Como é o meu processo para escrever livros sobre inovação?
Tecmundo
Sou jornalista há mais de 15 anos e já escrevi centenas de textos durante esse período, boa parte deles sobre o tema inovação, que pode ser definida como uma solução inédita para problemas complexos não resolvidos ou mal resolvidos. Nenhuma experiência prévia, porém, pode ser comparada ao processo de escrever um livro, por vários fatores.
Primeiro pela questão da linguagem, o que envolve conteúdo e forma, isto é, o que comunicar e como fazê-lo. É preciso transformar o complexo em simples, sem ser raso. O segundo ponto se refere à tentativa de fazer o leitor se sentir seduzido pelo próximo parágrafo, pela próxima página e assim, sucessivamente. E o terceiro, está relacionado ao tamanho do livro: é um documento extenso. Então, não é simples "seduzir" e ter conteúdo por longas e longas páginas.
No Jornalismo, o modus operandi é a descrição dos fatos tais quais eles ocorreram, com apoio de pesquisa e dados, sempre de forma objetiva e informativa. É uma radiografia dos fatos. Mas, quando falamos da produção de livros, mesmo de não ficção, esse modelo não basta.
Não estou dizendo que a objetividade e a veracidade das informações não são importantes, afinal, o leitor está confiando naquela leitura como aprendizado e é responsabilidade do autor checar antes de transmitir os fatos. O que acontece é que o livro exige um trabalho para além da informação: exige conexão profunda.
Mas como estabelecer essa conexão?
Acredito que o elo entre o autor e o leitor sejam as emoções. Isso porque, por mais que as circunstâncias de vida sejam individuais, os sentimentos são comuns a todos: medo, felicidade, angústia, ansiedade, euforia, apatia. Isso sem falar nas sensações, como frio, calor, fome, preguiça, entre outras. Exemplo: eu nunca fiz um gol em uma final de Copa do Mundo — o que é o auge de um jogador de futebol — ou então bati um pênalti para fora, o que pode ser considerado um dos momentos mais difíceis e constrangedores na vida desse profissional.
Mas eu já tive minhas glórias: fechei grandes contratos, fiz uma palestra e ganhei aplausos, me senti o “dono do mundo” por alguns segundos! Lembro de sentir a confiança subindo pelo meu peito, uma forte emoção tomar conta de mim conforme o som dos aplausos crescia, de me segurar para não chorar lembrando de todo o esforço enquanto minha mão tremia segurando o microfone! Lembrei-me de todas as vezes em que fui rejeitado para que, naquele dia, eu me consagrasse!
Por outro lado, já mandei a bola nas alturas, no melhor estilo Roberto Baggio, na Copa de 1994: era considerado uma referência no que fazia, era eu e o goleiro, mas mandei a bola para quase fora do estádio. E todos perderam porque eu errei. Acontece.
Então, quando escrevo livros contando a história dos outros, eu me conecto a minha própria história. No meu primeiro livro, Saída de mestre: estratégias para compra e venda de uma startup (Editora Gente, 2021), em parceria com João Cristofolini, resumidamente, contamos diversos casos de empreendedores que criaram companhias do zero, venderam e ficaram milionários — e contextualizamos isso com o momento de mercado, que incentiva e precisa das disrupções, afinal, o dinheiro sai de algum lugar por alguma razão.
Como jornalista, eu investiguei os acontecimentos. Como escritor, quis saber como cada um se sentiu quando assinou o contrato e recebeu o cheque que transformou suas vidas. Mas, antes de a ideia milionária ser validada, quantos ‘nãos’ cada um recebeu? Como cada um se sentiu nesses episódios? Por que não desistiu?
No meu segundo e mais recente livro Ouvir, agir e encantar: a estratégia que transformou uma pequena empresa em uma das líderes do seu setor, também pela Editora Gente, escrito em parceria como o CEO do Grupo de logística MOVE3, Guilherme Juliani, o tema principal é como a capacidade de ouvir genuinamente qualquer pessoa, sejam elas fáceis, sejam difíceis, fez que uma empresa criada em um apartamento nos anos 90, chegasse a 2022 com quase 6 mil colaboradores e mais de 90 milhões de entregas por ano.
De novo, como jornalista, eu apurei os fatos: como a empresa nasceu, como cresceu, como foram os altos e baixos, como se deu o processo de sucessão familiar, quais investimentos foram feitos, entre outros. Como escritor, me centrei na premissa-chave do livro: ouvir, e a partir daí criei inovações (agir) para atender e surpreender o cliente (encantar). Nesse contexto, Juliani tem uma frase que permeia toda a obra e merece uma profunda reflexão: “o cliente tem sempre razão, e a exceção confirma a regra”.
O que atrai e segura um leitor no decorrer das páginas de um livro é a sensação de que o autor compreende seus sentimentos.Fonte: Gettyimages
A ideia central é que toda vez que um cliente está insatisfeito, ele provavelmente tem razão. Não se trata de concordar sem questionar com tudo que ele fala, mas partir da premissa de que o cliente provavelmente está certo na sua dor. Pensar assim permite que o vendedor saia da defensiva e encontre o ponto de insatisfação do cliente, o ponto onde ele não está sendo atendido. Nesse lugar de insatisfação está escondida uma oportunidade de negócio. E se esse cliente for atendido nessa dor, a possibilidade de fidelização é gigantesca.
Diante dessa estratégia, de inovar a partir dos ouvidos, revisitei todos os conflitos pessoais e profissionais e lembrei das várias vezes em que, diante de uma reclamação, fiquei na defensiva, me senti atacado, e “parti para cima”. Mas também me lembrei das oportunidades em que estava mais maduro e sereno e, com calma, consegui encontrar um ponto de conexão com meu cliente, consegui entendê-lo, para depois atendê-lo, mesmo em situações extremas.
Ao ler um livro, as pessoas criam cenários inteiros em suas mentes, mas não conseguem fazer isso sozinhas. Um bom escritor será um guia que ajudará a formar a imagem na cabeça do leitor. Procuro ajudá-lo a reviver lembranças e sentimentos de quando ele viveu algo semelhante (ou que despertou sentimento semelhante). Isso gera conexão.
Como escritor, talvez você nunca tenha passado pela mesma experiência que está descrevendo, mas passou por algo que despertou sentimentos semelhantes. Usá-los na escrita é importante, porque o leitor vai ressoá-los em sua mente. Acredito, firmemente, que nada atrai e segura tanto as pessoas quanto a sensação de que o escritor compreende verdadeiramente seus sentimentos.