fonte: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP)(Fonte: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP)

Em 2005, um estudo feito pela arqueóloga brasileira Denise Schaan, da Universidade Federal do Pará (UFPA), chegou inclusive a sugerir que os tesos eram tão complexos que se articulavam em redes políticas regionais em vez de um poder centralizado. Porém, isso não impediu que esse tipo de sociedade colapsasse.

Antes mesmo de os europeus pisarem em território brasileiro, a estrutura social dos tesos já estava ruindo. A causa por trás do fim ainda é desconhecida entre pesquisadores. "Nós temos poucos dados arqueológicos sobre isso ainda. Mas existem hipóteses que falam sobre como mudanças ambientais e climáticas poderiam ter afetado essas populações", disse Lopes.

Apesar do fim misterioso, é possível afirmar que as estruturas dos tesos fazem parte da (pré-)história brasileira e o que pode ser estudado na ilha de Marajó são vestígios do que um dia chegou a ser uma das comunidades mais complexas criadas por nativos em nosso país.

Leia a matéria original aqui.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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