O vácuo do espaço não é tão vazio quanto você imagina
Tecmundo
Imagine, se conseguir, um lugar no Universo completamente vazio, desprovido de quaisquer objetos, planetas, estrelas, galáxias e até mesmo luz. Um lugar de puro e completo vazio. De acordo com uma definição comum, isso é o vácuo: uma região do espaço totalmente destituída de matéria, um lugar onde não contém nada. Mas é possível mesmo existir tal lugar, repleto do vazio absoluto? Há algum canto no Universo onde existe o completo nada?
Antes de qualquer coisa, precisamos entender que a ideia e o conceito de vácuo não são nada novos. As primeiras discussões sobre a existência de um vazio absoluto das quais há registros tiveram lugar na Grécia Antiga, há mais de 2.000 anos, entre os séculos V e IV a.C., com os filósofos Leucipo, Demócrito e Aristóteles. Ao passo que os dois primeiros acreditavam que o vácuo fosse o espaço entre os átomos onde nada mais existisse, Aristóteles defendia uma ideia oposta, a de que tal vazio não existia. Em outras palavras, de acordo com a teoria atomista de Leucipo e Demócrito, os átomos seriam os menores constituintes possíveis de toda e qualquer matéria, por isso, na separação entre um átomo e outro nada haveria, apenas o completo vazio. Aristóteles, por sua vez, negava essa ideia: para ele, todo o Universo estaria permeado por um quinto elemento praticamente intangível, a "quintessência", que se somava aos quatro elementos clássicos da natureza de terra, água, ar e fogo.
Os quatro elementos fundamentais segundo Aristóteles, aos quais se somava a quinta essência.
Essa tal quinta essência ressurge nas discussões sobre a natureza e ganha uma nova roupagem séculos depois com os estudos acerca dos fenômenos eletromagnéticos. No século XIX, principalmente devido aos trabalhos do físico inglês James Clerk Maxwell e à descoberta de que a luz e as demais ondas eletromagnéticas se propagam no espaço entre os corpos celestes, introduziu-se uma ideia análoga, o conceito do éter. À época, em acordo com a física dos fenômenos ondulatórios, pensava-se que também as ondas eletromagnéticas precisavam de um meio material para se propagar. Desse modo, o éter surge em resposta a essa ideia, sendo definido como uma substância sutil e elástica que preencheria todo o espaço e permitiria que a luz se propagasse no Universo.
Embora sua existência houvesse sido postulada e defendida por grande parte dos cientistas até o final do século XIX, diversas experiências falharam em detectá-lo, inclusive o famoso experimento de Michelson-Morley, construído especialmente para medir o movimento relativo da matéria através do éter. Com uma série de resultados negativos, a teoria do éter perdeu força e foi completamente colocada de lado com o surgimento da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, no início do século passado, uma vez que era uma hipótese desnecessária para a construção da teoria e para suas previsões. Podia-se, então, falar novamente de vácuo!
Fotografia do aparato original do experimento interferométrico de Michelson e Morley, montada em uma laje de pedra que flutua em uma calha anular de mercúrio
Diversos experimentos ao longo da história estudaram a natureza do ar e como retirá-lo de um ambiente. Um dos pais da tecnologia do vácuo, o físico alemão Otto von Guericke, foi pioneiro na construção das chamadas bombas de vácuo que se tornaram cada vez mais sofisticadas com o passar do tempo. Atualmente, bombas de vácuo e outros instrumentos se baseiam em técnicas modernas para vedar e retirar as moléculas de um determinado ambiente e são capazes de atingir valores incrivelmente baixos de pressão, com poucas centenas de partículas por centímetro cúbico.
Mas, finalmente, o vácuo perfeito existe?
A resposta é não! Por mais eficiente que seja o sistema, por mais sofisticadas e cuidadosos que sejam os métodos para criar vácuos artificiais, sempre há resquícios de matéria e a pressão sempre chega a um valor mínimo ao qual não pode mais ser reduzida. O mesmo vale para qualquer canto do Universo, já que sempre haverá átomos e outras partículas “perdidas” vagando por aí. O vácuo do espaço é, contudo, de altíssima qualidade, com o equivalente a apenas alguns átomos de hidrogênio por metro cúbico, em média, valor muito inferior a qualquer vácuo já atingido pela humanidade!
Astrofotografia da galáxia espiral NGC 1055.
O surpreendente mesmo é que, mesmo se considerarmos a ausência total de qualquer átomo ou partícula, o espaço ainda assim não é totalmente vazio! Segundo a Teoria Quântica de Campos, pares partícula-antipartícula virtuais estão sendo formados e aniquilados o tempo todo no vácuo, devido às flutuações quânticas na energia fundamental. Em termos simples, as flutuações de energia no vácuo podem ser explicadas pelo princípio de incerteza da física quântica. A validade desse princípio, introduzido pelo físico alemão Werner Heisenberg e conhecido por levar o seu nome, induz que em qualquer ponto definido no espaço, deve haver mudanças temporárias na energia ao longo do tempo. Por vezes, essa energia é convertida em massa e gera pares partícula-antipartícula de forma espontânea. A maior parcela desses pares recém-criados se recombinam e desaparecem antes de interagir com qualquer coisa. Por conta disso, são chamadas de “partículas virtuais”, o que não significa, contudo, que elas não sejam reais! Longe de ser apenas especulação teórica, as flutuações quânticas de vácuo tem efeitos reais e mensuráveis em nossa realidade física como, por exemplo, o efeito Casimir.
Partículas virtuais flutuantes "entrando e saindo da existência" de acordo com o princípio de incerteza de Heisenberg
Com diversas evidências experimentais, o vácuo não compartilha mais da ideia de ser um componente do vazio absoluto: pelo contrário, apresenta-se como um ente físico em que até mesmo os “nadas” são repletos de “algos”.
Nícolas Oliveira, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É doutorando no Observatório Nacional, onde pesquisa estrelas órfãs em aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia, com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência.